FIDUCIA SUPLICANS, sobre o sentido pastoral das bençãos

Trata-se de um pronunciamento do dicastério para Doutrina da Fé. Seu título, em latim, parece estranho aos nossos ouvidos: FIDUCIA SUPLICANS. A esse título segue um subtítulo que, por si, explica a natureza desse pronunciamento o sentido pastoral: “FIDUCIA SUPLICANS, sobre o sentido pastoral das bençãos”

Como não podia ser diferente, o documento começa falando dobre a fé, ou a Confiança: "A confiança suplicante do fiel Povo de Deus, recebe o dom da benção que brota do coração de Cristo através da sua Igreja."

O que podemos entender, destas primeiras linhas?

- só suplica quem confia naquele a quem dirige sua súplica;

- aquele que suplica, recebe uma resposta que é um dom de DEUS;

- esse dom vem do próprio Cristo;

- Deus concede seu dom que brota do coração de Cristo "através da Igreja".

Além e antes disso: a atitude suplicante demonstra que antes existe uma atitude de quem está em busca da graça de Deus. Só busca a reparação da graça divina quem se sabe ausente dela. E, assim sendo, num geste de humildade, pede/suplica a benção salvadora.

E não há outra alternativa: os dons divinos são mediados pela Igreja. Efetivamente, é Deus quem os concede, independentemente de nossa vontade ou das nossas preferências. E a mediação da Igreja vem da ordem do próprio Senhor: “Tudo que ligardes na terra será ligado no céu” (Mt 18,18).

Em que consiste esse Dom? Trata-se de uma benção que vem do CORAÇÃO DE CRISTO. Se o dom de Deus é a benção, o que é uma benção? Trata-se de falar o bem; oferecer conforto; oferecer misericórdia... E a quem se dirigem as benção, os dons de Deus, a quem dispensar misericórdia?

O documento responde, no número 17: "Quem pede uma benção mostra-se necessitado da presença salvífica de Deus em sua história". E diz mais: "buscar a benção na Igreja é admitir que a vida eclesial brota das entranhas da misericórdia de Deus". Portanto, quem buca uma benção está fazendo uma profissão de fé na misericórdia divina!

E se a misericórdia é a de Deus, temos direito, condições ou capacidade para negá-la?

Isso implica dizer que buscar a benção, é uma forma de admitir fragilidade, admitir e se confessar impotente; admitir e saber que depende da graça de Deus.

Entretanto, alguém pode dizer que o documento está legitimando o "casamento" entre pessoas do mesmo sexo.

Pelo contrário. Ele nasceu justamente para diferenciar o SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO das possíveis e tantas formas de convivências entre pessoas do mesmo sexo, bem como casais em situação irregular.

Além disso vem nos dizer que o MATRIMÔNIO tem rito e todo um procedimento Litúrgico que não se observa nas bençãos de outra natureza: na benção de um carro, de uma casa... e agora, também na benção a duas pessoas que não são casadas e que não podem receber o Sacramento do Matrimônio. Para esses, cabe uma benção que não tem e não pode ter nenhuma proximidade com o rito do sacramento do matrimônio.

Além do mais, a Igreja, mãe caridosa, a exemplo de Cristo, não está tentando transformar em Sacramento a benção concedida ao suplicante que vive numa relação irregular. Disse para usar de caridade para com a pessoa que, em nome da fé, suplica caridade; suplica a companhia do coração de Cristo que é um coração de amor.

Por isso, o pronunciamento chama nossa atenção para o aspecto pastoral dessa união: trata-se de uma relação irregular, que não tem como ser regularizada sacramentalmente. Porém, e aqui é que entra a caridade, a Igreja pode oferecer uma palavra de conforto, a benção, a fim de que o suplicante seja fortalecido em sua fé.

E a nós, a assembleia do povo, o corpo da Igreja, não nos cabe julgar se isto ou aquilo está certo ou errado. A nós cabe entender que a consciência é um território de acesso restrito. Só quem sabe das intenções de uma pessoa é ela mesma. É a sua consciência quem a guia. Sua consciência é acessível apenas a Deus, com sua sapiência e amor. Amor e sabedoria plenos de compreensão para com a situação do pecador; plenos de perdão pois é indulgente para quem o procura com o coração contrito.

A nós, o que nos cabe? Também nós deveríamos nos voltar para o coração de Cristo, pois é dele que brota a benção. E seu coração incumbiu a Igreja de a distribuir para as pessoas que por ela procuram, entregando a Deus o julgamento.

E quando levantamos nossa voz para condenar, será que estamos querendo ser melhores que a Igreja e querendo nos colocar acima da graça e do amor de Deus?

Mãe amorosa a Igreja, justamente para nos convidar a nos colocarmos em atitude pastoral, como crentes suplicantes, conclui o pronunciamento chamando nossa atenção para a “mansidão cristã”. E assim conclui: “Desse modo, cada irmão e cada irmã poderão sentir-se na Igreja sempre peregrinos, sempre suplicantes, sempre amados e, apesar de tudo, sempre benditos”.

Neri de Paula Carneiro

Filósofo, teólogo, historiador, Mestre em educação