Remédio BO, ou empurroterapia, ou a irresponsabilidade do incentivo à hipocondria

Meu primeiro emprego foi na Drogaria de Minas, onde meu pai ocupava o cargo de comprador: era quem atendia os atacadistas de remédios, eufemisticamente chamados de representantes de laboratórios.

A Drogaria de Minas era grande e bem tradicional, situada no centro de Belo Horizonte; tinha uma aparência bem antiga, com longos gaveteiros de madeira e um depósito-balcão funcionando como sobreloja, mas bem visível ao público, como se estivesse preso à alta parede.

Eu cumpria duas horas como office-boy (pagador de títulos bancários) e outras duas como substituto da folga de almoço da caixa Marília.

Naquela época – lá se vão quase 40 anos! – já existiam os remédios BO, sigla de “bonificados”, aqueles que os laboratórios davam uma porcentagem ao vendedor para incentivar a venda.

Um artifício dos pequenos laboratórios, alguns honestos mas sem dinheiro para investir em marketing, e outros que pagavam os bônus reduzindo a qualidade.

Era, e ainda é, a empurroterapia, a técnica comercialíssima de induzir a perigosa automedicação.

Desde então nada mudou e nem vai mudar, pois a cultura brasileira está gravada a ferro e fogo na mente de seu povo, com todos os seus muitos aspectos negativos que só os ufanistas não reconhecem.

É só pedir um remédio em uma farmácia brasileira qualquer que a empurroterapia se manifesta.

Às vezes, lá nem tem o produto, mas a resposta negativa – a curtíssima palavra NÃO – desaparece da resposta desviante: “só temos o produto tal, que é igual, ou melhor, e mais barato”.

A chance da resposta-indução aparece a todo momento pois é natural faltar algum produto nas primeiras tentativas de compra, já que a indústria farmacêutica elevou o seu estoque de opções para a escala dos milhares.

A maior vendagem de BO aparece na situação mais absurda: quando o cliente transforma o balconista em médico e pede sugestões de tratamento.

Além da oportunidade do bônus, é a hora da manifestação da vaidade do vendedor, que raramente deixa passar a chance de gozar o pequeno poder de demonstrar sapiência e conhecimento.