Sobre noções de Humanidade e a saúde do “homem”

Archidy Picado Filho

Quero aproveitar este para explicar por que insisto em por aspas na palavra “homem”, ou o termo “sic” depois dela, toda vez que me refiro a tal substantivo masculino. Faço assim porque não concordo em chamar de “homem” – ou reconhecer genericamente todas as mulheres – como representantes inequívocos de uma espécie já completamente humanizada, sendo “homem” (e mulher) um status cultural que, a rigor, somente deveria ser outorgado a pessoas que demonstram grandes exemplos de humanidade, sendo as características da Humanidade, segundo entendimentos, fundamentadas essencialmente em sentimentos de fraternidade universal e nas chamadas “ações de graça”, tendo em vista que nos foi dito ser a prática o critério demonstrativo das verdades que promulgamos.

Assim, uma educação humanista, desenvolvida por décadas de influências familiares e escolares, poderá ou não produzir em nós, entre muitas outras coisas, a polidez – embora seja ela ainda uma virtude menor na longa escalada do desenvolvimento daquelas que, em conjunto, poderão atestar nossa condição de definitivos seres Humanos.

Mas, continuo fazendo restrições ao reconhecimento de nossa humanidade, principalmente quando me refiro aos machos desta desconhecida espécie a que pertencemos, por estar também influenciado por grandes críticos da desumanidade – para quem, às vezes, não está muito claro que boa parte dos seres racionais que somos atingiu já, sim, níveis consideráveis dessa pretendida humanidade, apesar de cotidianamente a maioria de nós estar manifestando exemplos da persistente ignorância que, em momentos de tensão, nos impele aos pequenos e grandes surtos de bestialidade.

Se, considerando-se já completamente “humano”, você tem asco de reconhecer seu animal, quando, ainda por muitas razões, perder as estribeiras, preste atenção sobre como se manifesta a fera que ainda existe em você. E torço para que, neste momento, você não esteja portando nenhuma arma.

Tais comportamentos nos fazem ver certas ficções, que fazem referência à existência de nossos demônios interiores, nada além de lúdicos retratos de certa fatia da realidade sobre os seres pré-humanos que ainda somos. Porque, a despeito de todos os esforços da Educação, estamos inclinados à certas sensações e pensamentos ainda não superados, que nos provocam inesperados ataques de ódio e violência – como nos mostra a clássica magistral novela “O médico e o monstro”, do escritor escocês Robert Louis Stevenson (1850 – 1894), tendo o monstro verde “O incrível Hulk” sido inspirado na citada obra, ou as lendas que contam o terror provocado por lobisomens e vampiros, entre muitas e muitas outras obras de artes da Literatura e do Cinema.

A despeito dos reconhecidos surtos de profunda desumanidade por nós cometidos, fico espantado como os tais ainda são considerados “componentes inquestionáveis de uma espécie inequivocamente humana”.

A despeito de que mulheres estejam também incluídas naquilo que, por causa dos milenares impérios dos homens (sic), se conhece como “Humanidade”, e a despeito das reflexões que provocaram a produção de meu livro "A última guerra", não é por enquanto (?) concebível que possa vir a existir no futuro uma “mulheralidade” a representar a espécie presente no planeta (mesmo considerando as conquistas que ainda possam obter as mulheres, sendo mesmo fêmeas maioria entre os espécimes sapiens, tanto quanto entre outras espécies, recurso natural indispensável ao desenvolvimento de mais procriações). Porque está sendo graças ao trabalho milenar de certos grupos de machos “humanos” que, hoje, todos nós usufruímos as vantagens e as inconveniências que nos legaram todas as artes.

Cunhadas por certos “homens” por séculos e milênios, foram elas que nos ajudaram a desenvolver idéias, conceitos e tecnologias a serviço da promoção de melhores qualidades de vidas para todos.

Vá à Nova York, Tóquio, Hong Kong ou à Dubai e, sobrevoando tais megalópoles em helicópteros, peça aos pilotos para dar um giro de trezentos e sessenta graus a lhe proporcionar o panorama de considerável parte de tudo o que, desde as primeiras aventuras fora das cavernas a descobertas da constituição do mundo e invenção de outros, os machos de nossa espécie desenvolveram graças à força de seus músculos, aos poderes da memória, da imaginação e, principalmente, motivados pelo impulso natural de superações dos limites impostos pela Vida à formação de nossas atuais condições biológicas. Porque mesmo sem asas de pássaros, desejando voar, conseguimos saber até onde vai o céu azul, tendo ido mesmo para muito além dele; mesmo sem guelras como tem os peixes, conseguimos muitos modos de respirar debaixo d’água a desvendar mistérios da origem da vida marinha – de onde provavelmente também veio a nossa. Sem uma natural visão além do alcance, desenvolvemos telescópios a descobrir, afinal, que o Sol não é um deus, mas prova de que a força vital se manifesta mesmo a partir da Luz e que, muito provavelmente, não estamos sós no Universo.

