De volta à questão do umbigo

De volta à questão do umbigo

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Como Mamíferos placentários que somos, nós temos um cordão Umbilical que nos une a nossa mãe e permite que ela nos alimente, através da placenta, durante o nosso desenvolvimento embrionário. A placenta que nos caracteriza é um anexo embrionário exclusivo dos grupos mais evoluídos de Mamíferos. Por conta da placenta ficamos diferentes dos Mamíferos mais primitivos e dos representantes da Classe dos Répteis, que são os nossos ancestrais e ainda dos representantes da Classe das Aves .

Os Répteis geralmente são ovíparos, isto é, põem ovos que se desenvolvem sozinhos no ambiente e, mais raramente são ovovivíparos, ou seja, os ovos são guardados e se desenvolvem dentro da mãe, mas não são nutridos por ela. Os mamíferos mais primitivos, os Prototérios da Ordem dos Monotremados, da mesma maneira que a maioria dos Répteis põe ovos no ambiente, quer dizer, são ovíparos como os Répteis. As Aves, que assim como os Mamíferos também derivaram dos Répteis, mantiveram a condição de ovíparas.

Por outro lado, todos os Mamíferos mais evoluídos, pertencentes a Subclasse dos Térios, desde os Marsupiais da Infra-classe dos Metatérios até as mais diversas Ordens da Infra-classe dos Eutérios, são todos vivíparos. Isto é, o ovo se desenvolve dentro do organismo materno sendo nutrido diretamente por este, através da placenta, que aparece nesse tipo de processo reprodutivo como fonte de ligação entre a mãe e o filho e que transmite os nutrientes diretamente da mãe para o embrião.

Há um cordão de ligação da placenta com o embrião. Esse cordão é que foi denominado de Cordão Umbilical. Quando nascemos, o cordão umbilical é cortado e a cicatriz resultante da ruptura que é produzida no local ficou conhecida como UMBIGO. Quer dizer o umbigo é um registro da condição de nossa reprodução vivípara. O Umbigo é então a nossa principal marca como Mamíferos placentários que somos e também é um registro da ligação que tivemos com nossa mãe ao longo de nosso desenvolvimento.

Esse tipo de reprodução, que leva ao desenvolvimento embrionário vivíparo, ou melhor, à condição de viviparidade, do ponto de vista evolutivo, é um grande avanço dos Mamíferos em relação aos seus ancestrais diretos, os Répteis e aos seus primos mais próximos, a Aves. A viviparidade permitiu uma maior garantia da sobrevivência do embrião e também reduziu a necessidade de produção de grande quantidade de embriões. Ao contrário dos demais animais Vertebrados Superiores, nos Mamíferos há um investimento pequeno no número de embriões por processo reprodutivo, até porque existe um alto grau de certeza da sobrevivência desse pequeno número de embriões.

Bem, até aqui me referi à verdade biológica e evolutiva da importância e da presença do umbigo, até o nascimento de qualquer Mamífero, inclusive nós, os humanos. Entretanto, temos que questionar o que acontece com nosso umbigo depois que eclodimos. Então, para que serve o nosso umbigo depois que nascemos?

Pasmem senhores, mas nosso umbigo não serve exatamente para nada. O umbigo é apenas uma cicatriz, uma marca, um registro de nosso desenvolvimento vivíparo, mas não tem função absolutamente nenhuma depois que nascemos. Talvez até seja por isso que antigamente era comum as pessoas se preocuparem com o formato da cicatriz e era comum vários tipos de “técnicas”para que o umbigo não ficasse “feio”, ou que ficasse “menos feio”, haja vista que toda cicatriz é “feia”.

Ora, se o umbigo não serve para nada, então por que a maioria dos humanos é muito preocupada com o seu respectivo umbigo? Por que a maioria de nós coloca o umbigo em pé de igualdade com os outros órgãos do corpo? Aliás, em pé de igualdade não, em condição de Superioridade sobre todos os demais órgãos do nosso organismo. Por que a maioria de nós age como se apenas o nosso umbigo existisse, como se ele fosse a nossa essência maior ou a nossa parte mais importante? Não sei responder essas perguntas e desafio a quem possa respondê-las. Mas, a verdade é que somos “enfeitiçados” pelo nosso umbigo ou por aquilo que ele representa. Todavia, porque será que isso acontece?

Caramba! Por que a maioria das pessoas venera o seu próprio umbigo sobre tudo como se ele fosse um deus? Essa pergunta tem massacrado o meu pensamento ao longo de minha vida e cada vez mais me parece que essa “veneração umbilical” tem ficado proporcionalmente maior. Como já disse antes, acho difícil que alguém possa explicar isso, mas tenho um palpite, uma modesta conjectura, que vou dividir aqui nesse texto com os Senhores leitores.

