RONDÔNIA
1998.
 
 
   Aqui se fala muito da MANUTENÇÃO CACAUEIRA, é promissor o seu plantio, uma cultura de retorno certo. O mundo consome chocolate sem parar! A vassoura-de-bruxa já se instalou por aqui vinda de Ilhéus (Jorge Amado explicaria melhor), porém o governo promete fornecer aos interessados, condições para que se dê continuidade à cultura do cacau. Há técnicos de plantio e manejo. Técnicos à disposição dos agricultores para esclarecimentos e ensino de novas técnicas. O cacau aqui plantado precisa ser reformado; é preciso banir a praga instalada em milhões de pés infectados! O dinheiro para isso já saiu de Brasília e ano que vem é de eleições...
   O café oscila, mas aqui há sempre mercado. Cerealistas em seus galpões de tábuas compram a produção e a revende para o sul. Café ainda é a grande paixão nacional (ousaram absurdamente chamar uma marca de cerveja com sendo a tal!!). Nas linhas vicinais vê-se no mínimo 1000 pés plantados por propriedade de 24 alqueires ou sítios, como chamam por aqui. Os travessões estão “infestados” desse fruto. Senti no mês de agosto o agradável cheiro de suas flores; nas “águas” (período das chuvas), veremos sacos e mais sacos secando, sendo beneficiados e transportados pelas vicinais em meio a grandes atoleiros, puxados por caminhões “aflitos”, pneus acorrentados, correndo todos contra o tempo.
   Existem poucos conterrâneos meus por aqui. Alguns fluminenses e raríssimos cariocas. A vida na metrópole é estressante. Deve ser porque aqui a terra precisa ser domada e o homem precisa ser bruto; meus cariocas contemporâneos já estão domados há anos. Talvez seja esse um dos motivos que desmotivam a vinda deles para cá. Eu vim por “aventura cultural”, turista acidental. Os cariocas, amantes da praia, do luxo e das facilidades num lugar desprovido de assistência em vários setores vitais e em desenvolvimento ainda, dificilmente se adaptariam. Portanto, ó cariocas, fiquem por aí mesmo!
   Aqui vi paranaenses em demasia, vivendo as mesmas ocupações que viviam no sul brasileiro, com a diferença do clima apenas. Nativos, os índios, diria ser 5% da população sendo otimista em assim percentuar. No Paraná, esse povo lutava contra a brutalidade da terra e aqui viveram no começo iguais e piores pedaços, porém em extensões ainda maiores de terra. Gaúchos vieram no vácuo e trouxeram o chimarrão que hoje se vê consumido na porta dos “bolichos” (bares) e nas varandas de suas casas até por capixabas e cearenses. Norte do Espírito Santo, Vale do Rio Doce e sul da Bahia também se transferiram para Rondônia num grande êxodo iniciado nos fins dos anos 70. Misturaram-se paladares e sotaques, construíram uma BR (Cuiabá - Porto Velho) e, consecutivamente várias cidades se projetaram em sua extensão no estado. O INCRA cedeu terra aos pioneiros, sítios nos diversos projetos e num outro plano, “datas” (terrenos), criando-se assim as cidades. Hoje quem chega paga aluguel ou invade terras com o MST. Para fazer valer o sangue heróico dos que construíram Rio e São Paulo e tradição de retirantes exímios, vieram também grandes levas de nordestinos aos garimpos do Rio Madeira e outros leitos. Fico observando essa mistura e tento agora relatar as cores e imagens dessa miscigenação.
   Daqui poucas décadas, ou mesmo poucos anos, quem aqui vier, encontrará um grande número de RONDONIENSES, porém filhos e netos de outros estados. Cariocas, no entanto acho, serão sempre um ínfimo percentual. Têm horas que me batem saudades da maresia e do espírito falador, alegre e cativante de meus conterrâneos que contrasta bem do semblante trancado de meus vizinhos. Acho que a poeira, o sol intenso e os mosquitos em nuvens amargam um pouco a vida desses meus vizinhos.
   A distribuição de terras, abertura de projetos, estradas e a grande movimentação pelas rodoviárias e feiras vêm cessando paulatinamente, o povo vem se assentando. Tudo precisa de um tempo útil, agitado, para depois se acalmar. Me parece que de agora em diante esse estado crescerá mais normalmente, não descartando a hipótese do surgimento de um novo êxodo devido à algum outro grande garimpo ou projeto governamental. O Rondônia atual chama-se Tocantins... O que aconteceu aqui nos anos 80, acontece agora no estado do Tocantins.
