SOS inteligência (ou "Como manipular a solidariedade").

Decidi escrever este texto após ser abordado por um rapaz no Bairro do Guamá, periferia de Belém, que, demonstrando seriedade e boa fé, me perguntou se eu poderia ajudar as vítimas da tragédia de Santa Catarina doando algumas peças de roupa ou alimento não perecível. Indicou-me até um local, às proximidade de onde estávamos, onde funcionava um posto de coleta de dações.

Fui atencioso com o jovem, mas não pude deixar de perguntar "aos meus botões" como alguém que aparentava ter poucas posses materiais, num bairro humilde da capital marajoara - bastava olhar "para os lados" para perceber a miséria indisfarçável dos habitantes daquela área da cidade - estava sinceramente preocupado com as dificuldades dos nossos irmãos catarinenses, do outro lado do país, a ponto de encetar uma mobilização para socorrê-los.

Não pretendo desconsiderar o valor moral da ação desse rapaz, nem dizer que os nossos irmãos sulistas não precisam de ajuda para superar a inconteste dificuldade em que se encontram. Na reflexão filosófica não há lugar para bairrismos. Mas objetivo examinar alguns aspectos dessa fenomênica mobilização social em torno de uma idéia (a de solidariedade) que, como tudo que está ao alcance do ser humano, está sujeito a manipulações.

Desta feita, como não ser afetado pelos insistentes pedidos de ajuda proclamados pelos nossos mais ilustres arautos? Todos os veículos midiáticos nos chamam a atenção para esse acontecimento. Como ficar indiferente aos noticiários dos jornais que estampam, sem economia, imagens de pessoas que perderam tudo com a ação das intempéries? Do outro lado Rubens Barrichelo, Felipe Massa, Edu Guedes, Ana Maria Braga, Datena, Ronaldo Fenômeno, Angélica, xuxa, etc. Todos num uníssono canto nos chamam a atenção para esse estado de calamidade pública e conclamam uma mobilização em favor dos desabrigados. Estejamos no Guamá, no chiprocó ou onde o diabo perdeu o cachimbo, todos somos alcançados por esses insistentes pedidos que clamam pela nossa ação ante os fatos. E, pasmem, como um tiro de misericórdia em nossa insensibilidade, até um sujeito comum, que ganha um salário mínimo, doou, com cobertura em cadeia nacional de televisão, parte do seu salário para as vítimas da tragédia. Desta feita, como resistir a apelos tão convincentes de demonstração de amor ao próximo?

Mas como perguntar não ofende (ou não devia), gostaria de saber por que, até hoje, a mesma mídia não empreendeu esforço igual para nos mobilizar a ajudar as pessoas que ocupam o "lixão do Aurá", as vicinais da Transamazônica, dos interiores miseráveis do nosso pobre Estado ou mesmo das áreas periféricas à capital, "construídas" pela movimentação geográfica desordenada de milhares de seres humanos abandonados em solo paraense, após terem sido atraídos pelos "grandes projetos" desenvolvidos no nosso Estado em outrora, mas que "estranhamente" desapareceram, resultando apenas em grandes bolsões de pobreza? Se olharmos para os nossos lados veremos um estado de calamidade que não deixa nada a desejar ao que hoje afeta o Estado de Santa Catarina, porém com um importante diferencial: Não foi produzido pela Mãe Natureza ou Deus (em primeira instância), mas pela ação egoísta e irresponsável do próprio homem.

Parece que quando existem responsáveis humanos e, consequentemente, dividendos políticos a serem cobrados, a vontade de ajudar e de "provocar" a solidariedade da nação não se institui. A mesma mídia que alardeia preocupação com o próximo se acua como um animal ameaçado pela cumplicidade e dependência que possui do poder estatal. Nem mesmo torna público quanto o Governo gastou para que o presidente sobrevoasse, por três horas, a área do cataclismo. Ou quanto o governo gasta para manter as mordomias do próprio presidente, dos senadores, deputados, governadores, ministros, promotores, procuradores, desembargadores e de todos que compõem a cúpula do poder tupiquim durante um único mês do ano, o que, de certo, seria suficiente para reconstruir dez Santa Catarinas. Ao revés o que vemos toda uma sociedade mobilizada para angariar bens que, por outro lado, se esvai pelo ralo sem que alguém se interesse em falar sobre esses fatos com a mesma vivacidade.

Mas o que leva humildes cidadãos a coletarem algumas garrafas de água mineral para as recambiarem para o outro lado do país, quando o Governo do estado do Pará gasta R$35.000.00 (trinta e cinco mil reais) por mês para alugar uma sala no Hangar Centro de Convenções que ele próprio construiu gastando mais de R$100.000.000.00 (cem milhões de reais) e o "cedeu" para uma Organização Social administrar, sem licitação, e para mantê-lo, segundo o contrato de gestão, ainda repassa milhões de reais para o empreendimento?

E o que faz humildes cidadãos doarem parte dos seus miseráveis salários para a reconstrução de santa Catarina, quando o governo do Estado gastou mais de R$1.000.000.00 (um milhão de reais) na desastrosa operação "Paz nas Ruas", em pouco mais de dois meses, sem produzir - além de propaganda fantasiosa - qualquer resultado benéfico à segurança pública no Estado, principalmente no interior, onde tem município com apenas 01 PM para "policiar" a cidade toda; E ainda entrega de "mão beijada" a "mina de ouro" que é a administração do concurso da PM a uma empresa privada, sem licitação?

Sem contar com o que é adquirido também SEM LICITAÇÃO - que é regra para aquisição de bens e serviços no Estado do Pará - pelos diversos órgãos estatais (como o DETRAN), impossibilitando a salutar concorrência. Ou com o gasto para trazer a "marrom" para cantar para os "dedicados" servidores públicos, em suas homenagens, no dia alusivo aos mesmos.

Tudo isso ocorre porque o povo brasileiro é facilmente manipulado pelos instrumentos ideológicos do Estado, em especial os que integram os meios de comunicação em massa, não lhe permitindo ver um palmo além do nariz. Assim, em vez cobrar de quem de direito a solução dos graves problemas que o afeta, prefere demonstrar a sua índole cristã se orgulhando de agir, no lugar do outro, para o bem do próximo. Desta feita, em vez de solidariedade, demonstra estupidez e parvoíce, enquanto as autoridades, dos seus celestes abrigos, se riem.

Moral da história: A pior catástrofe não é que provém da natureza ou de Deus, mas a que é construída e preservada pela estupidez humana.,

walber wolgrand
Enviado por walber wolgrand em 25/07/2010
Código do texto: T2398801