Levanto minha voz em defensa do Papa Francisco

Leonardo Boff es un teólogo brasilero y ha escrito Francisco de Asís y Francisco de Roma, Rio de Janeiro 2015. Trotta 2016. 
 

 

Dez anos de ataques furiosos à pastoral da ternura, Leonardo Boff: "Levanto minha voz em defesa do Papa Francisco.

 

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Devido a essa expressão de ódio e violência contra o Papa Francisco, ergo minha voz em defesa de sua pessoa, de sua maneira de ser Papa e de sua visão da Igreja e do mundo.

 

Desde o início de seu pontificado há mais de 10 anos, o Papa Francisco vem enfrentando furiosos ataques de cristãos tradicionalistas e supremacistas brancos, a maioria do Norte do mundo, dos Estados Unidos e da Europa.

 

Houve um tempo em que, em uma articulação política com ricos leigos norte-americanos, até conspiraram, envolvendo milhões de dólares, para depô-lo, como se a Igreja fosse uma empresa e o Papa seu CEO. Tudo em vão. Ele continua seu caminho no espírito das bem-aventuranças evangélicas dos perseguidos.

 

As razões dessa perseguição são várias: razões geopolíticas, disputa de poder, seu modo de ser como Papa pastor, outra visão de Igreja e o cuidado da Casa Comum.

 

Levanto minha voz em defesa do Papa Francisco desde a periferia do mundo, do Grande Sul. Somos ampla maioria ... 

 

Ao longo de mais de 500 anos, houve uma eclesiogênese, outro modo de ser igreja, uma igreja-fonte: encarnou-se na cultura local indígena-negra-mestiça e de imigrantes de povos vindos de 60 países diferentes.

 

Aqui surge uma questão geopolítica. Os conservadores estadunidenses, os europeus, com exceção de notáveis organizações católicas de cooperação solidária (Miserior, Adveniat, Brot für die Welt, entre outras), alimentam um soberano desdém pelo Sul, especialmente pela América Latina.

 

A Igreja-grande-instituição foi aliada da colonização, cúmplice do genocídio indígena (em menos de 60 anos 61 milhões de indígenas foram mortos ou morreram por doenças dos brancos) e participante na escravidão (apenas no Brasil, 5 milhões de pessoas foram escravizadas). 

 

Aqui foi implantada uma Igreja colonial, espelho da Igreja europeia.

 

Desta amalgama, gestou-se seu estilo de adorar a Deus e de celebrar, de organizar sua pastoral social ao lado dos oprimidos que lutam por sua libertação. Projetou uma teologia adequada à sua prática libertadora e popular. 

 

Tem seus profetas, confessores, teólogos e teólogas, santos e santas, e muitos mártires, entre eles o arcebispo de San Salvador, Oscar Arnulfo Romero.

 

Este tipo de Igreja tem sua expressão mais clara nas comunidades eclesiais de base, onde se vive a dimensão de comunhão de iguais, todos irmãos e irmãs, com seus coordenadores leigos, homens e mulheres, com sacerdotes inseridos no meio do povo e bispos, nunca de costas para o povo como autoridades eclesiásticas, mas como pastores ao seu lado, com “cheiro de ovelhas”, com a missão de serem os “defensores e advogados dos pobres”, como se dizia na Igreja primitiva.

 

Papas e autoridades doutrinárias do Vaticano, particularmente sob os Papas João Paulo II e Bento XVI, tentaram cortar e até condenar tal modo de ser-Igreja, não poucas vezes com o argumento de que não são Igreja pelo fato de não verem nelas o caráter hierárquico e o estilo romano ou apenas terem elementos eclesiais, como afirmava o então Cardeal Joseph Ratzinger, no documento Dominus Jesus (2000) que tanto afetou negativamente o ecumenismo.

Essa ameaça perdurou por muitos anos até que, finalmente, irrompeu a figura do Papa Francisco. 

