AS DROGAS DA HUMANIDADE

As portas da civilização ocidental foram abertas pelos filósofos clássicos da antiga Grécia. As expressões mais significativas que abrem este processo civilizatório as encontramos em Aristóteles, quando define o ser humano como um “animal racional, político, que possui a palavra”. O homem se distingue dos outros seres vivos por suas características racionais, por viver eticamente na polis (cidade), e usar a linguagem para se interrelacionar, e resolver os seus conflitos. A racionalidade faz com que o ser humano entenda a si, aos seus semelhantes, e compreenda o mundo em que vive; a vida na polis o torna solidário, ético e virtuoso; e pela linguagem ele se comunica socialmente, compreende os outros, e pode resolver os seus conflitos pelo uso da palavra através do diálogo.

O fato de Aristóteles, pela primeira vez, ter explicitado estas características distintivas do ser humano, não significa que antes dele o homo sapiens não tivesse racionalidade, não usasse a palavra e não vivesse politicamente. Mas, muitas vezes, estas características não estavam logicamente estruturadas, e a consciência humana se guiava muito por mitos e mil outras ignorâncias. A lógica racional não era o parâmetro da organização política, e a linguagem carecia de conceitos claros e distintos. Nestas épocas vigorava em muito o que dizia Voltaire: “Os homens primeiro inventam as mentiras, e depois acreditam nelas”. É aí que entra o uso das “drogas”: ópio, maconha. Já Homero menciona o uso do ópio, os antigos hindus, já três mil anos antes de Cristo, fumavam maconha (cannabis indica). Este uso podia ter fins recreativos, religiosos, espirituais e medicinais. Também os faraós conheciam estas drogas. No mito do dilúvio, o Noé bíblico toma vinho demais e se embebeda. Nos cultos a muitos deuses os sacerdotes e sacerdotisas se drogavam para entrar em transe; no culto ao deus Dionísio maconha e ópio eram ingredientes normais, que animavam as danças orgiásticas em homenagem a este deus. É interessante que o cristianismo, que deu as características à civilização ocidental, na tradição platônico-aristotélica, ensina que o verdadeiro culto a Deus deve ser um culto racional. Portanto, sem drogas e sem transes. Isto fez com que o uso das drogas regredisse significativamente onde o cristianismo se propagou, mesmo que os povos convertidos nunca deixassem de beber vinho e cerveja. O novo contato com as drogas se deu no Ocidente com a descoberta do Novo Mundo, com as viagens à Índia, à China, etc. Assim não pararam de se difundir variedades de álcool, de tabaco, de ópio, morfina, cocaína, heroína, LSD, maconha, exstase, crack, ayahuasca na Europa e na América. Tudo drogas alucinógenas, que alteram o psiquismo humano. Retiram o ser humano de sua racionalidade; as suas atitudes se tornam irracionais, imprevisíveis e interferem negativamente em sua convivência social, muitas vezes gerando violência. E nisto se destaca hoje em dia o uso do crack, que já se tornou uma epidemia no Brasil. E os usuários do crack se destroem rápida e irreversivelmente em seu modo de ser humano. Tornam-se violentos e extremamente dependentes da droga. E isto gera conflitos angustiantes em seu ambiente de vida mais próximo: família, colegas. Deixam de estudar, de trabalhar, roubam e praticam violências, ou se tornam depressivos. Matam, ou são mortos. Assim o crack se tornou um caso de saúde pública e de política criminal preventiva. Mas, ao que parece, as autoridades políticas ainda não despertaram plenamente para o problema. Pois, mães, muitas vezes, procuram desesperadamente ajuda para seus filhos, e não encontram auxílio nem em ONGs, nem em instituições governamentais. Depois seus filhos são mortos, ou cometem crimes. Será que não é uma obrigação constitucional dos governantes prevenir a criminalidade, e oferecer tratamentos também às “doenças” epidêmicas consequência do uso de drogas? Cadê as instituições públicas para atender aos apelos desesperados das famílias das vítimas do crack e de outras drogas? Sejamos solidários com as mães desesperadas!

Inácio Strieder é professor de filosofia