PLANEJAMENTO FAMILIAR

Sérgio Martins Pandolfo*

"A Lei anda sempre a reboque da Ciência e dos ditames sociais”

A maioria das pessoas confunde planejamento familiar com controle da natalidade ou mesmo com limitação da natalidade, empregando-as, indistintamente, como expressões similares. Nada mais errôneo.

Controle da natalidade exprime a ação coercitiva do Governo sobre os casais, limitando-lhes a prole a número tolerável, o qual, se ultrapassado, acarretar-lhes-á sanções punitivas, como se observa em alguns países: o Paquistão e a China -, por exemplo – e até bem pouco tempo ocorria na Índia.

Limitação da natalidade, lato sensu, vem a ser o encerramento da prole – pelo comum já numerosa –, mas praticada livremente pelo casal, sem imposição do Estado e realizada pelos meios os mais diversos, desde os caseiros, empíricos e pouco eficazes, até os mais modernos, cientificamente aplicados sob supervisão médica. É o que se observa, de regra, no Brasil, desde há algum tempo.

Já o planejamento familiar traduz uma conjectura, a se iniciar amiúde antes mesmo do casamento, em que o casal estabelece, de acordo com suas possibilidades econômico-sociais, o número de filhos que almeja ter, quando os desejar e até mesmo o espaçamento entre uma e outra gestação, de modo a não lhe estorvar as atividades profissionais e sociais, isto é, deve ser-lhe assegurado o direito de ter os filhos que possa bem criar, alimentar, educar e amar. Após serem-lhe informados e explicados os modernos métodos à disposição, pesadas as vantagens, desvantagens e conveniência desse ou daquele, escolhe livremente, o que melhor lhe convier.

As ações de planejamento familiar incluem também o tratamento do casal estéril, isto é, aquele que por motivos diversos está impossibilitado, temporária ou definitivamente, de procriar e anseia por isto. Trata-se, portanto - o Planejamento Familiar -, de atividade assistencial que visa não somente a evitar filhos indesejados, mas também de possibilitá-los aos que para isso a ele recorrem. Demais disso, nas clínicas de planejamento familiar bem estruturadas faz-se igualmente, por ocasião das consultas a que a paciente deve submeter-se periodicamente, a prevenção do câncer ginecológico ou, pelo menos, sua detecção em estágio precoce de desenvolvimento, em que o tratamento possibilita índices de cura de até 100%, a detecção de doenças sexualmente transmissíveis, enfermidades outras: infecto-contagiosas, metabólicas, parasitárias, disfunções sexuais, etc., ademais de orientação higienodietética, aos direitos de cidadania e a observação do calendário de vacinações.

No Brasil, uma entidade, a BEMFAM, já desde a década de 1960 executa o planejamento familiar, através de numerosas clínicas espalhadas em vários estados brasileiros, devidamente autorizada pelo Poder Público, laborando em estreita cooperação com serviços universitários e através de convênios de Cooperação Técnica com organizações públicas e privadas, realizando cerca de cinco milhões de atendimentos por ano. O acolhimento nessas clínicas é inteiramente gratuito, bem como a medicação e os exames necessários e as pacientes são entrevistadas e orientadas por profissionais de diversas categorias funcionais como médicos, enfermeiras, assistentes sociais, psicólogos, etc. e desenvolve campanhas e materiais educativos focados na qualificação, formação, aperfeiçoamento, orientação e informação para profissionais de diversas áreas e o público em geral.

Conta, entretanto, o planejamento familiar, com numerosos e tenazes opositores, que atuam divulgando notícias tendenciosas e irreais, como: “estão esterilizando as mulheres brasileiras”, ou: “as mulheres ribeirinhas da Amazônia estão sendo esterilizadas à revelia”, em solerte contrafação noticiosa às ações de ajuda às comunidades no tocante ao planejamento de suas famílias.

Para os que se opõem ao planejamento familiar dizendo que “o Brasil precisa de filhos para povoar suas áreas desertas”, argumentamos que limitar não é extinguir, mas alcançar através da paternidade responsável, a melhoria qualitativa da população e não somente quantitativa, a possibilitar, destarte, a ocupação dos espaços vazios por população sadia e produtiva, representada por filhos dos quais o País possa realmente orgulhar-se.

O homem, mercê da extensão de seus conhecimentos, da aplicação de sua tecnologia, aprendeu a dominar e colocar a seu serviço várias formas de energia da Natureza. Eis alguns exemplos: a eletricidade descontrolada é o raio que mata e destrói, mas, quando controlada, nos proporciona os benefícios da iluminação; a energia hidráulica, quando não controlada, acarreta inundações devastadoras, como as que periodicamente afligem as populações ribeirinhas de nossa região (Norte), mas, dominada pela técnica, resulta na represa, fonte de tantos benefícios; a energia térmica, tanto pode ocasionar incêndios como acionar a máquina a vapor, e a energia atômica vai da bomba arrasadora ao reator nuclear, capaz de salvar vidas. Então, questionamos, por que não conter também a energia biológica da fecundidade, de transcendental importância para o porvir da humanidade?

A reprodução descontrolada gera miséria, fome, doenças, a subversão social e a guerra. Controlada, traz a felicidade, prosperidade, fartura, na medida em que possibilita o bem-estar econômico, social, físico e psíquico do homem.

O problema deve ser equacionado não somente em termos de “povoar os vazios demográficos”, mas de dar aos seus habitantes condições de vida digna para que estes possam se constituir em parcela capaz e não mera massa humana, qualitativamente inferior, manipulável e, conseguintemente, pouco produtiva.

Por outro lado, os problemas gerados, principalmente pelas baixas condições sócio-econômicas levam as mulheres, no limiar do desespero, a lançar mão do meio anticoncepcional mais antigo e nefasto de que se tem conhecimento, o aborto provocado criminoso.

Trabalhos fartamente documentados e realizados há já bastante tempo, inclusive pela BEMFAM, provam ser realizados anualmente no Brasil, vários milhões de abortos provocados (fala-se em algo como cinco milhões, conquanto não se disponha de números confiavelmente estabelecidos), configurados pelo atendimento às suas complicações, custando este atendimento, aos cofres públicos, muitos milhares de reais, ademais do ceifamento da vida de milhões de inocentes todos os anos. Se a esse número se pudessem aditar aqueles de que não se teve conhecimento e extrapolar a cifra para próximo da realidade, o resultado, evidentemente, seria ainda maior e mais impactante.

Números assim tão expressivos configuram uma verdadeira “epidemia” de abortos e, para o combate às epidemias, a melhor providência é a profilaxia, isto é, evitar o mal àqueles ainda não atingidos.

De que maneira então se poderia fazer a profilaxia dessa devastadora epidemia de abortos provocados, que dizima nossa população feminina, dessangra nossas finanças e sacrifica vidas humanas inocentes?

Cremos que somente por meio do planejamento familiar seria possível alcançar esse desiderato, mercê de uma contracepção científica, adequada e inócua, livrando a mulher brasileira de uma das mais significativas causas de mortalidade feminina, o aborto criminoso, tanto mais porque realizado, na grande maioria das vezes, por pessoas desprovidas dos mais rudimentares conhecimentos e princípios de higiene, a ensejar funestas complicações.

----------------------------------------------------------

(*) Médico (Ginecologia/Obstetrícia) e escritor. SOBRAMES/ABRAMES

Sergio.serpan@gmail.com - serpan@amazon.com.br - www.sergiopandolfo.com

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 23/11/2010
Código do texto: T2631880
Classificação de conteúdo: seguro