A MISÉRIA HUMANA

Prólogo:

“A miséria humana não está na incerteza dos acontecimentos que ora nos elevam, ora nos rebaixam. Está inteira no coração ávido e insaciável, que incessantemente aspira a receber, que se lamenta da secura de outrem e jamais se lembra da própria aridez. Essa desgraça de aspirar a mais alto que a si mesmo, essa desgraça de não poder satisfazer-se com as mais caras alegrias, essa desgraça, digo eu, constitui a miséria humana.” (Espírito Georges - Revista Espírita de 1860).

O caso Bruno (Ex-goleiro do Flamengo) que ora explode na mídia não é capaz de reprimir os anseios da sociedade cada vez mais ávida e assustada com a violência que assola o país. A imprensa intermedeia as discussões, eivadas de acusações impróprias entre expectadores, advogados, acusados, familiares, amigos e afins.

ATENÇÃO! Não vou e NÃO QUERO pactuar com a mídia interesseira ou levianos inconsequentes citando desvios comportamentais de quem quer que seja. Entre muitas outras pedradas literárias e com o fim de melhor fundamentar meu texto darei exemplo de apenas três das feias publicações escabrosas sobre os envolvidos (familiares) no caso do ex-goleiro do Flamengo que dizem "ipsis verbis":

1. “Quando ele soube que nossa mãe era lésbica, ficou revoltado e tomou a casa que havia lhe prometido em Belo Horizonte.” – (Rodrigo irmão de Bruno).

2. “Eliza Samudio que está desaparecida trabalhava como atriz em produções pornôs com os nomes artísticos “Fernanda Faria” ou “Victória Sanders”.” – (http://kiminda.wordpress.com/2010/07/05/caso-brunoeliza-samudio-era-atriz-porno-das-brasileirinhas/).

3. “O pai da jovem Eliza Samudio, Luiz Carlos Samudio, foi condenado a cumprir oito anos de prisão, em regime inicial fechado, pelo crime de estupro contra uma menina de 10 anos. No processo, Luiz Carlos explica que a vítima é sua filha com a irmã de sua mulher, à época do estupro. Ele disse que se separou da mulher em 1995 e que a relação extraconjugal, que originou a menina (filha-sobrinha), foi descoberta pela ex-mulher no ano seguinte.” – (http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/07/pai-de-eliza-responde-por-estupro-no-pr07072010.html).

Agora é hora de se fazer uma pergunta simples: Com o desaparecimento de Eliza Samudio, ex-amante do ex-goleiro do Flamengo Bruno Fernandes das Dores de Souza, houve um ou mais de um crime com o concurso (afluência) de outras pessoas?

Se a resposta for SIM haverá que se dar início a uma rigorosa apuração, por meio de um Inquérito Policial, dos indícios sem esse “rufar de tambores”, sem pirotecnia onde a ética é desprezada em detrimento do brilho artificial de alguns operadores do direito, mídia, curiosos e assemelhados.

Não resta dúvida que esse caso do ex-goleiro do Flamengo NÃO sopita as emoções, pelo contrário, excita-me e a toda sociedade a ponto de pensar, escrever ou comentar algo sobre o fato atualmente em ebulição na mídia.

Atenção: “SOBRE O FATO”! Não vejo NENHUMA NECESSIDADE desse lamaçal de horrores vir à baila. Refiro-me aos três itens acima supracitados e tantos outros existentes e decantados com o propósito de denegrir o caráter dos suspeitos e seus familiares.

Essa propagação de fatos passados, irrelevantes e alheios ao caso concreto é, no mínimo, antiético e irresponsável. Isso é típico da miséria humana, da escória social ansiosa e à espera da queda do castelo de areia que não teve o alicerce fortalecido pelos laços resistentes de uma família coesa.

Desde os tempos imemoriais os seres humanos tendem a abusar dos mais fracos. Apenas porque podem. Apenas porque, naquele momento, são mais fortes. O dinheiro, o poder, a sedução fácil alimentada pela cupidez ilimitada dos que querem a todo custo “dar-se bem na vida” tem facilitado, sobremaneira, o ilícito.

UM POUCO DE HISTÓRIA PARA EMBASAR MEU TEMA ESCRITO

No dia 6 de abril de 1952 foi assassinado um jovem na Ladeira do Sacopã, no Rio de Janeiro, então capital do país. Logo se estabeleceu uma suspeita de triângulo amoroso envolvendo o oficial da Força Aérea Brasileira, Alberto Bandeira, que apresentara um álibi.

