A palavra Terapeutas vem do grego therapeutai, formado do verbo therapeuein que significa cuidar ou cuidado, cuidar de, servir.

Literalmente, therapeuein significa tomar conta de, atender, fazer serviços; therapon significa “servente, aquele que atende alguém”; therapeia, donde se originou a palavra terapeuta cuja base grega é therapeutés (originalmente, aquele que cuida, assiste, trata e vela pelo ser), significa serviço.

Um primeiro uso da palavra therapeuein teria sido feito pelos epicuristas, significando terapia da alma. Foucault (2006, pp.12-3) destaca os outros significados para a therapeuein: serviço de culto prestado nos templos (relação entre homens e deuses) e, também, relação entre homens, ou seja, a servidão do servidor diante do mestre.

A origem hebraica da palavra terapia vem de teroupha, significando cura: esta tese é defendida pelo rabino contemporâneo Marc-Alain Ouaknin, fazendo analogia fonética entre os vocábulos terapia e teroupha.

Terapeuta remonta à ordem monástica judaica anterior à era cristã, estabelecida principalmente ao sul de Alexandria, no Egito: os Terapeutas hebraicos tinham grande afinidade com os essênios, professando os seus costumes e virtudes.

Fílon de Alexandria, filósofo judeu platônico, foi o primeiro a falar dos terapeutas, considerando-os uma seita do judaísmo: em  sua obra intitulada Sobre a vida contemplativa fala da vivência dos Terapeutas centrada na concepção do Cuidado de Si.

Fílon viveu entre os anos 25 antes de Jesus e 50 depois de Jesus em Alexandria, norte do Egito próximo ao Delta do Nilo e às margens do Mediterrâneo: os Terapeutas descritos por Fílon situavam-se nesta mesma região e tempo histórico.

A importância de Fílon para o cenário cristão deve-se às  particularidades do método exegético; parte de suas obras sobreviveu graças aos primeiros padres da Igreja que lhe reconheceram a autenticidade dos escritos (BERARDINO, 2002, p. 576).

Os Terapeutas acreditavam na imortalidade da alma após a morte do corpo e, motivados por tal certeza, abandonavam os seus bens materiais e suas famílias em busca de contato com a vida espiritual. (FÍLON, 1996, § 13)

Ainda segundo a narrativa de Fílon (1996, § 12), mergulhavam na busca de seu objeto de desejo e, tomados do entusiasmo, não paravam até a plenitude da busca.

Os Terapeutas acreditam que todos os males emocionais e enfermidades do corpo procediam da enfermidade da alma ou, mais propriamente, de uma má orientação ou desorientação do desejo; por isso, tratavam das tristezas, fobias, invejas, ignorâncias, buscando desapegarem-se do prazer. (FÍLON,1996, § 2)

Uma outra particularidade dos Terapeutas os distingue de outras seitas ou comunidades, quais a dos essênios: as mulheres participavam das reuniões dos Terapeutas, ouviam o discurso do superior e sentavam-se à mesa nos dias sagrados de celebração. Nas reuniões, deveriam elas serem separadas por um pequeno muro e, nas refeições, postavam-se de um lado e os homens de outro. (FÍLON, 1996, § 33. § 69).

As mulheres foram igualmente importantes na formação do coro dos Terapeutas por contribuírem na harmonia de vozes agudas e graves.  (FÍLON, 1996, § 88)

Os Terapeutas moravam em cabanas distribuídas de maneira que não estivessem próximas ou longe demais umas das outras. Essa disposição das casas promovia tanto a solidão quanto o socorro de seus companheiros diante de ataques por bandidos. (FÍLON, 1996, § 38)

Nas casas dos Terapeutas existia um cômodo chamado mosteiro ou santuário: aí nesse local considerado sagrado, o Ser era contemplado; por isso igualmente para esse lugar não levavam nenhum tipo de comida. Acompanhavam-lhes apenas os oráculos dos profetas, textos sagrados, hinos de louvor a Deus, leis divinas. Não se levava comida de forma alguma (FÍLON, 1996, § 25).

A vida cotidiana dos Terapeutas organizava-se para que pudessem rezar, dedicarem-se à contemplação, semanalmente faziam reunião comunitária e a cada sete semanas tinham o  banquete. A contemplação dava-se por leituras das sagradas escrituras, interpretadas pelo método da alegoria (FÍLON, 1996, § 28).