 

Ele veio do caldo dessa nova cultura eclesial, bem expressada pela opção preferencial, não excludente, pelos pobres e pelas diferentes vertentes da teologia da libertação que a acompanha, especialmente a da Argentina: “opção pelo povo e pela cultura silenciada”. 

 

Ele deu legitimidade a esse modo de viver a fé cristã, especialmente em situações de grande opressão.

 

Mas o que mais está escandalizando os cristãos tradicionalistas é seu estilo de exercer o ministério de unidade da Igreja. Já não se apresenta como o pontífice clássico, vestido com os símbolos pagãos, tomados dos imperadores romanos, especialmente a famosa “mozzeta”, aquela capa branca cheia de símbolos do poder absoluto do imperador e do papa. 

 

Francisco se livrou rapidamente dela e vestiu uma “mozzeta” branca simples, como a do grande profeta do Brasil, Dom Helder Câmara, e sua cruz de ferro sem nenhuma joia.

 

Ele se recusou a viver em um palácio pontifício, o que teria feito São Francisco levantar-se da tumba para levá-lo onde ele escolheu: em uma simples casa de hóspedes, Santa Marta. Lá ele entra na fila para se servir e come junto com todos. 

 

Com humor, podemos dizer que assim é mais difícil envenená-lo. Ele não usa Prada, mas sim seus velhos e gastados sapatos.

 

O que mais está escandalizando os cristãos tradicionalistas é seu estilo de exercer o ministério ... 

 

Ele se recusou a viver em um palácio, não usa Prada, disse claramente que não iria presidir a Igreja com o direito canônico, mas sim com amor e ternura.

 

No anuário pontifício, em que se usa uma página inteira com os títulos honoríficos dos Papas, ele simplesmente renunciou a todos e escreveu apenas Franciscus, pontifex. 

 

Em um de seus primeiros pronunciamentos, ele disse claramente que não iria presidir a Igreja com o direito canônico, mas com amor e ternura. Inúmeras vezes ele repetiu que queria uma Igreja pobre e dos pobres.

 

Todo o grande problema da Igreja-grande-instituição reside, desde os imperadores Constantino e Teodósio, e desde a entrada de ricos e intelectuais na Igreja, na assunção do poder político, transformado em poder sagrado (sacra potestas). 

 

Esse processo chegou à sua culminação com o Papa Gregório VII (1075) com sua bula Dictatus Papae, que bem traduzida é a “Ditadura do Papa”.

 

Como disse o grande eclesiologista Jean-Yves Congar, com este Papa consolidou-se a mudança mais decisiva da Igreja que criou tantos problemas e da qual nunca se libertou: o exercício centralizado, autoritário e até despótico do poder. 

 

Nas 27 proposições da bula, o Papa é considerado o senhor absoluto da Igreja, o senhor único e supremo do mundo, tornando-se a autoridade suprema no campo espiritual e temporal. Isso nunca foi contestado.

 

Basta ler o Cânon 331 no qual se diz que “o Pastor da Igreja universal tem o poder ordinário, supremo, pleno, imediato e universal”. 

 

Coisa inaudita: se substituirmos o termo Pastor da Igreja universal por Deus, funciona perfeitamente.

 

Quem dos humanos senão Deus pode atribuir-se tal concentração de poder? 

 

Não deixa de ser significativo que na história dos Papas houve um crescendo no faraonismo do poder: de sucessor de Pedro, os Papas passaram a considerar-se representantes de Pedro a representantes de Cristo. 

 

E como se isso não bastasse, representantes de Deus, sendo até chamados deus minor in terra.

 

“A indignação dos conservadores e reacionários está claramente expressa no livro de 45 autores de outubro de 2021: Da paz de Bento à guerra de Francisco (From Benedict’s Peace to Francis’s War) organizado por Peter A. Kwasniewski. 

 

Nós daríamos a volta assim: Da paz dos pedófilos de Bento (encobertos por ele) à guerra aos pedófilos de Francisco (condenados por ele).