Com a notoriedade do crime, Leopoldo Heitor apresentou à imprensa um seu cliente que declarou ser amigo da vítima, que teria lhe dado uma carona, e dito que iria se encontrar com Bandeira.

Com este testemunho o militar foi condenado a quinze anos de prisão mas, em 1972, conseguiu provar sua inocência e que o "cliente" de Leopoldo Heitor era um farsante. Outro autor foi levantado, mais tarde, pelo então deputado Tenório Cavalcanti, em 1959, como sendo autor do crime, demonstrando a importância que o caso teve no país.

O advogado, entretanto, voltara às manchetes dois anos antes (1957), tendo sido acusado de peculato. Fugiu, com a esposa, para a Argentina, onde ficou até a revogação da sentença, em 1960. No ano seguinte foi acusado de ter matado a milionária tcheca Dana de Teffé, sua cliente, desaparecida em 28 de junho de 1961.

Heitor declarou que levava Dana do Rio de Janeiro para São Paulo quando ambos sofreram um assalto e ela teria sido sequestrada. Leopoldo Heitor foi julgado quatro vezes. Passou 9 anos na prisão, até ser absolvido por júri popular. O corpo de Dana de Teffé nunca foi encontrado.

SOBRE O CASO DO EX-GOLEIRO DO FLAMENGO BRUNO FERNANDES DAS DORES DE SOUZA (BRUNO)

Trata-se de um crime bárbaro, hediondo e, ao contrário do que costuma se pensar no senso comum, juridicamente, crime hediondo NÃO É APENAS o crime praticado com extrema violência e com requintes de crueldade e sem nenhum senso de compaixão ou misericórdia por parte de seus autores, mas sim um dos crimes que no Brasil se encontram expressamente previstos na Lei nº 8.072/1990.

Portanto, são crimes que o legislador entendeu merecerem maior reprovação por parte do Estado.

Os crimes hediondos, do ponto de vista da criminologia sociológica, são os crimes que estão no topo da pirâmide de desvalorização axiológica criminal, devendo, portanto, ser entendidos como crimes mais graves, mais revoltantes, que causam maior aversão à coletividade.

Ora, a mídia está tão empolgada com esse crime a ponto de se precipitar às ilações antes dos fatos serem comprovados pela justiça. Percebemos, por outro lado, que essa mesma força da grande imprensa esta deixando arrefecerem os ânimos de outros casos similares assim como o da advogada Mércia Nakashima assassinada de forma crudelíssima.

Não podemos esquecer que crime hediondo diz respeito ao delito cuja lesividade é acentuadamente expressiva, ou seja, crime de extremo potencial ofensivo, ao qual nós, operadores do direito, denominamos crime “de gravidade acentuada”.

Isso não quer dizer, todavia, que delegados, advogados e autoridades envolvidas nas investigações devam se emocionar a ponto de tecerem comentários, sob os holofotes da mídia, "mostrando serviço" com entrevistas bombásticas, opostas ao decoro, sem seguir os princípios basilares da lei, sobre o mérito do crime ou mesmo fazerem afirmações peremptórias como se isso fosse correto. É lamentável essa presteza dos delegados à imprensa como um todo.

Ora, delegado nenhum deve afirmar: “O caso está resolvido!”. Ora, ora, ora... Delegado NÃO DEVE expressar juízo de valor! NÃO DEVE se manifestar contra ou a favor de um ou mais suspeitos de um crime. Delegado NÃO DEVE SE ACHAR O DONO DA VERDADE!

O inquérito policial é um procedimento administrativo persecutório e inquisitivo instaurado pela autoridade policial que tem a finalidade de produzir um conjunto probatório para apurar a materialidade do crime e indícios de sua autoria e desta forma fundamentar a denúncia oferecida pelo Ministério Público ou pela queixa-crime oferecida pelo ofendido ou seu representante legal. Tem início com a "notitia criminis" em qualquer modalidade de ação penal.

Durante o procedimento do Inquérito Policial devem ser efetuados:

- o reconhecimento de pessoas e coisas;

- as acareações;

- o exame de corpo de delito nos casos em que o crime deixar vestígios;

- a reconstituição do crime ou reprodução simulada dos fatos, desde que ofenda a ordem pública e os bons costumes.