Quando cortam o nosso umbigo e nos separam de nossas mães, passamos a ter que nos virar sozinhos, como as Aves e a maioria dos Répteis. Porém cabe lembrar que as Aves e os Répteis já estavam sozinhos desde a formação do ovo que lhes deu origem e assim já estavam tendo que cumprir suas funções metabólicas por si sós, ainda como embriões. No caso dos Mamíferos, algumas funções só começam a ocorrer a partir da ruptura do cordão umbilical. Ora, o umbigo, como já foi dito, é a marca de que um dia nós fomos unidos (presos) a alguém e isto nos traz grande sensibilidade física. Qualquer toque no umbigo é considerado perigoso, pois é uma região frágil e de alta sensibilidade. Aqui cabe ressaltar que o umbigo é, inclusive, uma de nossas principais áreas erógenas.

Acredito que seja por esse detalhe que nós imaginamos que devemos proteger o nosso umbigo a qualquer custo. O nosso cérebro trabalha nesse sentido e defende o nosso umbigo acima de tudo. Aliás, se for considerado, mais uma vez, o ponto de vista estritamente biológico, esse mecanismo de auto defesa me parece bastante coerente e até mesmo necessário. Entretanto, me preocupa muito, quando nós sobrepomos os nossos umbigos aos umbigos das demais pessoas, porque aí passa a ser uma questão de egoísmo extremo. Além de ser ainda uma atitude contrária aos interesses da população, o que é no mínimo antiecológico (entendam antibiológico).

Deixem me tentar esclarecer um pouco melhor. Guardar o nosso umbigo é algo útil e interessante, porém esquecer que somos indivíduos de uma determinada espécie e que os outros indivíduos dessa mesma espécie também existem e também têm umbigo é o que incomoda, atrapalha e certamente faz desgraçar a maioria dos seres humanos. Agimos como se só nosso umbigo existisse e isso é um erro, uma aberração, que não tem similar na natureza.

Todos nós temos nossos umbigos para guardar e podemos fazer isso coletivamente, no interesse do grupo (população). Porém, em condições normais, cada um de nós foi gerado sozinho e por isso não admitimos proteger o umbigo do outro antes do nosso. É bom lembrar que como regra, pelo menos no caso específico dos seres humanos, é produzido apenas um filho por processo reprodutivo.

Como sugestão, talvez fosse interessante realizar uma pesquisa com gêmeos monozigóticos (verdadeiros) para tentar comprovar o que estou querendo dizer. De qualquer maneira acredito que esses “humanos duplos” são menos preocupados com seus umbigos do que os demais humanos, porque antes de eclodir cada um já tinha o seu próprio umbigo, porém já dividiam a mesma placenta dentro do corpo da mãe que nutria os dois.

Penso que é isso que está faltando na maioria dos humanos: aprender a dividir e olhar menos para o próprio umbigo. Esquecer a cicatriz umbilical, deixar de lado o registro da ruptura e lembrar que tem um lado bom em ser independente, qual seja, o de aprender as regras de sobrevivência mais rapidamente, porém respeitando o grupo em se está inserido. Se conseguirmos fazer isso coletivamente será algo fantástico para toda a humanidade.

Por outro lado, se não conseguirmos resolver a questão da forma como dito anteriormente, aí teremos que tentar “involuir” o nosso processo reprodutivo. Vamos tentar desenvolver um mecanismo para nos tornarmos ovíparos como os Répteis e torcer para que nossas mães produzam grandes ninhadas para que nós já nasçamos entendendo que precisamos cuidar de nossos irmãozinhos, para que eles, em contra partida, também possam cuidar de nós. É óbvio que isso é um absurdo biológico, uma incongruência lógica e uma incompatibilidade física, mas talvez seja a única maneira, embora impossível, de ficarmos mais naturais e assim nos tornarmos mais humanos.

O umbigo em si não tem culpa de nada, até porque ele não faz nada e quem não faz nada não pode ser culpado de coisa nenhuma. Mas, o nosso medo e a nossa culpa é que fizeram do umbigo a nossa região corpórea mais preocupante. Vamos tentar, ainda que apenas em nossos pensamentos, nos divorciarmos de nossos umbigos para podermos melhorar a qualidade de nossas vidas como organismos humanos. Vamos olhar mais para os umbigos dos outros e deixemos que os outros possam se apropriar um pouco mais de nossos umbigos. Isso não é impossível, basta nós querermos. Além disso, assim estaremos, inclusive, agindo biologicamente melhor.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (52) é Biólogo, Professor de Ensino Superior e Médio, Ambientalista e Escritor;

Membro Efetivo e Fundador da Academia Caçapavense de Letras (ocupando a Cadeira 25);

Membro Associado do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV) de Lorena/SP;

Ex-Vereador e Ex-Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.