 

Aqui se realiza a hybris grega e o que Thomas Hobbes constata em seu Leviatã: «Assinalo, como tendência geral de todos os homens, um desejo permanente e inquieto de poder e mais poder, que só cessa com a morte. A razão disso reside no fato de que não se pode garantir o poder sem buscar ainda mais poder». 

 

A Igreja-grande-instituição realizou plenamente o que Hobbes descreveu. Esta tem sido, portanto, a trajetória da Igreja Católica em relação ao poder, que persiste até hoje, fonte de polêmicas com as outras Igrejas cristãs e de extrema dificuldade para assumir os valores humanistas da modernidade. 

 

Está a anos-luz da visão de Jesus que queria um poder-serviço (hierodulia) e não um poder-hierárquico (hierarquia).

 

Tudo isso se afasta do Papa Francisco, o que causa indignação aos conservadores e reacionários, claramente expressada no livro de 45 autores de outubro de 2021: Da paz de Bento à guerra de Francisco (From Benedict’s Peace to Francis’s War) organizado por Peter A. Kwasniewski. 

 

Nós daríamos a volta assim: Da paz dos pedófilos de Bento (encobertos por ele) à guerra aos pedófilos de Francisco (condenados por ele). É sabido que um tribunal de Munique, eclesiástico e estatal, encontrou indícios para incriminar o Papa Bento XVI, enquanto era Cardeal, por sua leniência com padres pedófilos. Ele morreu antes que os juízes civis de Munique o interrogassem em Castel Gandolfo.

 

Existe um problema de geopolítica eclesiástica: os tradicionalistas rejeitam um Papa que vem “do fim do mundo”, que traz para o centro do poder do Vaticano outro estilo, mais próximo da gruta de Belém do que dos palácios dos imperadores. Se Jesus aparecesse ao Papa em seu passeio pelos jardins do Vaticano, certamente lhe diria: “Pedro (ao sucessor, o Papa) sobre estas pedras palacianas jamais construiria minha Igreja”. 

Essa contradição é vivida pelo Papa Francisco, pois renunciou ao estilo palaciano e imperial.

 

Há, de fato, um choque de geopolítica religiosa, entre o Centro, que perdeu a hegemonia em número e em irradiação, mas que conserva os hábitos de exercício autoritário do poder, e a Periferia, numericamente majoritária de católicos, com igrejas novas, com novos estilos de vivência da fé e em permanente diálogo com o mundo, especialmente com os condenados da Terra, que sempre têm uma palavra a dizer sobre as chagas que sangram no corpo do Crucificado, presente nos empobrecidos e oprimidos e que devem ser baixados da cruz.

 

Talvez o que mais incomoda aos cristãos ancorados no passado seja a visão de Igreja vivida pelo Papa. Não uma Igreja-castelo, fechada em si mesma, em seus valores e doutrinas, mas uma Igreja ‘hospital de campanha’ sempre ‘em saída rumo às periferias existenciais’.

 

Ela acolhe a todos sem perguntar sua crença ou sua situação moral. Basta que sejam seres humanos em busca de vida e sofredores das adversidades deste mundo globalizado, injusto, cruel e impiedoso.

 

Condena de forma direta o sistema que dá centralidade ao dinheiro às custas de vidas humanas e à custa da natureza. 

 

Realizou vários encontros mundiais com movimentos populares. No último, o quarto, disse explicitamente: «Este sistema (capitalista), com sua lógica implacável, escapa ao domínio humano; é preciso trabalhar por mais justiça e cancelar este sistema de morte». Na Fratelli tutti (2025) o condena de forma contundente.

 

A misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado e ninguém pode limitar o amor de Deus que perdoa.

 

Ele convoca todos os pastores a exercerem a pastoral da ternura e do amor incondicional, formulada resumidamente por um líder popular de uma comunidade de base: "a alma não tem fronteira, nenhuma vida é estrangeira". Como poucos no mundo, ele se comprometeu com os imigrantes vindos da África, do Oriente Médio e agora da Ucrânia. 