Ao final das investigações a autoridade policial deve lavrar um relatório com narração minuciosa e objetiva dos fatos, sem expressar qualquer juízo de valor, cuja peça deve ser remetida ao juiz, que pode determinar inclusive a instauração do incidente de insanidade mental.

Em regra, o inquérito deve ser encerrado em 30 dias a partir da sua instauração se o indiciado estiver solto e em 10 dias se o indiciado estiver preso.

Estes prazos são a regra geral, havendo, contudo algumas exceções, onde podemos apresentar:

a) Em relação aos crimes de competência da justiça federal o inquérito deve ser encerrado em 30 dias prorrogáveis uma vez se o réu estiver solto e em 15 dias prorrogáveis uma vez se o réu estiver preso (Lei nº 5.010, de 1966).

b) Os crimes contra a economia popular (lei n.º1.521, art.10, §1º) têm o prazo de 10 (dez) dias, estando o indiciado solto ou preso.

c) No que se refere aos crimes de tráfico de entorpecentes o inquérito deve ser encerrado em 30 dias quando o réu estiver preso ou 90 dias (Art. 51, da Lei nº 11.343, de 2006) se o réu estiver solto. Os prazos a que se refere este artigo podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária.

Contra o procedimento de inquérito policial cabe a propositura de habeas corpus.

Do ponto de vista semântico, o termo hediondo significa ato profundamente repugnante, imundo, horrendo, sórdido, ou seja, um ato indiscutivelmente nojento, segundo os padrões da moral vigente.

O crime hediondo é o crime que causa profunda e consensual repugnância por ofender, de forma acentuadamente grave, valores morais de indiscutível legitimidade, como o sentimento comum de piedade, de fraternidade, de solidariedade e de respeito à dignidade da pessoa humana. Tudo isso parece estar implícito no crime em que o atleta Bruno é, no mínimo, suspeito de ser coparticipe na trama.

Quero escrever algo sobre o assunto e enveredarei um pouco pela trilha do ensinamento para desmistificar diferenças entre termos que estão sendo utilizados pela mídia. Ora a imprensa fala em prisão temporária, ora fala em prisão preventiva e ora fala sobre prisão provisória.

Nesse interregno o espectador queda-se como "cego em tiroteio", isto é, perdido e sem compreender o termo correto a ser utilizado e quais as diferenças entre essas expressões.

A prisão provisória subdivide-se em: prisão preventiva e prisão temporária. Estas modalidades de prisão são praticamente iguais, ou seja, o aspecto fundamentalista necessário para ambas é o mesmo. Entretanto, a diferença principal é que preventiva pode ser requerida de ofício pelo Juiz ou por requerimento, ou representação e nela se investigar, e a temporária não pode ser requerida de ofício apenas por requerimento ou representação, e se prende para investigar.

Ambas as prisões (preventiva e temporária) são provisórias (antes de uma eventual condenação depois do devido e formal processo legal), cautelares e de natureza processual.

APÓS A CONCLUSÃO DO INQUÉRITO

A condenação criminal é a resultante de uma soma de certezas.

Certeza da materialidade (existência do delito) e certeza da autoria do imputado. A incerteza sobre quaisquer delas faz INCERTA a condenação.

A certeza da materialidade, contudo, é a mais rígida. Impõe-se "ab initio", já quando do juízo de delibação da denúncia. A da autoria, somente ao final da instrução processual, bastando, quando da exordial acusatória, apenas indícios idôneos.

A materialidade, o "corpus delicti", pode estar representada nos autos, a exemplo do laudo pericial que atesta a morte violenta na imputação por homicídio doloso, ou presentada, como é a hipótese da moeda falsa (art. 289 do CP), quando são juntados exemplares das cédulas, sem que isso permita prescindir de perícia técnica que ateste a falsidade das notas.

Na preciosa definição de João Mendes, o exame de corpo de delito "... é o conjunto de elementos sensíveis do fato criminoso..."

O caráter crucial do exame, embora excepcionalmente possa sê-lo indireto, testemunhal (art. 167 do CPP), sequer permite que seja suprido pela confissão (art. 158 do CPP).

Observação: Ver o que preestabelece o artigo 564, III, "b", do Código de Processo Penal. É de bom grado lembrar que esse mesmo artigo faz a ressalva do artigo 167 do CPP. Senão vejamos:

Art. 564 - A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

.