No método alegórico, a pessoa abstraia o personagem e era personificado no cotidiano vivido pelo que lê. Fílon (1996, § 1) apresenta a palavra contemplação significando teorização e investigação por meio da letra.

Os livros lidos, proporcionadores da contemplação pelos Terapeutas, eram das sagradas escrituras, a Torá ou obras deixadas pelos iniciadores da comunidade. (FÍLON, 1996, § 28-29)

A vida contemplativa dos Terapeutas é pautada por um ideal de dedicar-se exclusivamente ao conhecimento. (ABBANGNANO, 2000, p. 198)

O fim da contemplação se dá quando o objeto contemplado passa de fora para dentro do contemplador e isso se dá numa atitude de abertura e num estado de elevação da alma. A dedicação dos Terapeutas à contemplação é constante, fazem as orações e, no mosteiro, permanecem a ponto de nem olharem pela janela e alimentando-se do conhecimento. Alguns fazem refeição a cada três dias, outros a cada seis: de qualquer forma, só a fazem à noite porque durante o dia devem atender as necessidades filosóficas. (FÍLON, 1996, §§ 25-29)

Eusébio, S. Jerônimo e outros Pais da Igreja pensam que os  eram cristãos.

Uma das importâncias da obra de Leloup (2003) sobre Fílon e os Terapeutas de Alexandria é demonstrar historicamente a não ligação tradicional hebraica e grega dos Terapeutas, suas terapias e terapêuticas, com a subordinação e limitação no século XIX à Medicina e aos atos médicos.

Conforme todos sabem, até o ano de 1843 travava-se no Brasil a disputa sobre quem detinha hegemonia sobre a direção das questões de saúde: até aquele ano, médicos e vereadores disputavam aquela hegemonia, até a criação do cargo de provedor-mor da saúde, em 1809. Esse cargo desligou-se da Câmara e passou a ser exercido por médicos.

Por ineficiência, na sua curta vigência de 27 anos, a Real Junta do Protomedicato foi extinta em 7 de fevereiro de 1809; em seu lugar, foi criada a Provedoria-mor da Saúde (1809-1827); o cargo de Provedor-mor da Saúde da Corte e do Estado do Brasil foi criado pelo Decreto de 28 de julho de 1809.  Os poderes judiciais do Provedor-mor da saúde foram estabelecidos pelo Alvará de Regimento de 22 de janeiro de 1810.

Pela inoperância da Provedoria-Mor da Saúde, em 10 de dezembro de 1828  dom Pedro I extingue os cargos de Provedor-Mor de Saúde e de Cirurgião-Mor: a responsabilidade da Saúde Pública passa para as Câmaras Municipais e para a Superintendência de Saúde Pública.

A Provedoria-mor da Saúde foi substituída pela Provedoria da Saúde (1828-1850), tendo por princípio organizativo a lógica medicocêntrica, hospitalocêntrica e militarista.

Pelo decreto de 29 de janeiro de 1843 determinou-se o que até hoje está vigente, de forma direta ou indireta: os médicos tornaram-se os exclusivos responsáveis pelas questões de saúde. Desde então, o governo imperial nomeava diretamente os médicos para ocuparem os cargos de provedor da saúde. Anteriormente a 1843, as Câmaras nomeavam os médicos.

Finalmente, a tradição dos Terapeutas era a de serem terapeutas do cuidado (do corpo e da alma) e esta tradição não é base comparativa para a Medicina (ciência das doenças) e da atividade dos médicos (que estudam doenças para diagnosticá-las e, quando possível, trata-las – sem qualquer suposta e ufânica garantia de cura; no máximo, a história mostra ações de controle, de minimização e raras curas por intervenção médica ou estrita intervenção médica).
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REFERÊNCIAS
ABBGNANO, Nicola.  Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BERARDINO, Ângelo Di (Org.).  Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. Trad. Cristina Andrade. Petrópolis: Vozes, 2002. 97
FÍLON de Alexandria. Os Terapeutas. In.: LELOUP, Jean-Yves. Cuidar do Ser: Fílon e os Terapeutas de Alexandria. Trad.: Regina Fittipaldi, et al. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
FOUCAULT, Michel. A Hermenêutica do Sujeito. Trad. Márcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail. Col. Tópicos. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes. 2006
LELOUP, Jean-Yves. Cuidar do Ser: Fílon e os Terapeutas de Alexandria. Petrópolis: Vozes. 2003