Ao mesmo tempo em que pesquisávamos sobre nossas origens celestes, graças à curiosidade sobre onde está aquilo a que chamamos “alma” desenvolvemos super microscópios a buscar agora nas profundezas da constituição das coisas as moradas essenciais da Vida. E então, em sucessivas tentativas de controlar ímpetos, evitar acidentes ou instaurar novas realidades à construção de novos mundos possíveis, nós, “homens”, frequentemente adoecemos pelo desgaste natural de um corpo em aventureiro movimento constante, frequentemente sujeito as inquietações desgastantes de uma mente estressada pela avidez de descobrir cada vez mais como, afinal, tudo funciona e pode funcionar.

Entre discussões filosóficas masculinas sobre o que é exatamente tudo o que existe (e sobre quem ou o que tudo fez existir, e para que) – já que as mulheres não foi biologicamente reservada tal obstinada tarefa, como parece claro – e com arriscados exercícios de explorações intra e extraterrenas, dominados por uma curiosidade incontrolável, mesmo aqueles que não são cientistas natos muitas vezes sacrificam a companhia daquelas que dizem amá-los, ou desconsiderando as oportunidades de dar conforto imediato àqueles que ajudaram a pôr no mundo, se aventuram pelo mundo a buscar saber o que é tudo: como somos?, quem somos?, o que podemos ser?, o que podemos fazer para modificar o que acreditamos necessário?, de onde viemos e para onde podemos ir?

A despeito da promoção das guerras e suas trágicas consequências, não se pode negar as importantes influências masculinas à promoção de todo conforto material de que hoje todos desfrutamos. Entre desesperos, doenças e esperanças – muitas das quais, também, graças a sua diferente natureza, as mulheres nunca compartilharão conosco – desde receitas sobre como produzir bombas atômicas, coisas piores e um sem número de outras tantas coisas boas, desenvolvemos belas sinfonias e, tanto quanto elas, belos deliciosos pratos se tornaram também obras de arte inventadas por “homens”, sendo o gênero masculino, também entre cozinheiras, representante das melhores artes culinárias do mundo.

Por causa de todo esse movimento que provocamos, então, e das tantas emoções que eles nos fazem gozar e sofrer, as estatísticas dizem que, entre “homens” e mulheres, vivemos sete anos menos. Agora, uma campanha de conscientização masculina sobre a necessidade de manutenção e preservação de nossa saúde tenta nos estimular a frequentar salas de consultórios médicos a realização de exames que possam nos dizer o que devemos e não devemos fazer para termos uma melhor qualidade de vida. Para tanto, sugiro também a leitura de meu texto “Tomáz Aldano e a Saúde Perfeita”, publicado neste site.

O problema fundamental do “homem” em relação à valorização da manutenção de sua saúde – penso – é que lhe domina mesmo esse impulso de saber exatamente o que deve ser considerado qualitativamente superior na Vida, entre tudo o que descobriu em suas aventureiras vivências (tendo mesmo um deles, chamado Jesus, segundo escrituras, chegado finalmente à conclusão de que “a Vida é mais que o alimento e o corpo mais que as vestes”).

Uma tia septuagenária, como mulher, muito mais apegada aos confortos da vida material do que a maioria dos “homens”, disse-me que, entre “durar” e “viver”, ela prefere viver, sendo a expressão “durar” a significar sua indesejável condição de não poder mais experimentar prazerosamente a vida se, por causa de certas doenças, tiver que durar na insuportável condição de um vegetal.

Pela regra, noventa por cento de todos os freqüentadores de todos os tipos de consultórios médicos são mulheres. Talvez porque logo sangrem, sendo incubadoras biológicas dos corpos que perpetuarão sonhos de existências, as mulheres se acostumam e estimulam cedo suas filhas a consultarem médicos pra saberem sobre como andam seus corpos. Munidas de tal preocupação, elas se habituaram a acompanhar todas as mudanças próprias do crescimento e os pequenos distúrbios orgânicos que, quando logo identificados, livram-nas de bisturis e mortes prematuras – sendo o instrumento de corte aqui citado enfrentado inevitavelmente pela maioria das grávidas que, hoje, gozando as benesses da descoberta da anestesia pelo dentista norte-americano Horace Wells (1815 – 1848), preferem sofrer algumas semanas de pequenas (?) dores pós-operatórias a enfrentar as agonias de um parto natural. E mesmo ainda que, depois de expulsados bebês de seus úteros, certas mães corajosas aleguem que imediatamente as dores desaparecem completamente.

Neste longo romance inacabado que é nossa história, depois de expulsos dos úteros de nossas mães, construímos identidades e realizamos sonhos, mesmo que, para tanto, precisemos nos meter a ocupar os noventa e nove por cento dos piores e mais arriscados empregos já desenvolvidos sobre (e sob) este planeta, mesmo à custa das doenças que nos acarretem e pelo sofrimento causado por mortes prematuras, impedindo o chamado “sexo frágil” de participar deles mais para proteger “nossas” mulheres dos perigos a eles inerentes (um impulso inconsciente dos machos em relação à manutenção da necessária vida saudável das fêmeas) do que propriamente para lhes castrar possibilidades de crescimento intelectual, como pensaram (e pensam) certas mulheres a nosso respeito – uma descoberta da intelectual americana Camille Paglia, que desistiu de sua militância feminista depois de concluir sobre o valor do trabalho e da existência desses que, ainda "potenciais estupradores", logo, já, imediatamente, todos esperamos se tornem verdadeiros homens.