O preconceito social contra a pessoa com deficiência: algumas implicações.

O preconceito social contra a pessoa com deficiência: algumas implicações.

Um dos aspectos que marca profundamente as relações sociais da pessoa com deficiência é a ignorância, no sentido de falta de saber e de ausência de conhecimento. Quanto a isso podemos dizer que

[...] ignorância não é atributo apenas dos mais pobres ou dos que têm menos estudo. É algo que está presente em todas as camadas sociais, em muitas famílias, grupos de empresários, funcionários do governo (federal, estadual ou municipal) e, até mesmo, em muitos médicos que não se especializaram em reabilitar pessoas portadoras de deficiência ou que não têm prática no tratamento de algumas restrições do corpo (leves ou profundas) (RIBAS, 1996, p.63, destaque do autor ).

Ribas (1996) coloca a ignorância como sendo responsável por preconceitos relacionados às pessoas que têm deficiências, pois quando alguém não sabe, começa a achar, podendo assim fazer interpretações que muitas vezes fogem da realidade da vida das pessoas com deficiência física, mental ou sensorial.

Sobre os preconceitos Ribas (1996, p.64) ainda nos dá a seguinte contribuição:

[...] em maior ou menor grau, todos nós somos preconceituosos. Ninguém escapa. Nem mesmo pesquisadores universitários e acadêmicos. Isso porque a primeira impressão é sempre preconceituosa, já que está relacionada a algo com o qual jamais tivemos contato. É verdade que os pesquisadores universitários e acadêmicos (sobretudo os que trabalham com as ciências humanas) reelaboram o preconceito que existe dentro deles, até mesmo para conseguir pesquisar. E aí, então, conseguem enxergar o que está por trás da primeira imagem.

O preconceito com relação a pessoas com deficiência vem muitas vezes imbuído de um sentimento de negação, ou seja, a deficiência é vista apenas como limitação ou como incapacidade. A sociedade, embora tenha um discurso que prega a inclusão social de pessoas com deficiência, ainda vê essas pessoas pelo que não têm, ou pelo que não são. Não nos acostumamos a olhar os sujeitos que têm deficiência pelo que têm ou pelo que são. Nesta medida, a pessoa com deficiência auditiva é aquela que não ouve, a pessoa com deficiência visual é aquela que não enxerga. Ou seja, nos aproximamos da deficiência a partir da negação. A pessoa com deficiência é sempre aquela que não tem ou não apresenta alguma capacidade que a outra tem ou apresenta. Dessa forma, o sentimento de negação pressupõe sempre uma atitude e um comportamento de negação que traz para essas pessoas sérias conseqüências como exclusão, marginalização, discriminação, entre outras.

Esse sentimento de negação acompanhado de uma atitude e comportamento negativos com relação à pessoa com deficiência acaba por refletir em um sentimento de que é “melhor não viver assim”, sentimento esse que ainda é razoavelmente difundido nos dias atuais e que coloca em questão um tema muito polêmico: a morte. Isso porque ao ver a deficiência apenas pelo lado negativo, não se consegue enxergar um horizonte para aquele que tem uma deficiência física, mental ou sensorial, sendo que:

Muitos pais que tiveram filhos com deficiência contam que em algum momento lhes passou pela cabeça que seria melhor, para o próprio filho, não viver. Muitos paraplégicos contam que o desejo de morrer surgiu principalmente logo após o acidente que trouxe a lesão medular. Para os pais que tiveram filhos com deficiência e para as próprias pessoas com deficiência a aceitação passiva da morte resulta da perda de sentido da vida. (RIBAS, 2007, p.24).

Além disso, Ribas (2007) ainda aponta para o perigo de que ao interpretarmos a deficiência como algo suficientemente adversa a ponto de abalar o sentido da vida, logo passemos a justificar a interrupção da gestação de bebês que comprovadamente irão nascer com deficiência, uma vez que o sentimento de que talvez não valha a pena viver sendo uma pessoa com deficiência, pode levar à sensação de que talvez não valha a pena nascer com uma deficiência, o que poderia implicar em atitudes como o aborto, por exemplo.

No entanto, é necessário esclarecermos que o sentimento de que não vale a pena viver tem sua origem nas relações sociais vivenciadas por famílias e por pessoas com deficiência. Estando, portanto, esse sentimento ligado ao sentimento de perda. E essa perda tem sempre como modelo determinado padrão de normalidade. Ter uma deficiência é ter que conviver com a diferença (com toda carga ideológica negativa que esse termo carrega na sociedade capitalista). Neste contexto, o sentimento que não vale a pena viver é um produto social que a pessoa com deficiência e seus familiares acabam por consumir em determinado momento da vida. Desta maneira, os sentimentos que prejudicam a vida das pessoas que têm deficiência e de seus familiares são frutos de situações concretas de vida, nas quais estão presentes determinantes sociais, culturais, econômicos e políticos.