   Aqui já se vê o computador nos escritórios, Banco do Brasil não é mais de madeira, é de alvenaria, ônibus modernos, telefonia celular e quase todos os problemas de uma cidade do sul. Usinas hidrelétricas em lugar de motores geradores, garimpos fechando, índios cursando universidade, enfim, o começo controlado. A malária (maleita) não ameaça mais matar como antes, quando abriam-se as matas virgens. Febre amarela então... pouquíssimos casos. A devastação tende a separar Rondônia da região amazônica, ficando uma única ligação provável: os rios, que dificilmente mudarão seus leitos!
   Vê-se um horizonte muito longe devido a falta de elevações e morros; uma grande bacia de água doce. Nelores nas grandes fazendas. Rodeios e vida profundamente rural pelos mais distantes lugarejos. Coqueiros e palmitos se espalham por todo o canto. Planta-se muito arroz e feijão nas áreas recentemente desmatadas. Nas queimadas (existe a ocasião anual das tais) o ar esquenta mais ainda e a tarde o dia vira um entardecer temporão. Queima-se muita embaúba. Mogno, peroba e maçaranduba já foram a muito para as serrarias. Como há serraria por aqui...
   Enquanto Parati-RJ exibe suas casas centenárias, e/ou outras cidades do sul em seus espaços históricos, por aqui se vê casas no entorno da sede do INCRA, casas de tábua, varandas iguais, uma após outra com filó verde nas janelas. Os “antigos” moradores residem aqui há 20, 25 anos. Cascavel e Andorinha trouxeram esses sonhadores em viagens que chegaram a durar entre 15 e 30 dias em estradas de puro atoleiro. Vieram com pouca bagagem e o sonho de uma vida melhor num futuro próximo. Foram se instalando em casas de tocos cobertas de tabuínhas, derrubando as matas da proximidade das casas e dormindo em redes. Onças e cobras dos mais diversos tamanhos lhes foram fiéis companhias. Primeiro abriram-se as “picadas” (caminhos), depois as “linhas” (estradas vicinais) e hoje as principais delas já estão asfaltadas.
   Aldeias sobreviveram distantes da BR, são muitas ainda. Os índios viajam as cidades com passagens requisitadas e liberadas pela FUNAI e assim fazem suas compras mensais. Instituições não-governamentais também são parceiras desses índios cercados de brancos por todos os lados. 
   EMATER e Planafloro também percorrem pelos mais difíceis acessos desse oeste. A SUCAM medica os febris que passaram pelos garimpos já quase extintos por ações ecológicas.
   Estamos na safra da melancia! Comprei numa xepa de feira a exagerada quantidade de 10 unidades da mesma por míseros 2 reais. Há também laranja de safras grandiosas. Conheci o cupuaçu – que fruta esquisita! Não poderia me esquecer da banana – todos os tipos imagináveis e caminhões abarrotados rumando aos ceasas do Rio e São Paulo principalmente. Abacaxi também, em cada esquina. Acerola parece estar dando certo, tanto nas cidades como nos sítios provocando deleite aos estômagos vermífugos das crianças.
   Consome-se muita cachaça. Aqui não se conhece termas, se conhece “bregas”. Cada brega possui sua cafetina cansada e suas “senhoritas” disponíveis a um rápido programinha. Fitas cassetes piratas tocam aquilo que hoje chamam de música sertaneja. Não existe funk. Música popular tipo NATA de nossa MPB se difunde dificultosamente. Amado Batista e Cia. é que fazem a cabeça da mistureba cultural que é Rondônia!
   Viaja-se para a Bolívia e compra-se de tudo. Ser sacoleiro é o estilo de vida de alguns, faltou apenas a Ponte da Amizade para nos lembrarmos de Foz do Iguaçu; aqui é preciso alugar barquinhos para a travessia (falo de Costa Marques). Há garimpos de cassiterita e de ouro, onde se misturam bolivianos e brasileiros. Uns desfilam com dentes de ouro e pescoço tipo mostruário de cordões das mais diversas espessuras. Castelhano, português portunhol e uma língua indígena são os idiomas “oficiais” da divisa brasileira com a Bolívia.
