Atrás das Causas

Nessa situação de quase guerra urbana no Rio de Janeiro não podemos deixar de aplaudir a resposta das autoridades na conjugação das ações a cargo das Polícias Civil e Militar com o apoio oferecido pelas Forças Armadas.

No entanto, como o próprio Secretário de Segurança Pública do Rio advertiu na sua entrevista de ontem, na rede de rádio e TV, as ações atuais de repressão focalizam os efeitos e não as causas de toda essa questão.

É antigo o problema do tóxico no Rio, como de resto no país ou no mundo. Mas por que em nossa cidade ele atingiu as proporções alarmantes de hoje?

Proibida pelas autoridades, com exceção do álcool, sempre vendido sem quaisquer restrições, a compra e venda de drogas, no início, se realizava sem o apoio ostensivo de armas. Não se pode negar que esse tipo de comercialização (e o consequente uso da droga) reveste-se de certo fascínio – por isso mesmo tornando-se atraente, sobretudo aos jovens – na razão direta da sua proibição.

Os diferentes segmentos da sociedade cresceram com o aumento populacional. Cresceram a população estudantil, a força de trabalho ativo, a população dos excluídos e sem emprego, a população carcerária, a das forças policiais, a que corresponde ao número de políticos, etc. Até a população dos ricos aumentou, é claro que numa proporção extremamente menor em relação à dos pobres. E, sem dúvida, a população dos usuários de drogas também, na qual pode estar inserida qualquer pessoa oriunda dos diferentes segmentos sociais. Com isso o comércio de drogas tornou-se bastante lucrativo. E parte desse lucro, tendo em vista as proibições estabelecidas, ficou à mercê do interesse de setores das forças públicas encarregados da repressão a esse tipo de comércio. É o que decorre, em geral, do estabelecimento de regras proibitivas para isso ou aquilo. Não que elas não devam existir. Mas como a sua aplicação pode favorecer a conivência entre os infratores e os que estão encarregados de aplicá-las, deveríamos ser mais criteriosos nos estabelecimento de tais medidas. Não nos devemos esquecer da Lei Seca, que transformou, nas décadas de 20 e 30, a cidade de Chicago, USA, num reduto do gangsterismo e suas práticas mafiosas, basicamente a partir da proibição do comércio de bebidas alcoólicas.

A interface ou interação do que conhecemos como “banda podre” da polícia, conforme material fartamente divulgado pela mídia, e as organizações criminosas proporcionou a escalada vertiginosa do crime organizado com que nos defrontamos nos dias de hoje.

As chamadas “áreas conflagradas a serem tomadas pelas forças estaduais” são espaços onde, ao longo de décadas, tem sido notória a ausência do Estado e seus serviços direcionados ao público. São áreas habitadas em grande parte por pessoas praticamente marginalizadas pela sociedade ou em estado de exclusão ou semi-exclusão social. De um modo geral, configura-se numa exceção o fato de um favelado conseguir uma formação universitária ou altos índices de aproveitamento em modalidades de atletismo ou mesmo uma colocação na rede bancária. Na medida em que se encontram expostos diuturnamente a situações de violência e injustiça social, provocadas pela ausência de serviços públicos, por ações hostis e deseducadas da polícia e agora até da milícia (sendo a milícia composta, em grande parte, por ex-policiais ou policiais ativos, por agentes penitenciários ou por militares do Corpo de Bombeiros – todos servidores públicos).

O favelado é então, muitas vezes, refém da Polícia Civil, da Polícia Militar, da milícia e da falência do poder público na área onde reside. Essa circunstância facilita o recrutamento de jovens destinados a integrar os contingentes do tráfico.

Por outro lado – e o povo e os traficantes sabem disso – como chegam até aos criminosos os pesados carregamentos de droga e a quantidade expressiva de armamento sofisticado e moderno de que dispõem se tais produtos não são produzidos ou fabricados no Rio? Por menor que seja a nossa inteligência, ou por maior que sejam os nossos esforços no sentido de pensarmos o contrário, não deixaremos de suspeitar de um nível mínimo de conivência entre setores do poder civil estabelecido e os responsáveis pelas facções criminosas que nos amedrontam.

No combate à criminalidade e às ações violentas vinculadas ao tráfico de drogas, tão importante quanto a educação, à distribuição de renda, ao transporte, etc., é a erradicação da corrupção ou da conivência de setores da autoridade civil e/ou militar com o chamado crime organizado. Esse aspecto não deve ser negligenciado se se deseja efetivamente que a sociedade civil tenha mais êxitos que fracassos em sua luta contra o crime.

A cidade sente-se aliviada com a resposta das autoridades ante a desfaçatez e ousadia com que os criminosos procuram atingir a ordem estabelecida.

Mas é bom lembrar que a sociedade civil continua sendo punida com o sistema de transportes, baseado no modal rodoviário, que leva o cidadão a gastar às vezes quatro horas para ir da casa ao trabalho; é punida com hospitais públicos totalmente desaparelhados e sem condições mínimas de proporcionar um atendimento satisfatório; é punida com estabelecimentos públicos onde o ensino, no passado considerado como de referência, é hoje precário ou ineficiente; é punida com uma inexpressiva oferta de empregos, tornando sempre mais dificultosa a absorção da parcela considerável de jovens residentes em favelas; etc.

Vamos continuar aplaudindo o Sr. Secretário de Segurança quando ele defende essas ações de repressão. A sociedade esperava por esse tipo de resposta. Mas também o aplaudimos quando ele diz que não menos importantes são as ações estruturais de prevenção. E no conjunto dessas ações preventivas consideramos fundamental a erradicação da corrupção ou a sua redução ao menor nível possível. Para que o povo acredite de fato no poder público e o bandido aprenda a respeitá-lo.

Rio, 26/11/2010

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 26/11/2010
Código do texto: T2638984
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