.

III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

.

.

b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167; (Grifo meu)

O corpo da ex-modelo Eliza Samudio NÃO FOI encontrado! No caso em comento, se o corpo NÃO FOR achado podemos dizer que houve um crime? Sim! Esse é o meu entendimento. Houve sequestro, cárcere privado, lesão corporal, tortura, homicídio (duvidoso). Nos crimes em comento houve qualificadoras. Exemplo: concurso de pessoas.

A defesa alegará exatamente a falta dessa materialidade para solicitar a nulidade processual e, dessa forma, tentar conseguir liberar os clientes acusados por meio de um "habeas corpus".

Ora, é só dar uma olhada no artigo 167, caput, do Código de Processo Penal e veremos:

"Art. 167, CPP, Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta."

VEJAMOS A JURISPRUDÊNCIA

Ausência Corpo de Delito – Materialidade

1 – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Decisão publicada em 12/06/2006).

HABEAS CORPUS Nº 51.364 – pe (2005/0210078-9)

RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ

IMPETRANTE: EVERALDO JOSÉ DA SILVA

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

PACIENTE: EVERALDO JOSÉ DA SILVA (PRESO)

EMENTA

HABEAS CORPUS PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE LATROCÍNIO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. ALEGAÇÃO DE DEMORA PELO TRIBUNAL A QUO NO PROCESSAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. INOCORRÊNCIA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO COM FUNDAMENTO NA AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DELITO.

1. O recurso especial interposto na origem está sendo regularmente processado pelo Tribunal a quo, aguardando, tão-somente, a apresentação das contra-razões ministeriais. Acrescente-se, ademais, que eventual demora não prejudica o cumprimento de mandado de prisão ou a execução provisória da pena, pois o apelo extremo é desprovido de efeito suspensivo.

2. A simples ausência de laudo de exame de corpo de delito da vítima não tem o condão de conduzir à conclusão de inexistência de provas da materialidade do crime, se nos autos existem outros meios de prova capazes de convencer o julgador quanto à efetiva ocorrência do delito, como se verifica na hipótese vertente.

3. Ordem denegada

VOTO

EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

A impetração não merece ser acolhida.

Inicialmente, quanto à alegada demora no processamento do recurso especial interposto pelo paciente, impende dizer que, consoante se observa da leitura dos dados processuais disponíveis no endereço eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, o apelo extremo vem sendo regularmente processado, encontrando-se, após o préstimo das informações ao Superior Tribunal de Justiça, concluso ao Ministério Público Estadual para a apresentação de contra-razões.

Acrescente-se, ademais, que eventual demora não representa constrangimento ilegal ao paciente pois a sua prisão é decorrente da confirmação, pela instância ordinária, de sua condenação, de modo que a interposição do recurso especial, a teor do art. 27, § 2.º, da Lei n.º 8.038/90, não acarreta a suspensão do cumprimento do mandado de prisão ou da execução provisória da pena, porquanto é desprovido de efeito suspensivo.

Concluindo, em relação à tese de que o paciente deve ser absolvido ante a inexistência de exame de corpo de delito que comprove a materialidade dos delitos, melhor sorte não assiste ao Impetrante.

Primeiramente, infere-se da sentença condenatória, juntada às fls. 06/14, que o magistrado fundamentadamente motivou o seu juízo de condenação, com amparo no conjunto probatório harmonioso colhido nos autos da ação penal, mormente pela confissão do acusado, rica em detalhes, e nos depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo. Ademais, tendo o acusado ocultado o cadáver da vítima, por óbvio, não havia como ser realizado o exame de corpo delito direto.

Neste sentido:

"Ementa: CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. AUSÊNCIA DE LAUDO COMPROBATÓRIO DA MATERIALIDADE. IRRELEVÂNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO DEMONSTRADA. ORDEM DENEGADA.

I. Havendo nos autos outros meios de provas capazes de levar ao convencimento do julgador, não há que se falar em nulidade processual por ausência do exame de corpo de delito.

II. A impetração não conseguiu ilidir a prova da materialidade nem os indícios de autoria, não restando evidenciada qualquer ausência de suporte probatório para o oferecimento da exordial acusatória.

III. O trancamento da ação penal, por falta de justa causa, só é possível quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses não verificadas no caso dos autos.

