Sobre a geração de filhos e crianças abandonadas

Há uma coisa que me deixa profundamente angustiado e irritado: ver qualquer um de meus filhos chorando por quaisquer razões.

Isso não quer dizer que eu não sinta o mesmo quando vejo outras crianças derramando lágrimas. E apesar de admirador dos amorosos conselhos de Jesus Cristo à feitura de um mundo melhor, não posso evitar também minha admiração pelas atitudes do falecido ator Charles Bronson quando a representar o detetive Paul Kersey e seu inevitável desejo de matar grandes representantes do Mal na Terra, como esses adultos que, por qualquer razão, espancam crianças, sejam os tais considerados “homens” ou mulheres.

Gosto de filmes de terror. Além de alguns sustos, tais filmes às vezes chegam a me causar o riso, e mesmo aqueles onde vemos intensos esguichos hemorrágicos ou as deformações causadas pelas porradas e dentadas que zumbis e vampiros proporcionam a suas vítimas. Gosto daqueles filmes porque sei que são obras de artes, produtos da imaginação que, graças ao talento de muitos artistas, criam mundos a parte em universos que, malgrado o hiperrealismo com que são produzidos, não passam de ficções. Mas não suporto assistir àquelas cenas de telejornais que nos mostram as crianças famintas da Etiópia, ou aquelas outras abandonadas a dormirem nas ruas das cidades brasileiras dopadas pelo crak, pela cola, pelo álcool e, menos ainda, saber de notícias sobre a violência contra crianças cometidas pelos adultos. Prefiro ver a cena de um zumbi num filme arrancando pedaços de sua vítima com dentadas a assistir a cena real de uma criança levando um cascudo.

Como recurso educativo, sou mesmo radicalmente contra meros tapinhas nas palmas das mãos de nossos bebês.

A despeito de que, por muitas razões, muitos infantes se tornam crianças e adolescentes perigosíssimos, também não gosto de ver elementos de nossa Polícia espancando pequenos infratores, atitudes injustas que não são apenas expressões de retaliações pelos crimes dos menores, mas a manifestação do desconto dos policiais por frustrações pessoais e coletivas.

Freud explica.

Embora, como para grandes comprovados monstros do crime, seja discutível o valor da defesa dos direitos humanos para certos menores monstrinhos infratores, expressa pelos que estruturaram a Declaração dos Direitos Humanos, o fato é que menores infratores são ainda crianças. Até que também mereçam o devido castigo por suas perversidades, todos tem direito a defesa de seus atos.

Mas este comentário não se propõe a examinar as razões da delinqüência juvenil ou apontar suas soluções. Neste pretendo incomodar as mulheres, e alguns "homens" - já que poucos são os que desejam ter filhos - em seu desejo de terem filhos e filhas, uma vez que considerável parte de nossas misérias vem em decorrência da falta de um maior controle da natalidade. Apesar de certa dose de responsabilidade impetrada aos homens a indevidas reproduções, a natalidade é mesmo um reflexo do problema da falta de superação feminina deste impulso animalesco-instintivo à maternidade num mundo onde milhares (e já talvez bilhões) de crianças se encontram abandonadas nas ruas e em orfanatos a espera de milagres.

Num texto pescado na Internet, escrito por Pablo Zevallos, ele explica que “o abandono de crianças sempre existiu e nenhuma medida adotada conseguiu resolver a situação. No Brasil, o abandono de bebês vem desde a era colonial, quando era comum encontrar bebês largados em ruas, becos e portas de casa ou em rios, mangues e no lixo. Havia a possibilidade de alguém recolher o neném e criar. Os três últimos configuram a eliminação das crianças. Os recém-nascidos jogados nas ruas corriam risco de ser devorados por cães e porcos que vagavam pela cidade”. Ainda segundo Pablo, “o abandono de bebês, muitas vezes, era para preservar a honra de moças de família” – imaginem! – “e a falta de recursos para criar mais um filho era motivo do abandono ou do infanticídio no período colonial. Quando as crianças nasciam com alguma deficiência também eram abandonadas. No Brasil, parece que assistimos às práticas de infanticídio do Brasil Colônia”, afirma ele para corroborar os baixos níveis de consciência em que nos encontramos ainda, apesar de todos os esforços ao desenvolvimento do acesso a informação e métodos de educação para o estabelecimento de nossa retardada condição de seres humanos.

Apesar de defender a adoção como uma forma de diminuir os níveis do abandono em nosso país e no mundo, devo dizer que não estou mais disposto a adotar uma criança. Depois de ter adotado meus cinco filhos – porque, como observei, são as mães que mais resolvem tê-los, enquanto os pais, biológicos ou não, apenas os adotam – estando três de meus filhos vivos e tendo eu também uma filha com Síndrome de Down, depois de ter cometido estes e outros erros, então, tenho esperanças de que meus filhos, entre uma infinidade de outros jovens, não sejam tão estúpidos quanto fui a pôr mais gente infeliz no mundo (uma esperança, todavia, pelo que me tem demonstrado a História, inútil).

Não que não ame meus três filhos e minha filha. Apesar de, aos olhos de suas mães, eu não ter demonstrado ser o pai ideal – embora em muitos momentos tenha demonstrado ser uma melhor mãe do que elas foram capazes de ser – é por amá-los que não gostaria de tê-los por aqui, me sentindo um tanto confortado por ter poupado de estar presentes outros tantos milhares de filhos e filhas que, segundo nosso potencial de fecundação, poderia eu ter ajudado a pôr neste mundo.

Segundo estatísticas, o Brasil tem mais de oito milhões de crianças abandonadas, e então vejo como expressão da insanidade, entre muitas outras, a atitude das mulheres que, por um capricho do instinto feminino (ainda mais forte que quaisquer tentativas racionais de superá-lo), se permitem engravidar.

Atualmente, por mais “bela” que possa ser considerada a maternidade – e por mais chocante que possa parecer tal afirmação vinda de um artista, em relação ao valor e aos métodos de reprodução e preservação da vida – sinto náuseas quando me deparo com uma mulher grávida.

Teve razão quem primeiro observou: “quem pensa (bem) não casa”, assim como também deixa de fazer filhos, entre uma série de outras tantas bobagens que, na atual conjuntura (um dia haverá outra), apenas tem contribuído para a multiplicação da concorrência desumana que fundamenta as atitudes daqueles que, sem pensar direito, desejam perpetuar este projeto até aqui fracassado de vida “humana” na Terra, quando o tal, ao que nos parece, a despeito de suas boas aparências, tem apenas feito proliferar a miséria, o sofrimento, a perpetuação de vidas fadadas ao abandono, ao desamor, a doenças e, na melhor das hipóteses, a morte prematura.