Tempos de Solidão

Diversas vezes ao buscar a agência do Banco do Brasil na avenida Kenedy, presenciamos a demonstração do exercício de cidadania protagonizado por uma senhora idosa que, segundo nosso julgamento, não conta com menos de oitenta anos de idade. Em que pese sua rudimentar técnica de vendas, ela cativa aos transeuntes pela simplicidade com que oferece os produtos que confecciona e vende. São pequenos retalhos de tecidos pintados, popularmente conhecidos com panos de prato. Lenta no agir, porém versátil no pensar, a vetusta senhora cobra apenas R$ 2,00 por cada unidade que oferece, valor esse que, por dedução lógica, deve cobrir apenas o custo do material utilizado. Mas, o que justifica a produção do presente artigo? Para os que nos lêm, diríamos que tomamos como referência o fiel propósito da anciã em manter-se digna. Como decorrência do que assistimos, cumpre-nos enfatizar o contraste assustador entre o velho e o novo que permeia nossa sociedade. O velho, representado neste caso, por aquela senhora que insiste em manter-se ativa, pintando pequenas flores nos recortes de tecido ralo, demonstrando, apesar dos anos, que é possível ainda, interagir com o meio social excludente e preconceituoso. O novo, sem perspectivas, talvez e representado por uma boa parcela da população, procura por onde caminham seus pés, o motivo fácil e imediato de saciar seus desejos de sócio de um sistema alienador, onde os preceitos básicos de uma cidadania plena lhe são negados ou não lhe são ensinados no seio familiar. Nessa luta insana pela sobrevivência, patrocinada pelas estruturas sociais, família, estado e igreja, esta última, representada por algumas delas, vendem por preço ínfimo, o maior líder da humanidade – Jesus Cristo, dando-nos a impressão de que a derrocada substituiu o progresso. Atuando de modo paralelo e não menos danoso, a família, esteio basilar da sociedade, dilacera-se e perde a referência, coadjuvada pela desastrosa ação protetora do estado, premiando o ócio.

Encantados e felizes por assistir a simplória demonstração de marketing pessoal, aventuramo-nos a perguntar à respeitável senhora, o que a levava a se expor às intempéries do tempo oferecendo os paninhos pintados? A resposta quedou-nos a pensar sobre o futuro dela e nosso. Lacônca, porém objetiva, a senhora nos respondeu: O trabalho que faço ajuda-me a combater a solidão de meu tempo.

Para muitos, talvez, o exemplo tenha pouco significado. Para alguns outros, poucos talvez, pode ensejar uma reflexão sobre o pouco que se faz e o muito que se tem a fazer quando chegarem os tempos de solidão, que em breve virão.

Rui Azevedo.

Aritog publicado no jornal Diário do Povo - Teresina-PI, em 11.07.10

Rui Azevedo
Enviado por Rui Azevedo em 12/07/2010
Código do texto: T2372700