Medicina Popular Brasileira (3)

"Infelizmente o Brasil sofre uma devastação bárbara de suas seculares florestas, cujas conseqüências funestas fazem sentir pela irregularidade das estações, a diminuição das águas e o desequilíbrio metereológico, seja pelas secas prolongadas, seja pelas chuvas torrenciais".

(J. Monteiro da Silva, fundador do Laboratório da Flora Medicinal)



    Desde os tempos mais remotos, o homem lançou mãos dos três reinos da Natureza para evitar as moléstias e curar os seus males procurando, de preferência, as ervas que o cercavam.

    Vegetais, minerais, animais mesmo, forneceram, em todas as épocas e em todas as regiões, numerosos produtos dos quais extraiam propriedades medicinais maravilhosas. Milhares de receitas atravessaram os séculos e chegaram até nossos dias, depois de uma seleção que, com certeza, foi resultado de uma experimentação que, antes de produzir bons resultados, ocasionou decerto diversos acidentes, tal a quantidade de plantas que possuem princípios tóxicos e que, se aplicadas incorretamente, podem produzir, senão a morte, pelo menos sérios danos à saúde.   

   Assim, a Ciência atual não seria possível se não se desenvolvesse, anteriormente a ela, tal conhecimento anônimo, que permanece esquecido, mesmo depois que a Ciência confirma e utiliza um recurso de origem popular na sua terapêutica. Há quanto tempo o caboclo brasileiro não vem colocando a casca de queijo embolorado sobre as feridas "brabas" ou "arruinadas"? Se este fato tivesse sido estudado há mais tempo, quem sabe a penicilina não teria sido descoberta muito antes de Fleming? Infelizmente, a doença da modernização, que já contaminou as cidades que mantêm um contato mais constante com os grandes centros, inaugurou um movimento de desprezo e preconceito contra a cultura popular, que passou a ser sinônimo de atraso cultural. Nada mais absurdo, na medida em que não há possibilidade de haver uma nação independente, sem uma cultura produzida pela autêntica inspiração popular.    
  
    E tal dignidade somente será atingida, se impedirmos a substituição da cultura popular autêntica pela cultura estrangeira que, logicamente, é a mais interressada na difusão da tal "preconceito" e "desprezo". E como localizar esta medicina popular? Podemos afirmar que qualquer cidade brasileira possui inúmeros mateiros, raizeiras, rezadores, parteiras, curadores de cobra e praticantes das diversas religiões afro-brasileiras que se dedicam, profissionalmente ou não, a receitar chás, garrafadas, banhos e ministrando rezas para as doenças mais costumeiras e mais facilmente diagnosticávéis e, principalmente, quando o médico desengana o paciente que, desesperado, procura um último recurso para se recuperar de uma enfermidade de prognóstico desfavorável. E não raras vezes tal medicação tem sucesso, ainda que seja, em certos casos, dificíl avaliar o verdadeiro elemento curativo, tal a quantidade de plantas medicinais empregadas e os rituais de benzedura utilizados para vencer a moléstia.

    Pode- se, portanto, encontrar conhecimentos de grande importância no discurso de um curandeiro popular, ainda que ele mesmo não tenha consciência das razões científicas que explicam, por exemplo, a superação de uma crise renal utilizando,o chá preparado com a "barba de milho" (estigmas de milho). Tudo aquilo que o curandeiro sabe está incorporado de tal maneira ao seu estilo de vida, que mal consegue perceber a importância de tais plantas, de grande efeito curativo, para o desenvolvimento da Ciência e do País.   

    E a medicina popular brasileira talvez possa ser considerada a mais privilegiada, na medida em que a flora brasileira oferece em abundância recursos medicinais em quantidade e qualidade que não se encontrou ainda em nenhum outro País. Entretanto esta abundância não tem sido benéfica para o País, já que tais recursos não têm sido estudados e protegidos. Pelo contrário, a coleta predatória, a destruição, o descaso e ganância internacional têm sido, ao longo dos anos de colonização, o nosso cartão de visita. Infelizmente estes são os prejuízos que a fartura e a abundância fornecem.   

    Quando a natureza oferece, ao alcance da mão, sem nenhum esforço de investimento, tanta riqueza inestimável, os homens insensatamente se acomodam, não produzem e não se preocupam com o futuro; apenas colhem e cortam o que em pouco tempo já não existirá mais.

   

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1) Publicado no jornal O Berro do Rio de Janeiro (RJ) em junho/1996.
2) Publicado  no jornal Correio do Sul de Varginha (MG) em 23/02/1990.
3) Publicado no jornal Folha de Magé de Magé (RJ) em 9/11/1979.