Câncer, Descaso e Poluição

     Os males do ambiente tornaram-se a manchete da moda nos últimos tempos. Já não se trata mais do homem e sim de suas dejeções. Os jornais fazem eampanha, novas instituições de combate são criadas, governos são mobilizados para salvar a Natureza. E isto se assemelha a construir um viaduto seguindo padrões da engenharia moderna e depois ampará-lo com escoras de madeira para salvar o viaduto e a engenharia ...
     Mas na verdade a campanha recente é mais um derivativo para a inteligência pouco exercitada dos tempos atuais. Como sempre, precisamos de um bode expiatório e, na falta de um melhor, surge o meio-ambiente, que foi responsabilizado por não ter acompanhado o 'progresso tecnológico'. E agora que o réu se encontra julgado e condenado, trata-se de jogá-lo na escola correcional a fim de adaptá-lo aos padrões da indústria moderna. É para isso que existem, de sobra, palmatórias, choques elétricos, etc. E com isso teremos educado a Natureza para aceitar, de boa vontade, os detritos de nossa natureza social e humana.
     Nem de longe se pensa discutir a estrutura social que permitiu o desenvolvimento dessa indústria da maneira como foi feita. Entende-se que a indústria é a consequência natural do progresso e que não poderia ser de outra forma. Mas o câncer quando se reproduz aceleradamente também está eliminando toxínas. Realmente elimina, mas para dentro de si mesmo e acaba se sutocando. No entanto existem outras maneiras de eliminar toxinas ou de evitar sua ingestão no organismo. Mas o que fazer, se para isso é sempre necessária a propaganda?
Da mesma forma que se combate a poluição se combate também o câncer. E as pesquisas com verbas fabulosas proliferam em busca de um produto milagroso e, logicamente, rendoso, ou na ânsia de encontrar o miserável vlrus causador da enfermidade. Novamente as condições orgânicas não são sequer lembradas como as possíveis causadoras do mal. Afinal de contas, as condições orgânicas não podem ser vendidas em forma de cápsulas ...
     Mas os alarmistas esquecem dos progressos da cirurgia moderna. Enfim, já se substituem órgãos humanos por similares de plástico. E ninguém fica envergonhado por se transformar num frankeinstein de acrílico. Pelo contrário, não há orgulho maior do que exibir um rosto de polietileno rosa.
      A indústria de poluição já está sendo mais ou menos conhecida pelas campanhas empreendidas até o momento. No entanto, a poluição do câncer não parece ter despertado a atenção dos vendedores de máscaras contra gases. E a indústria do câncer continua desconhecida, ou pelo menos ainda não se quis conhecê-la.
      Mas vejamos em que terreno ocorre o combate contra o câncer. Pela manhã a margarina que se come contém gordura vegetal hidrogenada e saturada com o respectivo corante à base de anilina (cancerígeno) e aditivos (de origem duvidosa) para torná-la semelhante à manteiga e suportável pelo consumidor. O açúcar foi purificado nas usinas e não possui mais vitaminas e sais minerais. Ao leite foi acrescentada a água e, para manter a consistência original, farinha branca descorticada. O pão é feito da mesma farinha branca descorticada desprovida, portanto, da maior parte de vitaminas e sais minerais. No almoço come-se carne com aparência saudável, porque foram adicionadas doses ponderáveis de hipossulfito de sódio (cancerígeno), já que o frigorífico não pode ter prejuízo, quando a carne se estraga ou está quase. O arroz, também descorticado, perdeu igualmente a maior parte de sais e vitaminas. E com a gordura queimada no dia anterior come-se batatas fritas com o delicioso acompanhamento de uma coca-cola ou guaraná bem gelado, para abaixar ainda mais o PH estomacal. No entanto, para evitar prováveis indisposições, resguarda-se com um ou dois Sonrisal e tudo parecerá muito bem.
      No entanto, à tarde, ainda se comerá caramelos e balas com os aditivos I, II, III, acidulante II,III, edulcorante II e gosto artificial de morango. E se não ficar doente, pelo menos ter-se-á o consolo de saber que, quando ficar, terá à disposição antibióticos de todo tipo para combater todos os possíveis germes invasores de nosso organismo. E se foram destruídos também os germes benéficos da flora intestinal, isso não terá importância, porque os antibióticos estão ai é para isso mesmo. Mas se mesmo assim o câncer vier, também não será problema, já que com sucessivas extrações de tecido canceroso terá eliminado gradativamente o mal e as partes do corpo prejudicadas. E se morrer, pelo menos terá superado as estatisticas médias de vida. Afinal de contas somente se morre de câncer porque se vive muito mais do que antigamente.

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(*) Publicado no jornal Opinião em 02/05/1975.