O QUE OS FILHOS PRECISAM E QUEREM DOS PAIS

A exaustão pelo trabalho excessivo não é mera manifestação de auto-piedade, pois esta é que surge daquela. Quando nos sentimos exauridos por nosso esforço em trabalhar para adquirir é porque não vemos os frutos desse esforço, embora tenhamos adquirido muitos bens e os vejamos todos os dias. Porém, nossos filhos e familiares continuam nos exigindo, como se o que lhes damos não bastasse, parecendo-nos que entendem que somos de ferro. Ao contrário do que esperávamos, parece que eles não reconhecem o tanto que temos feito, apenas querendo mais e nos tratando com indiferença se não conseguimos dar conta desse mais, como se para eles não fôssemos mais do que meros provedores. Isso nos leva a estafa e exaustão, o tanto nos esforçarmos e não vermos o devido reconhecimento.

Contudo, o mesmo pensamento que nos levou voluntariamente a nos esforçar tanto para dar-lhes tudo e sentirmo-nos seus super-heróis é o que nos faz pensar que eles nos exigem mais. Por um lado, eles podem mesmo estar exigindo sempre mais, mas fomos nós que nutrimos essa cultura neles, inicialmente privando-os de nós para nos dedicarmos ao trabalho excessivo, pois em nossa mente queríamos nos mostrar a eles impecáveis por prover-lhes tudo o que nossos pais nos proveram ou queríamos que nos tivessem provido. Entretanto, embora provemos tanto, nossa consciência nos acusa de estar em dívida para com eles por nossa ausência. Então, em vez de lhes dedicarmos mais tempo, nos vimos obrigados a dar-lhes mais coisas com o fim de compensar-lhes essa falta. Eles, por sua vez, aprenderam que as coisas são assim mesmo e foram aceitando esse suborno, embora lhes parecesse tão pouco compensador. Foram aprendendo que o trabalho ao qual tanto nos dedicamos é mais importante para nós que eles e que nos dedicamos tanto assim a ele por ele nos traz satisfação. Eles, como nós, porém, não sabem que o trabalho não é nosso alvo, mas nossa felicidade pessoal é e ela, em nosso íntimo, está relacionada com nosso sentimento de poder, de segurança, de estabilidade e de garantir-lhes tudo, e eles, assim como o trabalho, nada mais são do que os pretextos ou os meios com os quais pensamos reafirmar esses sentimentos. Perdemos o sentido, pois a felicidade deles era o foco e ver sua felicidade nos produziria felicidade pessoal. Entretanto, elegemos os meios errados para produzir-lhes felicidade e produzimos-lhes insatisfação.

Fizemos assim porque pensávamos que nosso cônjuge e filhos poderiam se orgulhar de nosso esforço em favor deles, do tanto que conseguimos ganhar para eles, sentir orgulho e misericórdia de quem se martirizou em seu favor. Se o alvo do nosso esforço fosse verdadeiramente a satisfação dos filhos e da família (se sua satisfação fosse a causa de nossa satisfação), nos preocuparíamos em saber o que eles querem (o que precisam para alcançar o que querem) – a felicidade pessoal. Então não precisaríamos trabalhar tanto para compensar a falta de nossa presença e não teríamos que suportar nossa consciência a nos confundir que eles são insaciáveis, que nos requerem sempre mais. E, além do mais, eles não teriam desenvolvido essa cultura exploradora, porque eles só queriam jogar um futebolzinho com o pai, mesmo que fosse com uma bola de fronha cheia de capim, porque não lhes era importante os meios, mais sim os fins; eles só queriam participar de uma conversa com a mãe, o que poderiam fazer sem grandes dispêndios. Se tivéssemos prestado atenção nisso, se tivéssemos nos lembrado de que uma canoa de coqueiro para escorregarmos na grama era tudo quando éramos pequenos, que o escorregar era mais importante que a canoa, pelo que também escorregávamos sobre papelão, teríamos vivido com nossas famílias uma vida mais simples, mas todos seriam felizes e não teríamos desenvolvido essa auto-piedade exacerbada capaz de nos fazer olhar agora ainda mais para dentro de nós e esquecermos que nossos filhos passaram a existir por conseqüência de nossa busca por prazer e felicidade, sendo por isto a razão para continuarmos existindo.

Quando o pai ou mãe vai ao álcool, às drogas e ao suicido com o pretexto de não conseguir dar o melhor ou o mínimo para seus filhos pequenos é porque sua piedade por si mesmo ultrapassou em muito a piedade que ele tem por eles. Perdeu o sentido, a verdadeira razão de ser de lutar, de ir atrás, do trabalho, do dinheiro e dos bens. Esqueceu o significado pelo qual lutava e o pessimismo o derrotou. Se um pai ou mãe terminam no mesmo fundo de posso porque seus filhos embora adultos lhe exigem tudo ou muito mais do que pode prover, é porque deu-lhes muito mais do que precisavam, negando-lhes o que realmente precisavam, sua atenção, e eles se tronaram dependentes desse círculo vicioso.

Se dermos muitos aparatos para nossos filhos, os ensinaremos a depender de nós, bem como de muitas coisas para cumprirem seus compromissos, divertirem-se e terem felicidade. Ao contrário, devemos ensinar-lhes a cumprir suas tarefas, resolver seus problemas e produzir a própria felicidade com o mínimo, pois assim nem uma carência os impedirá de realizarem-se e serem felizes. Se fizermos da outra maneira, eles se tornarão impotentes diante da menor carência, o menor empecilho os impedirá e qualquer fracasso os fará derrotados, tornando-se inaptos e sem utilidade para si mesmos. Entretanto, nossos filhos têm potenciais e força como nós, não sendo em nada inferiores, querendo ser desafiados e podendo lutar contra qualquer adversidade se lhes dermos os subsídios adequados. O que precisam é de ensino, motivação e coragem; precisam acreditar que podem. Se tiverem isso, os meios eles mesmos produzirão. Se lhes ensinarmos a tirar o melhor do mínimo, com poucas varas eles farão jangadas e nada os impedirá de produzirem muita pesca.

Wilson do Amaral