IV. Ordem denegada." HC n.º 39.778/ES, rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 30/05/2005)

"Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO. EXAME DE CORPO DE DELITO. PRESCINDÍVEL. EXISTÊNCIA DE

OUTROS MEIOS DE PROVAS. NULIDADE NÃO DEMONSTRADA.

1. A prova técnica não é exclusiva para poder atestar a materialidade das condutas. Havendo nos autos outros meios de provas capazes de levar ao convencimento do julgador, não há falar em nulidade processual por ausência do exame de corpo de delito. Precedentes.

2. Writ denegado." (HC n.º 36.309/RJ, de minha relatoria, DJ de 13/12/2004)

Segundo, porque, como bem asseverou o Ministério Público Federal, o acolhimento da tese de insuficiência de provas demandaria acurado exame e cotejo do conjunto probatório, o que, como é sabido, não se coaduna na célere via do habeas corpus. Ante o exposto, DENEGO a ordem ora postulada.

É como voto.

MINISTRA LAURITA VAZ

Relatora

2- SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Decisão publicada em 30/05/05).

HABEAS CORPUS Nº 39.778 – ES (2004/0166634-3)

RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP

IMPETRANTE: MAURICIO VASCONCELOS E OUTRO

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

PACIENTE: ALBERTO DOS SANTOS CEOLIN

EMENTA

CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. AUSÊNCIA DE LAUDO COMPROBATÓRIO DA MATERIALIDADE. IRRELEVÂNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO DEMONSTRADA. ORDEM DENEGADA.

I. Havendo nos autos outros meios de provas capazes de levar ao convencimento do julgador, não há falar em nulidade processual por ausência do exame de corpo de delito.

II. A impetração não conseguiu ilidir a prova da materialidade nem os indícios de autoria, não restando evidenciada qualquer ausência de suporte probatório para o oferecimento da exordial acusatória.

III. O trancamento da ação penal, por falta de justa causa, só é possível quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses não verificadas no caso dos autos.

IV. Ordem denegada.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator):

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de ALBERTO DOS SANTOS CEOLIN, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, que negou provimento a recurso em sentido estrito interposto pela defesa, mantendo a sentença de pronúncia proferida pelo Juiz monocrático, que determinou o julgamento do paciente pelo Tribunal do Júri da Comarca de Serra-ES.

Na presente impetração, pretende-se o trancamento da ação penal, sob o argumento de inexistência de justa causa para a denúncia, em vista da ausência de prova da materialidade delitiva e da não comprovação do resultado, faltando um dos elementos essenciais do tipo penal, já que ausente o imprescindível laudo cadavérico.

Alega-se, ainda, ser nulo o processo, pela ausência do exame do corpo de delito, conforme o disposto no art. 564, III, “b”, do Código de Processo Penal.

Não merece prosperar a irresignação.

No que tange à materialidade delitiva, a denúncia narra o seguinte:

“A prova da existência do crime está evidenciada com os laudos periciais anexos, tanto do veículo, quanto do apartamento e dos pertences da vítima, assim como o laudo pericial indireto de constatação de homicídio, contidos nos autos do inquérito policial que serve de base a presente denúncia.

A morte de Carlos Batista de Freitas está comprovada através do depoimento de Neli Soares Vulpe Filho, às fls. 753, que descreveu com detalhes, a execução e os atos posteriores, com o objetivo de apagar as marcas do crime, tais como o desaparecimento do corpo, que foi transportado no próprio automóvel da vítima, a destruição do veículo, com supressão dos sinais identificadores, apontando, ainda, com precisão o dia, o local e o nome dos executores, sendo tal depoimento corroborado por muitos outros elementos: o recado de um dos executores para que a vítima comparecesse na residência de um dos mandantes, no mesmo horário, envolvendo as pessoas apontadas no seu depoimento e o laudo pericial do veículo, onde constatou-se que o mesmo fora “depenado” e incendiado.

Outro depoimento que afasta toda e qualquer dúvida sobre a morte do Advogado Carlos Batista de Freitas é o da testemunha Maria Rodrigues de Novais, que informou, de forma segura, que sua filha, Cláudia Rodrigues de Novais, sabia inclusive o local onde o corpo da vítima havia sido sepultado, pois “Joãozinho”, que era seu concubino, havia contado-lhe tudo sobre a morte de Carlos Batista de Freitas e dos demais crimes envolvendo a quadrilha.

