Algumas reflexões sobre a categoria cotidiano

Algumas reflexões sobre a categoria cotidiano

Considerando que a vida de todo homem se desenrola no que chamamos de cotidiano, buscamos através desse artigo, realizar um estudo bibliográfico que possa possibilitar uma visão geral sobre a temática.

Inicialmente, precisamos esclarecer que para nós, o cotidiano é como o pano de fundo que ancora e permeia a vida humana (SOARES, 2002). Sendo assim, o que chamamos de vida cotidiana tem um importante significado para o indivíduo, uma vez que é nela que ele aprende a responder às necessidades postas pelo imediato, assimilando normas de comportamento, costumes e hábitos. Ou seja, é na estrutura do cotidiano que ocorre a socialização humana.

Como característica da vida cotidiana podemos citar: o caráter momentâneo dos efeitos, a natureza efêmera das motivações, a fixação repetitiva do ritmo e a rigidez do modo de vida (HELLER,1985). Neste sentido, ao incorporar normas, valores e hábitos, o homem se insere no meio social, mas as formas dessa incorporação caracterizam-se por uma dinâmica voltada à singularidade e não, à genericidade humana (HELLER, 1985).

Ressaltamos, então que, na cotidianidade, a relação entre o indivíduo e a sociedade é marcada pela espontaneidade, heterogeneidade, pela imediaticidade e pelo caráter acrítico de assimilação e reprodução de normas e valores. Nesta perspectiva:

O indivíduo responde às necessidades de sua reprodução sem apreender as mediações nelas presentes; por isso é característico do modo de ser cotidiano o vínculo imediato entre pensamento e ação, a reprodução automática de modos de comportamento. (BARROCO, 2005, p.38).

Heller (1985, p.17) nos dá importantes contribuições para que possamos compreender o que é vida cotidiana:

[...] é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se em funcionamento todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias.

No entanto, as capacidades que se colocam no cotidiano estão sempre abaixo do nível de intensidade necessário para que o indivíduo se eleve ao humano genérico, isso porque:

O fato de que todas suas capacidades se coloquem em funcionamento determina também, naturalmente, que nenhuma delas possa realizar-se, nem de longe, em toda sua intensidade. O homem da cotidianidade é atuante e fruidor, ativo e receptivo, mas não tem tempo nem possibilidade de se absorver inteiramente em nenhum desses aspectos; por isso, não pode aguçá-los em toda sua intensidade (HELLER, 1985, p.17-18).

A vida cotidiana é marcada por diferentes tipos de atividades que apresentam significados e importância também diferenciados. Nesta medida, conforme o grau de importância dessas atividades podemos falar em hierarquias que se estabelecem entre elas e essas hierarquias estão relacionadas com o potencial que cada atividade tem na realização de ações práticas postas na imediaticidade. “São partes orgânicas da vida cotidiana: a organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a purificação” (HELLER, 1985, p.18).

A cotidianidade, como já dissemos, representa um campo importante para o homem, pois é nela que ocorre o desenvolvimento da sua socialização. Porém, tendo o cotidiano características automáticas, espontâneas e imediatas, ele oferece escolhas, mas não a liberdade de escolha, oferece opções, mas nem sempre oferece a liberdade de optar por esta ou aquela opção. Ou seja, na cotidianidade o indivíduo pode escolher e optar, mas suas escolhas e opções não são livres, uma vez que são determinadas por um conjunto de normas, hábitos e ideologias, etc. Neste sentido, nem mesmo a inserção do homem no cotidiano é fruto de sua própria escolha, uma vez que

O homem nasce já inserido em sua cotidianidade. O amadurecimento do homem significa, em qualquer sociedade, que o indivíduo adquire todas as habilidades imprescindíveis para a vida cotidiana da sociedade (camada social) em questão. É adulto quem é capaz de viver por si mesmo a sua cotidianidade. (HELLER, 1985, p.18)

O cotidiano é também a esfera da vida onde percebemos grandes possibilidades de que ocorra o fenômeno da alienação, isso porque existe uma dualidade presente na cotidianidade entre a particularidade e a genericidade da prática humana (SOARES, 2002). Em todas as esferas da vida cotidiana, o homem se insere numa estrutura já estabelecida e enquanto continuar preso à conformidade, jamais provocará mudanças significativas em tal estrutura, uma vez que para se atingir o humano-genérico é necessário que se vença as barreiras do conformismo, passando a ver além da cotidianidade, o que por sua vez implica em ruptura com normas e padrões estabelecidos. Sendo assim:

A relação consciente do indivíduo singular com a sua genericidade supõe uma elevação acima da cotidianidade, instaurando um processo de homogeneização: concentração de toda a atenção numa única tarefa e o emprego de toda a força numa objetivação que permita a ele se reconhecer como representante do gênero humano (BARROCO, 2005, p.40).

Na ânsia de cumprir seus papéis sociais, o homem acaba tendo seu caráter humano genérico sufocado, passando a se conformar com os papéis que lhe são atribuídos socialmente, na maioria das vezes para evitar os conflitos. Estando então sob o fenômeno da alienação, a vida humana se resume à capacidade de adaptação às exigências impostas pela cotidianidade (SOARES, 2002).

Sendo assim, a partir de tudo que foi apresentado, podemos dizer que o rompimento com a alienação ocorre quando o homem se recusa a cumprir o seu papel na sociedade, ou seja, quando ele sai do plano da normalidade e do conformismo. O primeiro passo em direção ao desenvolvimento do humano-genérico se dá quando o homem entra em conflito com as normas postas pelo cotidiano, quando ele sai da singularidade e, se elevando acima dela é capaz de pensar o mundo sócio-construído. A partir daí é capaz de atuar na perspectiva da totalidade humana, é quando ele deixa de ser “eu” para fazer parte de um “nós”. E esse nós é sempre um sujeito coletivo que luta contra o que foi historicamente construído: ou seja, a ordem sócio-econômica estabelecida.

REFERÊNCIAS

BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1985.

SOARES, Ana Cristina Nassif. Mulheres chefes de famílias: narrativa e percurso ideológico. Franca: FHDSS/Unesp, 2002.

Marcos Welber
Enviado por Marcos Welber em 28/04/2010
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