  O povo vem se tornando exigente. Querem ar-condicionado e casa de alvenaria. Ocorre também a “febre” da Honda. Por metro quadrado, não conheço lugar no Brasil onde se veja tanta moto como por aqui; só se fala em consórcios para adquiri-las; juventude e velhentude, todos querem sua moto! Água encanada, luz elétrica nos mais diversos sítios já é uma realidade. Cobra-se muito da política. Temos até um deputado promocional aqui. Seu programa na rádio distribui bicicletas aos estudantes que conseguem depois de uma extensa pesquisa responder as mais difíceis perguntas que vão ao ar, como por exemplo: Quantos estados compõem a Federação Brasileira? A propaganda política não existe apenas na proximidade das eleições; até mesmo os mais distantes ribeirinhos são capazes de citar o nome dos deputados que em Brasília representam e “lutam” pelo povo rondoniense. Deve ser um bom negócio ser político por aqui também, inclusive tem um pessoal por aqui que é dono de rodoviárias, bancas de jornal, de empresas de ônibus e táxis aéreos que me parecem serem os verdadeiros eleitores do estado. Eles ditam quem irá vencer: os jornais também são deles!
   Mudando de assunto: basta que São Paulo inove, logo Rondônia de adapta. Apareceu a moto-taxi por lá, logo aqui também. Três horários de ônibus saem diariamente para São Paulo em busca de novidades de bens de consumo. Voltam três horários diários abarrotados de tais novidades que são sofregamente consumidas. Voltam cheios de “primeiro mundo”! Quem propaga pelas grande cidades do sul o estilo de vida do norte brasileiro são alguns dos poucos hippies que pelas praças vendem cordões e pulseiras de cobra-coral transmitindo uma idéia subjetiva da atual realidade que se vive aqui. Levam arcos e flechas e fazem transparecer nas cidades grande um estilo de vida primitivo que aqui não mais existe.                                                                
   Nas feiras livres é que vemos as vantagens daqui em relação ao “Brasil”. Aqui se come muito: peixe, frutas diversas, carnes e grãos nos preços mais acessíveis que já vi. Há, nas feiras, os “pais da mata” que, com cascas de árvores, raízes, folhas em garrafadas medicinais curam todas as doenças amazônicas. Compra-se direto do produtor sacas de mantimento para o ano todo. Quem, mesmo assim, com toda a acessibilidade daqui, não tem condições financeiras de se alimentar, acaba sendo alimentado pela Comunidade Solidária.
   Há uma rádio com todos os gêneros musicais. Ah, e os programas que invadem os horários regionais da PODEROSA empresa televisiva nacional, profundamente indigestos em sua grande maioria.
   A biblioteca municipal tem uns poucos livros a mais que minha modesta biblioteca particular, mas lá li Navegação de Cabotagem de Jorge Amado e alguns outros. Dela sou sócio com carteirinha e nas horas vagas encontro-me a vasculhar suas estantes.
   Existe um grande campo profissional para o marketing por aqui. Quem teve como eu, a oportunidade de ver os anúncios comerciais daqui sabe do que falo. São ridículas e apelativas demais, sem senso, nexo e criatividade. Um exemplo: uma loja de artigos ficou anunciando exaustivamente durante semanas a data de inauguração de um ar-condicionado central, com fundo musical orquestrado para emotivar com direito ao depoimento de seu gerente sobre as vantagens de tal ar-condicionado aos seus clientes.
   Os capixabas e mineiros trouxeram as igrejas evangélicas, os sulistas a Luterana. Imagino ser de 40% a população evangélica nesse estado. Todas as linhas e ruas comportam tais templos. A Universal é lógico, também já se sediou por aqui. Ainda não havia conhecido um lugar que comportasse tantas igrejas. Fitas “sertanejas” misturam-se às fitas evangélicas nos camelôs da pirataria. Em Vilhena um conselho evangélico determinou que política e religião não poderão mais se misturar, obrigando seus ministros e membros a desocuparem os cargos políticos que ocupavam. A força protestante aqui é capaz de eleger até governador.
   Meu filho, João Marcos, aprendeu a andar, a comer, ganhou seus primeiros dentes, balbuciou suas primeiras palavras e aprontou suas primeiras traquinagens infantis nessa terra distante. Seus primeiros passeios na cadeirinha da bicicleta... as araras azuis nas cercas...não deixa de ser salutar em hipótese alguma residir no novo oeste brasileiro e começar a vida. Fiquei por aqui do carnaval de 1997 até o carnaval de 1998.
   O asfalto segue os passos que nosso desbravador Marechal Rondon um dia, em meio às picadas andou, esticando os cabos de telégrafos. Hoje certamente lhe seria irreconhecível o estado que ele tornou um dia território nacional: território do Guaporé.
   Tenho assunto ainda para o Acre, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Santa Catarina e outros, mas fiquemos por aqui.
 
 
 
 
Marcelo Braga
Enviado por Marcelo Braga em 17/05/2011
Reeditado em 17/05/2011
Código do texto: T2975139
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