Intolerância na Avenida Paulista

Jovens de classe média, estudantes de escolas particulares em São Paulo, agridem gratuitamente transeuntes no cartão postal de São Paulo- Avenida Paulista- ironicamente concebida como pólo multicultural, espaço da pluralidade e bolsa de negócios, construída, remodelada e vigiada constantemente na sua forma, cor, paisagem e expressão.

Os preconceitos que ainda existem no país, frutos de um câncer arraigado durante séculos de hegemonia aristocrática, revelam um país que ainda não conseguiu traduzir as leis sobre os crimes de preconceitos de forma clara, nem tampouco, conseguiram responsabilizar os pais de uma determinada classe social, sobre as leis da educação.

Ora, leis são leis e são claras como água! Infelizmente, muitos ainda tem os olhos turvos, enevoados pelo vinho caro, pelo whisky importado, pela venda obscura nos mesmos olhos de uma elite classista e preconceituosa, que nem sequer se debruçou sobre os preceitos de respeito humano, de amor ao próximo e da conduta aos praticantes da humildade.

Dizer que não criaram os filhos para isto enaltece uma desgraçada demagogia. Porque criar, não é sustentar com as possibilidades fáceis, estabelecidas, passadas de geração em geração e que provém desde o tênnis de marca, até a viagem à Europa para conhecer novas culturas. É hilário pessoas pensarem em conhecer novas culturas, quando não sabem o que isto significa.

Criar significa educar para a vida social, estabelecendo métodos que assegurem o respeito ao outro, aos seus valores, suas crenças, e sua identidade; criar significa garantir que o valor do ser humano está em seus pensamentos, na sua postura reta, na sua busca pela verdade, na sua forma de fazer a diferença benéfica no mundo.

Esta notícia que circulou em muitos jornais do país na semana passada deveria mostrar, nas entrelinhas, que o poder emana do povo, dos oprimidos, dos dominados pelo poder estabelecido. O poder estabelecido, mascarado pelas caras limpas, peles macias, cabelos tratados e vestimentas despojadas, que tentam, inutilmente, transmitir verdade em suas intenções é execrável. Esquecem-se, porém, que seus olhos são turvos e transmitem toda a ignorância, maldade, baixeza e condição vil que algumas almas ainda espelham.

Por sorte, os olhos eletrônicos e os olhos carnais do terceiro setor estavam ligados, e por ironia, os mocinhos situados no cartão postal de São Paulo, vigiados e monitorados para não serem vítimas de crimes cometidos pela sociedade oprimida, também não enxergaram isto. E este estado de cegueira apropriada, descomedida, irresponsável daqueles jovens se deparou com o paradoxo. Talvez isto também seja algo que não conseguiriam entender.

Espero que todos abram bem os olhos na Fundação Casa, ou atrás das grades opressoras, e que comecem a aprender, de fato, o valor da vida. Aprender pela observação crítica da alma humana, dos desenlaces dramáticos de famílias desestruturadas e que sempre viveram à beira do abismo social. Espero que suas roupas fiquem surradas, seus tênis furados e que suas viagens à Europa sejam adiadas. Para quê tudo isto? Para se reconstruírem a partir das próprias experiências vividas de forma nua e crua. E para, num ímpeto de contato com as verdades supremas, se tornarem agentes de educação de uma classe, que se acha muito velha e superior para aceitar o novo.

Pena que na verdade eles, os classistas, detentores do poder talvez nem sejam tão velhos e superiores, e podem, facilmente, com os seus olhos enevoados, deixar de reconhecer sua própria prole malévola. E a todos, na condição de traidores dos seus próprios ideais e parceiros de condição social desprivilegiada, e que tentam pegar carona na calda de um cometa errante de uma classe hipócrita, fica o recado para nunca deixarem de beber da água cristalina da verdade.

Antonio Marques de O Santos
Enviado por Antonio Marques de O Santos em 24/11/2010
Reeditado em 07/12/2010
Código do texto: T2633494
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