O QUE HÁ EM COMUM ENTRE O JORNALISMO E O MILITARISMO NO BRASIL?

A indagação contida no título deste artigo pode gerar polêmica já à primeira vista. E não é para menos: jornalismo e militarismo, no Brasil, em princípio, nada têm em comum. Exceção para alguns profissionais e/ou empresas de jornalismo que apoiaram a ditadura militar instalada no país no período de 1964 a 1985.

A proposta deste texto, entretanto, é discutir um conflito que vem se estabelecendo no seio de um segmento profissional que tende a se dividir em dois segmentos antagônicos: jornalistas formados e jornalistas provisionados, ou seja, jornalistas com diplomas e jornalistas sem diplomas de formação acadêmica na área. Utilizamos, então, conflitos típicos do meio militar em comparação aos conflitos existentes entre os jornalistas.

No que se refere a conflitos, lembramos que Karl Marx disse que a história da humanidade, em qualquer tempo, sempre se fez através do conflito de classe: de um lado uma classe dominante lutando para preservar a sua condição e de outro a classe dominada reagindo para sair da condição de oprimida. Marx fala de conflitos estabelecidos a partir de uma relação de poder entre classes sociais e aqui falamos de algo semelhante dentro de um segmento profissional. Mas o que teria esse conflito a ver com militarismo?

Analisemos a seguinte questão: o militarismo se estrutura sobre relações de poder instituídas verticalmente, sob a égide da disciplina e da hierarquia. Essas relações são tão rigorosas que perpassam os limites das lidas profissionais, ou seja, um superior hierárquico, na prática, passa a agir como se fosse superior ao seu subalterno em todos os sentidos. Esse rigor hierárquico gera um outro escalonamento hierárquico extraoficial entre grupos com funções consideradas de maior e de menor importância, respectivamente. Tal escalonamento pode ser percebido nas denominações dos grupos considerados de maior importância (elite) e os de menor importância (comuns), por exemplo “PQD” (paraquedista) em oposição a “pé preto” (militar que não é paraquedista), “cursado” (policial militar de “grupamento de elite” do Rio de Janeiro) e “pé-de-cão” (policial militar de outros grupamentos), “faca-na-boca” (policial militar de “grupamento de elite” em Minas Gerais e outros Estados) e “pé-de-poste” (policial militar de outros grupamentos), etc.

Há uma outra situação, entre os militares que se assemelha muito aos conflitos dos jornalistas. Da mesma forma que os jornalistas provisionados são discriminados pelos jornalistas formados, os militares que são beneficiados com acesso a promoções ou cursos internos que geram promoções (com base na experiência profissional adquirida no dia-a-dia) são também discriminados pelos colegas que fizeram esses cursos mediante um concurso.

Assim, um tenente que fez um curso de oficial destinado apenas a sargentos e subtenentes com vários anos de serviço, sempre será tratado, extraoficialmente, como um intruso no ciclo dos oficiais; um sargento cuja promoção se deu através de um benefício que lhe permitiu o ingresso num curso por sua experiência profissional, também é tratado com discriminação em relação aos que chegaram à promoção após concluírem um curso a que tiveram acesso por concurso interno.

Uma expressão muito usada no meio castrense para denominar os militares (ou policiais militares) que são promovidos através do aproveitamento da sua experiência profissional é “tijolão”, analogia aos adobes, tijolos grandes artesanais, utilizados especialmente no meio rural, fabricados sem os recursos técnicos dos produzidos em fábricas especializadas (cerâmicas). “Tijolão”, neste caso, é sinônimo de algo mal acabado, de má qualidade, incompleto. Mas, qual a semelhança com o jornalismo?

Os jornalistas provisionados, ou seja, jornalistas que não têm formação em comunicação social, com habilitação em jornalismo, mas que são autorizados pelo poder público a exercer a profissão em virtude de experiência adquirida na área, sempre foram discriminados pelos jornalistas formados. Atualmente a Federação Nacional dos Jornalistas orienta os sindicatos de jornalistas a ela filiados, dentre eles o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, a não aceitarem a filiação de jornalistas que não são formados na área, mesmo que este tenha registro no Ministério do Trabalho e Emprego como jornalista profissional e, consequentemente, esteja autorizado a exercer a profissão.

Mas por que existem essas discriminações? Acreditamos que, no caso dos militares, seja o ranço autoritário e o estímulo à vaidade pessoal dos atores envolvidos, que o próprio sistema desenvolve ao difundir, de forma subliminar, a ideia de que umas pessoas são superiores a outras. Quanto à situação semelhante existente no jornalismo, acreditamos que além da cultura do autoritarismo e da vaidade pessoal, tal qual nos militares, existem outros fatores, dentre eles os interesses econômicos das faculdades privadas de jornalismo.

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