A verdade de cada um,..., de quem é a razão?

Sob minha concepção uma das coisas mais difíceis de conclusão definitiva é a atribuição de quem está com a razão em certas lides.

Quando há provas evidentes, que não deixam qualquer margem a dúvidas quanto à autoria da pratica equivocada realizada, seja ela uma simples discussão acerca uma questão esportiva, pessoal e até na área criminal, fica fácil delinear-se a quem cabem os louros da veracidade!

Se, por outro lado, não se consegue estabelecer evidências que pendam para um ou outro lado em litígio. ‘a coisa’ pode reverter em uma decisão que nem sempre condiz com a justeza dos fatos.

Nos anais das decisões jurisprudenciais há incontáveis casos de atribuição de culpabilidade para réus que detinham toda razão em seus argumentos utilizados para provar sua inocência relativa ao delito no qual era acusado.

Na abertura que lhe compete a jurisprudência, no sentido de definir acerca da inocência ou da culpa do acusado, um juiz pode concluir, dadas as evidências que porventura tenham sido apresentadas, de maneira equivocada uma sentença.

Porém, como sabido e notório, tudo o que demanda decisão de um ser humano pode recair em veredictos nem sempre perfeitamente compatíveis com a justeza da ocorrência que está sendo julgada.

Tive conhecimento (e acredito que muitos também o tenham tido...) de casos e casos, nos quais não primou a mais perfeita justiça nas decisões finais, fazendo com que o detentor da razão fosse preterido, arcando com as sanções que seriam destinadas aos reais infratores.

É fundamental também esclarecer que há muitas decisões que, embora soem para os leigos bastante injustas e ‘sem cabimento’, seguem estritamente o que apregoam as leis e aqueles que as aplicam não podem (e não devem...) desrespeitá-las sob pena de abrir precedentes perigosíssimos para a paz e o bem estar geral da sociedade.

Cito como exemplo, caso que, ‘en passant’, presenciei há algum tempo.

Em caminhada que realizava, um rapaz que seguia à minha frente abaixou-se e recolheu do chão algo, que vim saber posteriormente tratava-se da chave de um veículo.

Prosseguiu em sua caminhada observando o que havia recolhido, quando foi subitamente interpelado e seguro por um policial que lhe deu voz de prisão!

Demonstrando visível ‘apavoramento’ o rapaz indagou o que estava acontecendo e o porquê dessa sua detenção.

Sem maiores explicações, o policial que agora contava com o auxilio de outro policial, arrancou o objeto que o rapaz portava em suas agora trêmulas mãos, forçou seus braços para traz de seu corpo, algemando-o.

Ato contínuo, empurraram o ‘detido’ para uma parede próxima fazendo com que ele ficasse de frente para ela, com as pernas entreabertas, de costas para eles. Efetuaram uma revista detalhada nas vestes do rapaz e iniciaram um breve diálogo, onde pude captar que ficariam aguardando a chegada de uma viatura para conduzir o ‘capturado’ para a delegacia à qual eram subordinados.

Fiquei atônito com o rápido desenrolar dos fatos, sem ao menos saber qual fora o motivo de tão ‘intempestiva’ ação!

Observando certa distância, agora em meio a outros curiosos que também se acercaram, permaneci por alguns instantes ouvindo as mais estapafúrdias versões sobre a ocorrência.

Nunca fui muito curioso em relação aos eventos incomuns que ocorrem nas minhas cercanias, tais como: ficar observando vítimas de atropelamento estateladas sobre o asfalto, ficar observando discussões seguidas de agressões em vias públicas, tentar seguir a seqüencia dos gritos de ‘pega-ladrão’, seguidos de um corre-corre, ficar observando a corrida desenfreada de carros de bombeiros, carros de policia, com sirenes tocando a alto som...

Num parêntese, lembro-me que o marido de uma amiga de trabalho chegava a seguir carros de bombeiros que estavam com as sirenes estridentes, somente para saber onde estava ocorrendo a ‘fatalidade’ e a sua dimensão...

Esse caso, no entanto, havia me deixado muito curioso.

Afinal, o que havia levado os policiais a deterem aquele rapaz que me pareceu tão ‘descompromissado’ e que aparentemente nada havia cometido de mal, havendo pura e simplesmente encontrado algo no chão e se abaixado para recolhê-lo?

Como sou um senhor já de ‘certa idade’, com aparência de GENTE DO BEM e que, modéstia à parte, sei como dirigir-me as pessoas sem causar grandes apreensões, assim como não querendo nada, acerquei-me de um dos policiais que participaram ativamente da ‘captura’ do inconformado rapaz e, desculpando-me inicialmente pela ousadia e alegando que havia acompanhado o caso desde o seu inicio, indaguei qual o motivo da detenção efetuada.

O policial, literalmente, mediu-me da cabeça aos pés e indagou se eu era representante da justiça ou algo equivalente. Educadamente expliquei-lhe que não! Que era somente um cidadão como outro qualquer e que havia ficado curioso pelo fato daquela apreensão ter sido efetuada e eu, que havia acompanhado todo o trâmite nada haver percebido de anormal no procedimento daquele rapaz.

