3. PASSOS CONTRA A DEPRESSÃO - Qual o sentido de adquirir?

A súmula da propriedade é liberdade. Após analisados cada um dos benefícios do possuir, chega-se ao substrato liberdade, porque propriedade denota soberania (dom- domini – domínio - senhorio), que denota poder (poder fazer e alcançar tudo o que se deseja), que denota autoridade (respeito e honra), que denota autonomia (o que, quando e onde se quer), que denota liberdade (liberdade para ir atrás, trabalhar e lutar para alcançar o que se imagina que produzirá felicidade). Portanto, é um equívoco presumir que propriedade produz felicidade. Como o trabalho e o salário, a propriedade é um meio com o qual se pode produzir a felicidade. Entretanto, a importância de nem um meio pode sobrepujar a de seu fim, como tornar a propriedade a razão da felicidade. O fim de um meio é atingir seu fim e o fim da propriedade é dar suporte para a produção da felicidade e não ser a razão da felicidade. Sendo assim, é preciso determinar a diferença entre o que se precisa ter e o que se deseja possuir. O que se precisa ter é meio com o qual se poderá produzir a felicidade, enquanto o que se deseja ter é entendido no subconsciente como a razão da felicidade. Se ter um televisor fosse a razão da felicidade, nem seria preciso ligá-lo, bastando apenas tê-lo. Se fosse o caso de ter que ligá-lo para percebê-lo, bastaria ouvi-lo ou percebê-lo ligado para ter a satisfação de possuí-lo. Entretanto, não é assim. Quem compra um televisor, se não gosta de assistir, o adquire para agradar alguém, o que lhe dará felicidade. Porém, se gosta, dedicará tempo a assistir seus programas favoritos. Entretanto, nem mesmo esses programas são o fim, a razão da felicidade, mas o poder compartilhá-los virá depois, nem que seja na forma de contar a alguém.

No caso do televisor, por exemplo, torná-lo a ração da felicidade é sacrificar a verdadeira razão para adquiri-lo, obrigando-se a estar mais tempo distante da família, fatigando-se muito mais com o trabalho, preocupando-se além do necessário e privando-se de prioridades para adquirir um, mesmo que seja para compartilhá-lo, sendo que um televisor com o preço pela metade ofereceria o mesmo benefício . O ponto onde termina a necessidade de adquirir e começa o desejo de possuir é quando se adquire o que não é prioridade a custo de muito esforço antes do que é prioridade e quando se adquire o que é prioridade por preço muito acima do que se poderia pagar, no sentido não do poder pagar, mas do preço menor que se poderia encontrar.

Muitas coisas nas casas das famílias, em suas garagens e jardins não lhes fariam falta, não precisavam ter sido adquiridas quando foram e poderiam produzir menos glamour, sendo menos dispendiosas. É por essas coisas que muitas pessoas perdem o sabor pela vida, pensando que tais coisas lhe produzem felicidade, apesar de que estão sempre atrás de uma nova aquisição. Entretanto, a despeito de lutarem tanto, abrirem mão de tanto mais e vencerem tanto para adquirir essas coisas, essas pessoas não são felizes, ao contrário, vivem frustradas, pois vêem-se exauridas pelo tanto que trabalham, pelo preocupar-se constante com as dívidas, pelo tanto que se distanciam de seus amados e dos prazeres da vida, pelo tanto que perdem de descanso e lazer para possuir e pagar tais coisas. Este é o ponto em que os desejos se transformam em ruína para os indivíduos e suas famílias, quando os indivíduos confundem os meios com o fim e perdem de vista o verdadeiro sentido de cada coisa.

Observei que muitas vezes o problema que aflige uma pessoa é a prestação do televisor digital de cinquenta polegadas pendurado em sua sala combinado com a prestação da máquina de lavar roupas. Este último equipamento parece justo, pois lhe poupa o tempo que poderá utilizar com algo que lhe dê prazer, como um passeio, uma boa conversa com uma visita ou assistir a televisão de alta tecnologia. Entretanto, se a pessoa não assiste a tevê, o aparelho já nem tem razão ser, sendo que se fosse para ser assistido, o que importaria mesmo seria a programação que poderia ser assistida numa tevê inferior, mais antiga e de custo menor. Entretanto, a qualidade do aparelho pode ser justificada pelo prazer de assistir melhor, se a pessoa realmente assistisse. Mas, se a pessoa nem o assiste e, tampouco, passeia ou recebe visitas, até a máquina de lavar perde o sentido. Quanto a tevê, no caso de se receber uma visita, ela se contentaria com qualquer uma. O que se percebe, entretanto, é que tão logo surge um aparelho de tevê mais glamoroso, muitas pessoas põem de lado seus antigos televisores em perfeitas condições de funcionamento para contemplarem um da última tecnologia em seu lugar e mostrar para os demais que o possuem. Porém, pouco o assistem, pois se ocupam trabalhando extra para pagar a prestação.

Este foi um exemplo. Cada um deve conhecer a causa de sua ansiedade, os apuros que impõe sobre si mesmo com aquisições desnecessários ou que poderiam ser adiadas. Na verdade, essa ânsia de adquirir bens e conforto nada mais é do que egoísmo, pois apenas serve de alimento para a vaidade e orgulho. O querer adquirir bens para a família reflete o egoísmo pessoal quando os objetos que se adquire tornam-se alvo do orgulho pessoal, de sua satisfação íntima, de sua vanglória, se tornam razão de sua autoconfiança, do sentir-se abastecido e seguro; quando os bens que se adquire e o dinheiro acumulado tornam-se a confiança no futuro; quando os indivíduos se apegam a suas aquisições como se elas fossem eles mesmos. E o primeiro sintoma disso é quando se põe a preocupação para com a felicidade dos filhos e da família em segundo plano para adquirir os bens. O segundo é quando as pessoas e suas vidas tornam-se menos importantes que os bens que se adquire. Precisamos cuidar quanto a esses sintomas, pois se os manifestamos indica que estamos perdendo o sentido pelo que nos esforçamos e todo o nosso esforço se tronará sem significado e nos frustraremos brevemente, nos tornando insatisfeitos, nos sentindo explorados, exauridos, fracassados, etc., e desenvolvendo auto-piedade exacerbada, sentimento de que todos nos exploram, rancor, indignação, etc., desenvolvendo uma apatia autodestrutiva que poderá nos levar ao sono desmedido, à preguiça, ao comer compulsivo ou à abstinência de tudo, à irritabilidade inexplicável, ao psiquiatra, ao uso de álcool e drogas, ao roubo, ao assassinato, ao hospício ou ao suicídio.

Wilson do Amaral