Os desafios da segurança pública

Wilson Correia

"A primeira igualdade é a justiça" (Victor Hugo).

Participei ontem do debate ocorrido no espaço da Câmara de Vereadores de Amargosa sobre a questão da segurança pública. O que motivou o evento, que teve lugar depois de uma caminhada pelas ruas da cidade, é a sensação de insegurança da comunidade local. A interiorização de práticas que afrontam o estado democrático de direito alcança os amargosenses e, por isso, a sociedade civil promoveu o encontro de ontem à noite entre autoridades constituídas e a comunidade.

Qual foi o objetivo do debate, comunicado pela organização da reunião? Pelo que ouvi, foi o de ampliar o conceito sobre o que seja segurança pública. De fato, penso que enfrentar problemas ligados ao assunto implica encarar diversos desafios, entre eles: abuso do poder econômico e político, aumento da criminalidade, baixo investimento do estado na manutenção qualificada do sistema que deveria manter a segurança pública, corrupção policial e em todas as esferas do poder público, destruição do espaço público, ineficiência das práticas investigativas e periciais, internação deficitária de jovens em conflito com a lei, malogro das tentativas de prevenção, morosidade institucional dos poderes executivo, legislativo e judiciário, problemas relacionados à administração da justiça, superpopulação nos presídios, rebeliões e fugas de grandes presídios e, por fim, a violência policial, entre outros. Direta ou indiretamente, esses problemas estão por trás da onda de violência que assusta Amargosa, sem falar no crime organizado, o qual, entre outras coisas, patrocina o gigantesco mercado das drogas e de tudo o que de ruim a elas está relacionado.

O que o debate de ontem me pareceu evidenciar é que há, basicamente, duas formas de lidar com essas questões: uma, pela via repressiva; outra, pela via da implementação de políticas públicas afetas à segurança pública e que visariam à busca da justiça social. O primeiro caminho, repressivo, realiza-se pelo trabalho de nossos aparatos policiais, os quais operam em nome do monopólio da força coativa que o estado desfruta nas democracias modernas. É o chamado “poder de polícia”, compartilhado por diversas instituições. Se a questão da segurança pública se resolvesse apenas nessa dimensão, bastaria incrementar o poder de polícia do estado e tudo estaria resolvido.

O raciocínio anterior leva, então, à ideia de que faz boa segurança pública aquela sociedade que prima pelo zelo da justiça social. Nesse aspecto, como parece notório, aqueles desafios elencados anteriormente se potencializam de maneira assustadora. No Brasil, a necessidade de manutenção de um estado hobbesiano, afeito à repressão, parece derivar dessa busca por manutenção de uma sociedade estruturalmente autoritária, social e economicamente injusta, culturalmente preconceituosa e antropologicamente obtusa pelo fato de não fazer face ao que se compreende como dignidade humana. Aí, então, o círculo vicioso se complementa e, no que parece se referir ao estado, a repressão pura e simples vem a calhar como a melhor solução. Prender e matar parece a solução menos trabalhosa do que incluir a maior parte da sociedade em práticas de elaboração de contratos sociais em que todos pudessem viver o sentimento de pertença à comunidade.

Honestamente, não creio em soluções consistentes para os nossos problemas de segurança pública que não aliem o poder de polícia a políticas públicas voltadas para a instauração das condições para a vivência da cidadania. Cidadania, a meu ver, passa longe de nós quando não possibilitamos a participação na produção e na apropriação de bens materiais, sociais e culturais à comunidade e de maneira a universalizar a justiça social. Essa tarefa de incluir é a mesma que leva à sensação de se sentir responsável porque partícipe do protagonismo social. Sem a inclusão nessa acepção, fica complicado exigir das partes excluídas da comunidade a participação em um contrato social do qual elas não foram autoras. Aliás, isso (autoria social do contrato a ser socialmente vivido) deveria ser considerado básico em uma sociedade democrática, igual a que estamos tentando construir.