CONDENADOS A VIVER

A pena de morte, no sentido de extinção da vida, a primeira vista pode parecer um ato cruel ou mesmo algo inconcebível sob a ótica vulgar, mas tem sua nocividade abrandada quando o contexto se descortina, a consciência se amplia. De certo que homens não podem ou não devem legislar sobre a vida, essa é uma tarefa ou uma atribuição dos Deuses, só quando se passa pela experiência da morte é que se pode ter uma visão completa sobre o engano da punição que pretensamente ela pode vir representar. Em alguns casos a morte poderia ser um prêmio ao descaso com a vida. Quando visitamos a mente de pessoas desobrigadas de qualquer tipo de religiosidade ou referência em relação a uma consciência superior, automaticamente nos deparamos com o paradoxo da questão, ora, não se tendo nenhuma referência sobre o assunto, logo seu advento o despojará apenas da vida e será tragado pelo tempo e pelos vermes, aí o temor se justifica a medida que os atos valorosos e as atitudes altruístas que mantiveram o indivíduo na condição austera que se encontra, perderão o sentido ou apenas farão parte da estatística dos que escolheram um lado menos danoso aos outros para reforçar a tranqüilidade de suas consciências éticas.

Por outro lado os que aproveitaram a oportunidade para conseguirem seus objetivos mais sórdidos, solidificados pela iniqüidade que os caracteriza, praticando todos os atos execráveis, enriquecendo ilicitamente, expandindo-se na direção do arbítrio alheio, subjugando, servilizando, mantendo sua teia operante durante toda sua existência, certamente em algum ponto remoto da vida sentiram sua aproximação e manterão a serenidade como um fato iminente a consumar-se, afinal suas consciências nada deve, não terão contas a ajustar, o que foi feito, deixou suas marcas que outros deverão dar prosseguimento ou atenuá-las de acordo com suas tendências comportamentais. É cômodo pensar assim, é mais ou menos como acreditar na existência de Deus como um ser repressor ao qual devemos uma obediência vigiada não nos desviando de suas determinações, não por senti-las como legítimas, mas por temer represálias, é certo que também teremos a “vantagem” de não termos que assumir nossas responsabilidades em relação aos percalços, basta atribuí-los ao destino, culpando a quem criou a lei.

Não há rota de fuga, estamos condenados inevitavelmente a fatalidade da vida, nada pode mudar isso, não são os tentames de contornos ou as barganhas diárias que farão com que o curso possa ser desviado, nada temos a oferecer a grande consciência que ela já não nos tenha dado, apenas cada vírgula, cada ponderação, cada caminho trilhado poderá fazer alguma diferença quando acrescentada a essência da vida, significando um passo além da arraigada ignorância humana.

Em toda essa trajetória, uma única entidade deve perder a vida, ela se chama ego. A grande batalha é para praticarmos o único assassinato permitido, quando nos livrarmos deste inimigo ferrenho, perderemos o contato com nossa individualização, seremos um ser coletivo, desprovido de petulância e egoísmo, aí então faremos jus a essa meritória “condenação”.

Anderson Du Valle
Enviado por Anderson Du Valle em 24/06/2011
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