 

Nestes tempos sombrios de um verdadeiro genocídio na Faixa de Gaza, clama pela paz, pela moderação e pelo fim da guerra. Lamenta que os modernos tenham perdido a capacidade de chorar, de sentir a dor do outro e, como bom samaritano, de socorrê-lo em seu abandono.

Sua obra mais importante mostra a preocupação com o futuro da vida da Mãe Terra. 

 

A Laudato Sì expressa seu verdadeiro sentido no subtítulo: "sobre o cuidado da Casa Comum", dirigida a toda a humanidade. Elabora não uma ecologia verde, mas uma ecologia integral que abrange o ambiente, a sociedade, a política, a cultura, o cotidiano e o mundo do espírito.

 

Ele assume as contribuições mais seguras das ciências da Terra e da vida, especialmente da física quântica e da nova cosmologia, o fato de que "tudo está relacionado com tudo e nos une com afeto ao irmão Sol, à irmã Lua, ao irmão rio e à Mãe Terra", como diz poeticamente na Laudato Sì (n.92;86). 

 

A categoria cuidado e corresponsabilidade coletiva adquire completa centralidade, até o ponto de dizer na Fratelli tutti que "estamos no mesmo barco: ou todos nos salvamos ou ninguém se salva" (n.34).

 

Nós latino-americanos lhe somos profundamente gratos por ter convocado o Sínodo Querida Amazônia para defender esse imenso bioma de interesse para toda a Terra e como a Igreja se encarna naquela vasta região que cobre nove países e que tem o direito a um rosto indígena.

 

Grandes nomes da ecologia mundial afirmaram: com esta contribuição, o Papa Francisco se coloca à frente da discussão ecológica contemporânea.

 

Quase desesperado, mas ainda assim cheio de esperança, propõe um caminho de salvação: a fraternidade universal e o amor social como os eixos estruturadores de uma biossociedade em função da qual estão a política, a economia e todos os esforços humanos.

 

Trata-se de passar do paradigma do dominus (o ser humano fora e por cima da natureza como seu senhor e dono) ao paradigma do frater, todos irmãos e irmãs, com os seres todos da natureza e entre nós, os humanos.

 

Não temos muito tempo nem sabedoria suficientemente acumulada para esta travessia do dominus ao frater e para este sonho do Papa: a alternativa real para evitar um caminho sem retorno.

 

O Papa caminhando sozinho pela praça de São Pedro sob uma chuva fina, em tempos de pandemia, permanecerá como uma imagem indelével e um símbolo de sua missão de Pastor que se preocupa e reza pelo destino da humanidade.

 

"Caminhemos cantando. Que nossas lutas e nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança" (n.244)

Talvez uma das frases finais da Laudato Sì revele todo seu otimismo e esperança contra toda esperança: "Caminhemos cantando. Que nossas lutas e nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança" (n.244).

 

Têm que ser inimigos de sua própria humanidade aqueles que condenam impiedosamente as atitudes tão humanitárias do Papa Francisco, em nome de um cristianismo estéril, convertido em um fóssil do passado, em um recipiente de águas mortas. Os ataques ferozes que lhe fazem podem ser tudo, menos cristãos e evangélicos.

 

O Papa Francisco suporta isso imbuído da humildade de São Francisco de Assis e dos valores do Jesus histórico. Por isso ele merece bem o título da melhor tradição judaica, de "justo entre as nações", o verdadeiro pastor do povo universal de Deus que caminha, animados por ele, através destes tempos dramáticos e ameaçadores.

 

"Têm que ser inimigos de sua própria humanidade aqueles que condenam impiedosamente as atitudes tão humanitárias do Papa Francisco, em nome de um cristianismo estéril, convertido em um fóssil do passado, em um recipiente de águas mortas”. 

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Leonardo Boff es un teólogo brasilero y ha escrito Francisco de Asís y Francisco de Roma, Rio de Janeiro 2015. Trotta 2016. 

 

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Obs.: O texto foi traduzido do espanhol para o português, br, através da AI. J.C.