Moscas volantes : desfazendo mal-entendidos

Floaters, moscas volantes. Ainda comentando a respeito...

O tema moscas volantes ainda gera dúvidas...

Então vou usar uma analogia aqui para me fazer entender melhor.

O que o glaucoma crônico simples ou simplesmente glaucoma (como é conhecido) tem a ver com o glaucoma agudo? Quase nada... exceto o dano (irreversível muitas vezes) à camada de fibras nervosas (nervo óptico). São duas entidades diferentes.

No glaucoma agudo a PIO (pressão intra-ocular) muito elevada (40,60 ou mais mmHg) leva a sintomas agudos e bem específicos, além de dor ocular intensa. E se não tratado em tempo hábil pode resultar em perda funcional severa em questão de horas ou dias.

E porque acontece? Um conjunto de fatores precipitantes e uma estrutura anatômica do olho facilitadora de tal evento: uma área de escoamento com menor capacidade de filtração do que na maioria das pessoas,o que chamamos de ângulo estreito oclusível. O aumento brusco do liquido no interior do olho eleva ràpidamente a PIO a níveis que além de gerar dor intensa reduz drasticamente o fluxo sanguineo (suprimento de oxigênio) ao nervo óptico. Como num infarto agudo do miocárdio.

Ao contrário, no glaucoma crônico simples a diminuição da oxigenação do nervo óptico se dá como na angina do peito (angina pectoris)...que diferentemente do infarto ocorre aos poucos e lentamente. No coração leva à insuficiência cardíaca; no olho a perda funcional se traduz por diminuição do campo visual e algumas vezes evolui para a cegueira, quando não tratado em tempo hábil ou em casos refratários (mais raramente).Na grande maioria das vezes é absolutamente controlável clinicamente. Portanto o glaucoma (crônico simples) é insidioso, lento e assintomático. É diagnosticado em consultas de rotina.

O DPV tem história parecida.

A cavitação, liquefação e desorganização do corpo vítreo se dão “espontaneamente”, com a idade. As aspas lembram que o processo faz parte da senescencia ocular assim como a catarata. Ambos equivalem às rugas e ao cabelo branco.

Em alguns de nós a desorganização vítrea acontece bem cedo (às vezes antes da adolescência). Mas não é comum nem natural (embora quase sempre a causa permaneça “desconhecida”). O oftalmologista não encontra sinais de doença vítreo-retiniana que justifiquem o aparecimento dos floaters gerados pela alteração estrutural do vítreo.

Sabe por que a dor de cabeça quase sempre acompanha o resfriado ou a gripe? Porque a virose é sistêmica, ou seja, muitos órgãos são afetados e um deles é o encéfalo. Uma encefalite discreta é a causa da dor de cabeça na gripe comum. Mas o médico quando o examina não diz que você esta com uma encefalite (que se tiver outra causa tem um significado bem mais grave). Ele apenas se refere à gripe , não é mesmo?

Então, a vitreite discreta pode acontecer em qualquer virose ou doença infecciosa e ser fenômeno que inicia o processo lento e gradual de desorganização vítrea. O DPV “crônico”, desacompanhado de tração vítreo-retiniana e na ausência de condensações vítreas densas no eixo visual ou próximo dele é o achado mais comum à quase totalidade dos diagnósticos de descolamento posterior de vítreo. E é (quase) assintomático. O paciente não refere espontaneamente a queixa; precisa ser perguntado se costuma ver essas mosquinhas de vez em quando...

O DPV agudo e tracional, em contra-partida, comumente vem acompanhado de muitas queixas visuais. Deve ser avaliado com rigor por que pode se apresentar com rotura retiniana com ou sem hemorragia. A tração vítreo-retiniana não é incomum e a médio e longo prazo pode gerar micro roturas na retina periférica ou cistos maculares que por sua vez, anos mais tarde podem se romper e levar a um buraco macular.

Felizmente esse tipo de DPV é incomum (menos de 5% dos casos)!

Quando escrevi aqui outro artigo a respeito de floaters, a intenção foi me dirigir a esse grupo especifico de indivíduos com diagnostico de DPV agudo.

Como apresentam muitas queixas que em geral são minimizadas por não haver terapêutica convencional especifica que os ajude em relação às manchas em seu campo visual (moscas volantes), minha intenção foi informar mais. E também (por que não dizer) me solidarizar com o desconforto deles. O primeiro passo para aceitar e ajudar na recuperação do conforto visual é entender o que se passa.

Essa etapa faz parte, necessariamente, do processo de “cura”.

Do contrário, indivíduos continuarão reclamando que não são compreendidos, passam por vários consultórios alegando que os médicos ainda não descobriram o que eles têm e assim por diante.

Essencialmente porque não foram informados sobre as causas e os porquês das diferenças de manifestações de uma “mesma” situação clinica (DPV) em cada individuo.

Além disso, quando muitos (médicos ou leigos) nos dizem que sempre viram essas mosquinhas, mas elas nunca os incomodaram pode soar a alguns de nós (indivíduos com sintomas exasperantes) que somos incompetentes e não colaboramos na solução do nosso desconforto.

Não é bem assim...

Devemos todos entender (e respeitar) a diversidade... inclusive em relação à saúde e à doença. E nunca é demais lembrar que “não existem ‘doenças’ e sim ‘doentes’ ”. Cada um de nós tem uma individualidade biológica e ser profissional de saúde significa também estar atento às necessidades e expectativas de cada um que bate à nossa porta buscando ajuda.

Entendo assim ter esgotado o tema floaters, moscas volantes e DPV...

A intenção ao publicar esses artigos não foi em nenhum momento induzir medo ou gerar desconforto. Ao contrário. Acredito que a informação honesta cumpre o papel de dimensionar corretamente os eventos e ajudar na prevenção das doenças e na promoção de saúde.