Destaca-se que, misteriosamente, Cláudia Rodrigues de Novais desapareceu, sendo comunicado à família da mesma a sua morte, mas até a presente data o seu corpo não foi encontrado.

Some-se a tudo isso, o fato de que as pessoas apontadas como os mandantes e executores de Carlos Batista de Freitas tinham interesse direto na sua morte, visando a apagar quaisquer dos vestígios dos outros crimes praticados pela quadrilha e pelo fato de o Advogado estar solicitando altas quantias em dinheiro para manter o seu silêncio.

Também para corroborar a morte do criminalista Carlos Batista de Freitas, basta uma leitura nos jornais e do noticiário da época do seu desaparecimento, em que as maiores autoridades de nosso Estado, incluindo-se o Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça, o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, vários advogados, policiais, todos unânimes em afirmar que Carlos Batista sabia demais e falava muito.

A certeza da morte de Carlos Batista de Freitas resulta, ainda, do fato de que com o seu desaparecimento, deixou intacto um razoável patrimônio, incluindo um apartamento no bairro Jardim da Penha, em Vitória, suas roupas, seu escritório, com biblioteca, saldo bancário, assim como o fato de não ter se comunicado com mais ninguém, já estando decretada, judicialmente, sua ausência e iniciados os procedimentos para o inventário dos bens que deixou.

Neste sentido os depoimentos de Neli Vulpe Soares Filho, Maria Rodrigues de Novais, Agnaldo Pereira Marques, dos irmãos e dos pais da Vítima tem o condão de estampar, de forma insofismável, a materialidade do crime, conforme evidenciado às fls. 7532005 e 2.814 respectivamente, em consonância com o que determina o art. 167, do Código de Processo Penal” (fls. 24/25).

A decisão de pronúncia, por sua vez, restou assim fundamentada quanto ao tema:

“A prova da existência do crime é indubitável, estando evidenciada com os laudos periciais anexos, tanto do veículo assim como do laudo pericial indireto da constatação de homicídio contidos nos autos de Inquérito Policial” (fl. 107).

Finalmente, o Tribunal a quo, ao julgar o recurso em sentido estrito interposto contra a sentença de pronúncia, analisou:

“Não há dúvida quanto à existência do crime, somados a este fator os indícios de que sejam os pronunciados agentes ativos na consumação do crime” (fl. 108).

Como se vê, a alegação de que “trata-se de crime material, que deixa vestígios (facti permanenti), sendo imprescindível o respectivo exame de corpo de delito” (fl. 5) não tem como prevalecer, diante da existência de outros elementos de prova.

Não há falar em nulidade processual, por ausência do exame de corpo de delito, se a impetração não conseguiu ilidir a prova da materialidade nem os indícios de autoria. Não restou evidenciada qualquer ausência de suporte probatório para o oferecimento da exordial acusatória.

Ademais, não se pode considerar a não localização do corpo da vítima como falta de um dos elementos essenciais do tipo penal, pois, se assim fosse, em todos os casos em que o autor praticasse, em concurso com o homicídio, a ocultação de cadáver, estaria impedida a configuração do próprio delito de homicídio.

Cabe consignar, ainda, que o entendimento desta Corte é no sentido de que a prova técnica não é exclusiva para atestar a materialidade do delito, de modo que a falta do exame de corpo de delito não importa em nulidade da sentença de pronúncia, se todo o conjunto probatório demonstra a existência do crime.

Nesse sentido, os seguintes precedentes:

"PROCESSUAL PENAL - HOMICÍDIO CULPOSO - EXAME DE CORPO DE DELITO - AUSÊNCIA DE LAUDO - NULIDADE - INOCORRÊNCIA - INTIMAÇÃO - RÉU QUE TEVE DEFENSOR DATIVO NOMEADO – INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO.

- Consoante entendimento jurisprudencial, o exame de corpo de delito direto pode ser suprido, quando desaparecidos os vestígios sensíveis da infração penal, por outros elementos de caráter probatório existentes nos autos (confissão, provas testemunhais etc).

- Inexiste constrangimento ilegal quando o réu tem defensor dativo nomeado, tendo este exercido a ampla defesa e o contraditório.

- Ordem denegada" (HC 24461Ministro JORGE SCARTEZZINI, DJ de 19.12.2003).

