Medicina Popular Brasileira (2)
     
    Atualmente é cada vez maior a participação do povo, nas campanhas em defesa de uma melhor qualidade de vida. Um dos fatores fundamentais para uma efetiva melhoria da qualidade de vida está nas condições de saúde da população.
     Afligida por uma desnutrição crônica, sob condições de habitação precárias, sem instalações sanitárias adequadas, trabalhando num ambiente de trabalho desumano, submetendo seu corpo a uma série de sobrecargas, tais como, jornadas de trabalho prolongadas, muito barulho, poeira, produtos químicos e sofrendo mais acidentes de trabalho do que qualquer trabalhador em qualquer parte do mundo, não poderia deixar de provocar o aparecimento de índices cada vez mais elevados de doenças que debilitam a saúde de nossa população.

    Por outro lado, além de tais fatores debilitantes, vemos que os laboratórios colocam no mercado uma grande quantidade de remédios, muitos deles prejudiciais à própria saúde, outros sem qualquer efeito, mas todos a preços exorbitantes. Como se não bastasse, a população é estimulada a consumir desenfreadamente através da propaganda pelo rádio e televisão.

    Quanto aos serviços de assistência à saúde, o quadro da situação é dramático. Quase todos funcionam em número insuficiente, mal distribuídos, mal equipados, com equipes de médicos e funcionários mal pagos e sobrecarregados de serviço. Sofrendo, inclusive, a traiçoeira pressão dos lobbies do seguro de saúde que pretendem sucatear o sistema de saúde para facilitar a venda de seus produtos. A própria formação do profissional de saúde é inadequada e deficiente. Nossas faculdades formam médicos incapacitados para o atendimento clínico, já que os cursos são orientados para a produção de especialistas em doenças raras e em reabilitar defuntos. Por isso cada vez mais o médico sabe muito sobre poucas coisas e que acabam por perder de vista o todo, o homem enfermo. Como consequência leva a uma fragmentação da responsabilidade frente ao paciente, e torna às vezes o médico um excelente cirurgião plástico que não sabe tratar de uma disenteria.

    Diante de tal situação, que consideramos calamitosa, é necessário que alguma coisa seja feita antes que o mal seja irremediável. Uma opção possível seria o desenvolvimento da medicina holística no sentido, inclusive, de promover uma concorrência capaz de forçar a medicina oficial a se transformar e estimular um ensino médico preocupado com o atendimento médico totalizante, no qual a saúde do paciente seja o seu principal objetivo. Entretanto não temos a pretensão de substituí-la, já que reconhecemos os inegáveis conhecimentos produzidos. Evidentemente propomos apenas a pluralidade terapêutica e a institucionalização da liberdade de escolha da terapia adequada a cada paciente, tal como no passado se lutou pela liberdade de culto religioso.

    Desde os tempos mais remotos, o homem lançou mão dos três reinos da Natureza, para evitar as moléstias e curar os seus males, procurando de preferência as ervas que o cercavam. Substâncias vegetais, minerais, animais mesmo, forneceram em todas as épocas e em todos os países, numerosos produtos dos quais extraiam propriedades medicinais maravilhosas.

    Infelizmente a doença da modernização, que já contaminou as cidades, inaugurou um movimento de desprezo e preconceito contra a medicina popular que passou a ser sinônimo de atraso cultural. Entretanto a própria medicina atual constantemente se apropria de tais práticas populares. Existem propriedades medicinais nas plantas, que foram confirmadas pela ciência e que podem ser utilizadas mesmo a nível popular.

    Vejam o caso do QUEBRA-PEDRA (Phyllanthus Niruri), a BALEEIRA (Cordia verbenacea) ou o CONFREI (Symphitum Officinale), plantas de uso secular e que recentemente foram reconhecidas como medicinais.

    Esta medicina popular, entretanto, capaz de produzir tais descobertas fenomenais, entretanto, se encontra marginalizada, desorganizada e impossibilitada de se desenvolver. Há mesmo o risco de se perder muitos desses conhecimentos, especialmente na Amazônia, se não empreendermos um movimento capaz de revalorizar esta medicina que nossas avós tanto respeitavam. Evidentemente não basta apenas recuperá-la e respeitá-la. É necessário que se libere urgentemente verbas para pesquisas sérias sobre o assunto, especialmente para formação de equipes multi-disciplinares, envolvendo, antropólogos, médicos, botânicos, farmacologistas, etc.

    Por nossa conta e risco, desenvolvemos pesquisa, localizada agora em Maricá com o objetivo de construir um banco de dados informatizado sobre medicina natural, abrangendo recursos medicinais das diversas regiões geográficas brasileiras.


                                              Prof. Douglas Carrara
                                                    Antropólogo

----------------------------------------------------------------------------

1) Publicado no jornal InterBairros de Maricá (RJ), em fevereiro/1994.
2) Publicado no jornal Correio do Sul de Varginha (MG) em 13/02/1990.