Nesta perspectiva, olhar a deficiência a partir da negação resulta, por conseguinte, na negação do direito da pessoa com deficiência de viver na sociedade com igualdade de oportunidades. Sendo assim, a pessoa com deficiência está sujeita na sua vida cotidiana a vários impedimentos. Embora a legislação brasileira refute qualquer tipo de cerceamento no exercício da cidadania dessas pessoas, os impedimentos ainda persistem, se configurando em vários tipos de barreiras.

O Decreto nº 5296 de 2 de dezembro de 2004 define barreiras como sendo qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas, classificadas em:

a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias públicas e nos espaços de uso público;

b) barreiras nas edificações: as existentes no entorno e interior das edificações de uso público e coletivo e no entorno e nas áreas internas de uso comum nas edificações de uso privado e multifamiliar.

c) barreiras nos transportes: as existentes nos serviços de transporte;

d) barreiras nas comunicações e informações: qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos dispositivos, meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa, bem como aqueles que dificultem ou impossibilitem o acesso à informação.

Além das barreiras citadas acima denominadas de barreiras físicas, podemos elencar mais dois tipos de barreiras:

a) barreiras sistêmicas: relacionadas a políticas formais e informais. Exemplo: escolas que não oferecem apoio em sala de aula para alunos com deficiência, bancos que não possuem tratamento adequado para pessoas com deficiência.

b) barreiras atitudinais: são os preconceitos, estigmas e estereótipos que implicam em um comportamento negativo com relação à pessoa com deficiência como repudiar, discriminar e excluir com base na condição física, mental ou sensorial.

Quando analisamos as inúmeras barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam, não podemos deixar de mencionar as dificuldades que encontram para ingressar no mercado de trabalho, isso porque:

O mercado de trabalho é competitivo e por isso mesmo segregativo para todos. A rotatividade da mão-de-obra desqualificada é intensa, jogando à margem das empresas um exército de pessoas que mais do ninguém precisa trabalhar para manter a vida. Deste exército fazem parte os considerados menos aptos. [...] para os empresários e para o Estado os deficientes estão incluídos entre os menos aptos. (RIBAS, 1985 p.85-86).

O decreto nº 3.298 de 1999 determina que toda empresa com cem ou mais empregados deva preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários da Previdência Social reabilitados ou com pessoa com deficiência habilitada; porém a lei nº 8.213 de 1991 já obrigava as empresas a contratar pessoas com deficiência (RIBAS, 2007). Mas foi o decreto nº 3.298 que incumbiu o Ministério do Trabalho de fiscalizar o cumprimento da lei, assim:

[...] tanto o Ministério do Trabalho quanto o Ministério Público do Trabalho saíram a campo procurando saber quais empresas estavam de fato cumprindo a lei e alertando aquelas que não estavam cumprindo que não haveria qualquer motivo ou justificativa plausível que as desobrigasse da responsabilidade de contratar (RIBAS, 2007, p.99).

No entanto, ainda segundo Ribas (2007), logo que o poder público de fiscalização iniciou a pressão, algumas empresas contrataram advogados pedindo que buscassem argumentos jurídicos que as livrassem da obrigatoriedade de contratar as pessoas com deficiência, porém não tiveram nenhum êxito com esta atitude, uma vez que:

[...] O que o poder público entende até hoje é que a lei que determina a contratação de pessoas com deficiência pelas empresas – conhecida por Lei de Cotas – faz parte de uma política de discriminação positiva que, por meio da obrigatoriedade imposta por lei, vem compensar anos e anos de exclusão do mundo do trabalho. Baseado nesse princípio, todo e qualquer arrazoado que venha de departamento jurídico de empresas e que queira justificar a impossibilidade de sequer imaginar alternativas de inclusão profissional tem contado com a mais absoluta intolerância do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho (RIBAS, 2007, p.99).

Percebemos, então, que na atualidade, através das leis está ocorrendo uma maior inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Mas, essa inclusão prima pelo valor quantitativo e não qualitativo, uma vez que a inserção dessas pessoas dentro da empresa se dá, na maioria das vezes, no campo da subalternidade, ficando essas pessoas com trabalhos que exigem menos qualificação e, por conseguinte, menos remunerados. São poucas as empresas que realmente investem na capacitação de pessoas com deficiência e quando investem é em nome da obrigatoriedade e não do direito dessas pessoas. Porém, não devemos esperar que as empresas façam isso. A luta pelos direitos da pessoa com deficiência é a luta de todos e como tal, deve fazer parte da agenda do governo, da sociedade e dos movimentos sociais em geral. Lutar por igualdade de oportunidades para a pessoa com deficiência é lutar por igualdade de oportunidade para todos os segmentos marginalizados e discriminados.

Referências

RIBAS, João Baptista Cintra. As pessoas portadoras de deficiência na sociedade brasileira. Brasília, DF: CORDE, 1997.

______. O que são pessoas deficientes. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.

______. Viva a diferença: convivendo com nossas restrições ou deficiências. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.

______. Preconceito contra as pessoas com deficiência: as relações que travamos com o mundo. São Paulo: Cortez, 2007.

Marcos Welber
Enviado por Marcos Welber em 30/04/2010
Reeditado em 28/04/2012
Código do texto: T2228898
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