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. VÍCIOS NO INQUÉRITO. INÉRCIA DO CURADOR. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. INOCORRÊNCIA. DESAFORAMENTO. EXAME APROFUNDADO DE PROVAS.

I - Eventuais nulidades havidas durante a fase inquisitorial, meramente informativa, não têm o condão de contaminar a ação penal posteriormente instaurada.

II – O exame de corpo de delito direto pode ser suprido, quando desaparecidos os vestígios sensíveis da infração penal, por outros elementos de caráter probatório existentes nos autos, notadamente os de natureza testemunhal ou documental.

III – A inépcia da denúncia deve ser alegada antes da decisão de pronúncia. No caso, todavia, a par de ser a afirmação serôdia, a improcedência do reclamo é manifesta já que a imputação, objetiva, permite claramente a adequação típica, sem prejuízo para a defesa.

IV - Decisão de pronúncia que não padece do alegado excesso de linguagem, tendo o Juiz prolator apenas explicitado os motivos de seu convencimento, nos termos do art. 408, do CPP e do art. 93, IX, da Constituição Federal.

V - O habeas corpus não é o instrumento processual adequado para examinar pedido de desaforamento sob alegação de constrangimento sofrido pelos réus e pelas testemunhas, se necessária incursão aprofundada no acervo probatório dos autos principais.

Ordem denegada" (HC 23898Ministro FELIX FISCHER, DJ de 24.02.2003).

MINHA CONCLUSÃO

Como vimos é farta a jurisprudência no sentido de o exame de corpo de delito direto poder ser suprido, quando desaparecidos os vestígios sensíveis da infração penal, por outros elementos de caráter probatório existentes nos autos, notadamente os de natureza testemunhal ou documental.

No caso do ex-goleiro do Flamengo (Bruno) se a defesa e os acusados estiverem pensando que o sumiço do corpo de Eliza Samudio poderá livrá-los (os suspeitos) de uma pesada condenação estão "inocentemente" enganados!

Existe farta jurisprudência de casos em que mesmo não existindo provas da materialidade houve condenação. É claro que eventuais nulidades havidas durante a fase inquisitorial, meramente informativa, não têm o condão de contaminar a ação penal posteriormente instaurada.

Na fase inquisitorial (Inquérito Policial) os acusados poderão mentir, omitir ou mesmo ficarem em silêncio... Se esse for o entendimento de que será de melhor proveito para os indiciados, seguindo orientação da defesa.

O circo foi armado pela brutalidade graciosa da miséria humana e a sociedade, nesses casos, esquece as enchentes em determinados Estados da Federação, a corrupção generalizada e outras mazelas impostas pelo descaso do Poder Público.

A mídia faz questão de estampar as fotos dos indiciados algemados (sem necessidade), vestindo uniformes como se já tivessem sido condenados. Essa demonstração de força é abusiva! A isso chamo de "rufar tambores" pelo escárnio desnecessário, descabido e na contramão do Estado Democrático de Direito.

OBSERVAÇÃO SOBRE A UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS:

No intuito de refrear abusos relacionados com o emprego de algemas em pessoas presas, o Supremo Tribunal Federal – STF, em sua composição plenária, por unanimidade, em sessão realizada em 13/08/2008, editou a súmula vinculante n. 11, com o seguinte teor:

"Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

MOTIVOS PARA NÃO HAVER ABUSO NO USO DE ALGEMAS:

(a) em primeiro lugar porque esse abuso constitui crime; (b) em segundo lugar porque tudo isso decorre de uma das regras do princípio constitucional da presunção de inocência (regra de tratamento), contemplada no art. 5º, inc. LVII, da CF (ninguém pode ser tratado como culpado, senão depois do trânsito em julgado da sentença condenatória); (c) em terceiro lugar porque a dignidade humana é princípio cardeal do nosso Estado constitucional, democrático e garantista de Direito.

Esse excesso de propaganda é improcedente porque há uma lei adjetiva (processual) que é um acessório às normas substantivas (penais) que orientam a apuração dos fatos, isto é, definem os procedimentos que devem ser adotados pelos operadores do direito (Delegados, advogados, promotores, juízes) ao aplicarem o Direito no caso concreto.

Com o “rufar de tambores”, com ilações perversas, escracham os investigados e induzem para insuflar a sociedade ao ódio contra os envolvidos no escandaloso e provável homicídio quando seria muito mais fácil permitirem e aceitarem, sem alarde, a razão intrínseca da prisão provisória, que tem, por natureza, o princípio do devido processo legal.

Por fim, encontram-se na doutrina outros argumentos legitimadores da prisão provisória, tais como a garantia de se evitar que o imputado realize uma fuga, a necessidade de se fazer uma instrução criminal perfeita e eficaz colheita de provas, ou a proteção do imputado, preservando sua incolumidade contra possíveis represálias advindas do público que clama, em certas ocasiões, pela solução imediata dos crimes considerados hediondos.

O mais importante, entretanto, é que todas essas condições de legitimidade só podem ser consideradas válidas e aceitáveis quando respeitam a dignidade da pessoa. Não foi à- toa que se escreveu: "sendo parte principal do processo, tem o acusado o direito constitucional de ver sua culpa formada em prazo razoável" (p.101), ratificando o pensamento de BARBOSA (2000), pois "a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta" (p.31).

Complementando, deve a medida cautelar revestir-se sempre de caráter provisório, pois, por mais que esteja configurado claramente o "fumus boni iuris", sempre existirá a possibilidade de dano, havendo a probabilidade de que seja aplicada alguma modalidade de prisão provisória a uma pessoa inocente.

Eis assim a importância da provisoriedade, somada ao total respeito às diretrizes do princípio do devido processo legal.

Até mesmo na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 se proclamavam esses elementos, dipostos da seguinte maneira:

VII - Nenhum homem poderá ser acusado, sentenciado, nem preso se não for nos casos determinados pela lei e segundo as formas que ela tem prescrito. Os que solicitam, expedem, executam ou fazem executar ordens arbitrárias, devem ser castigados; mas todo cidadão chamado ou preso em virtude da lei deve obedecer no mesmo instante. (...)

IX - Todo homem deve ser julgado inocente até quando for declarado culpado; se é julgado indispensável detê-lo, qualquer rigor que não seja necessário para assegurar-se da sua pessoa deve ser severamente proibido por lei.

Não restam dúvidas que algo de muito ruim aconteceu com Eliza Silva Samudio. Certamente foi algo medonho, terrificante. Mas é necessária uma apuração dos fatos de forma criteriosa, sem a pirotecnia interesseira em promoções pessoais e sem o envolvimento do emocional pernicioso das autoridades que apuram a barbárie.

Todos os institutos jurídicos modernos somente possuem eficácia e legitimidade quando, em sua aplicação, são baseados nos princípios constitucionais que os regem e determinam seu funcionamento.

DWORKIN (1986) afirma que os "direitos são baseados no valor ou importância dos interesses que protegem" (p.189), e se os direitos são proclamados constitucionalmente, infere-se a necessidade de respeitá-los, pois provêm de um interesse magno, a dignidade da pessoa humana.

Assim, pode-se notar que, de acordo com a Constituição Federal Brasileira de 1988, as leis nacionais devem ser invocadas e utilizadas sempre dentro do paradigma do Estado Democrático de Direito, conforme determina o artigo 1º, caput, da Carta Magna.

Arremato este texto asseverando que sobre essa miséria humana e outras do porvir ainda há muito a ser escrito, visto, comentado, lamentado e, até ignorado, pelos homens que se dizem de boa-fé.

Tudo isso se repetirá, como um carrossel espúrio, quando o medo do escuro, na representação do desconhecido, bater à sua porta para lhe fazer um grande, tenebroso e, às vezes, irreversível mal em forma de injustiça, clava ou espada da lei.

Esse misto de dor e nostalgia que a todos causa desilusão e a mim frágua, é como uma espada de fogo que despedaça corações sangrentos e furam olhos inexpressivos e assombrados pelas mudanças repentinas de vidas jovens e promissoras.

É essa a miséria humana que se alimenta da dor alheia, da alegria, da esperança, do medo, da juventude, da saúde, da vida fausta, dos sorrisos ou do orgulho da glória do homem imperfeito, sujeito a erros.

Essa desilusão nefasta, extremamente cruel, apaga o brilho do herói admirado, outrora ovacionado com histeria, fazendo ressurgir do lodaçal fétido e torpe da devassidão o agora considerado monstro arrogante.

Eis que no momento o líder de outrora encontra-se abandonado, incrédulo, na solidão de sua repentina desgraça alicerçada pela miséria humana.