O policial esboçou um sorriso nos moldes de um escárnio e para mim soou como se houvesse duplicado de tamanho dentro de sua farda quando apregoou que é assim mesmo. Para os leigos, segundo ele, todos aqueles que cometem atos infracionais lhes parecem inocentes e que se justiça se moldasse na opinião de leigos muitos facínoras prosseguiriam pelas ruas à solta cometendo barbáries.

Esbocei um ‘sorriso amarelo’, porém, imbuído de uma fleuma britânica que até a mim surpreendeu, indaguei novamente qual a razão então que havia feito com que o rapaz fosse detido de forma tão ‘acachapante’!

Ainda um pouco reticente, o policial fitou-me por alguns instantes e disse que o rapaz havia roubado um veículo e que inclusive havia sido pego com a chave do produto do roubo em mãos. Ato contínuo, virou-me as costas e acercou-se novamente do companheiro que ‘guardava’ o ‘suposto ladrão’.

Quedei-me num silêncio profundo enquanto meus pensamentos volveram para o que havia presenciado antes do evento da ‘captura’ ocorrer. Ora! Tudo bem que sou um cidadão quase que totalmente leigo em matéria dos trâmites que envolvem justiça, no entanto, poderia jurar que o rapaz havia achado jogada no chão aquela chave!

Ainda imerso em meus pensamentos, ouvi o ‘cantar’ de uma sirene e com algum estardalhaço, acercou-se do ‘trio’ composto pelos dois policiais e o rapaz ‘detido’ uma viatura policial. Armas em punho, mais três policiais desceram e numa típica ação de uma equipe da SWAT americana ou do BOPE do RJ - Brasil, gritaram palavras de comando para os colegas que já lá se encontravam.

Após breve conversa, um dos recém-chegados dirigiu-se até o rapaz algemado e dirigiu-lhe algumas palavras. De onde eu me encontrava, só pude perceber a veemente negativa do rapaz, de cujos olhos vertiam muitas lágrimas.

Foi mais forte do que eu!

Saí de minha cômoda posição de observador e de forma resoluta encaminhei-me em direção ao agora quinteto de policiais que mantinham sob seu jugo aquele indefeso rapaz. Confesso que senti as pernas fraquejarem quando vi voltarem-se para mim mãos empunhando pesadas armas de uso exclusivo de militares!

Ergui minhas mãos denotando que era de paz e falei que havia acompanhado todo o episódio e que poderia servir como testemunha de que o rapaz havia encontrado a alegada chave do veículo furtado no chão da calçada por onde transitava e que se ele não houvesse a apanhado do chão, certamente eu o faria pois vinha caminhando pela mesma calçada e na mesma direção!

O policial que aparentava ter uma posição de superioridade sobre os demais disse que teriam de levar o rapaz até o distrito para averiguações e que se eu quisesse poderia ir junto para declarar o que havia declarado há pouco para eles.

Acedi e fomos todos para o distrito policial responsável por aquela região central da cidade. Fui observando o comportamento do rapaz detido que não parava de chorar e que me pareceu terrivelmente incomodado com o fato de estar com os braços algemados para as costas, o que, aliás, diga-se de passagem, não deve ser algo muito cômodo!

Tive tempo suficiente para ir estabelecendo minhas conjecturas e ficava pensando que se houvesse uma surpresa de que realmente o rapaz tivesse ‘culpa no cartório’ seria para mim uma terrível decepção e eu teria obrigatoriamente de solicitar uma estatueta do OSCAR de melhor ator para ele por sua representação...

Estabeleci alguns paralelos inclusive com afirmativa que vivo fazendo de que para mim seria uma tremenda decepção também saber que o Senador Eduardo Suplicy esteve, está ou estará metido em falcatruas por conta de desvios de verbas públicas ou coisas do gênero. É certo que o Senador é um pouco ‘pueril’ comparativamente à sua posição no alto escalão da política nacional e que tem alguns ‘repentes’ dignos dos melhores ‘pastelões’ cinematográficos e televisivos, no entanto, chegar-se ao desplante de cometer atos ilícitos, aí já seria demais...

Em presença do doutor delegado de plantão, que não fez questão nenhuma de em qualquer momento parecer bem humorado ou com um mínimo de boa educação, foram feitas algumas acareações com o agora exaurido detido, sendo determinado posteriormente que o recolhessem provisoriamente até a chegada do dono do veiculo furtado.

Um dos policiais que havia participado da ação dirigiu-se até o doutor e, em voz baixa sussurrou-lhe algo. De imediato, os olhos do chefe voltaram-se em minha direção e pude perceber que eu fui o assunto do sussurro!

Com um aceno de mão fui ‘convocado’ pelo aparentemente distêmico representante da lei e me aproximei de sua mesa de chefe. Educadamente permaneci em pé aguardando qualquer permissão ou solicitação para que eu me assentasse. Fui ‘delicadamente’ argüido pelo ‘meu atendente’ se era um poste e devido a isso preferia ficar de pé!

Assentei-me e fiquei no aguardo de novas e gentis argüições...

O aparente irascível comandante indagou se eu era aquele que estava defendendo o criminoso. Respondi que não, que eu lá estava apenas para relatar a verdade dos fatos que havia presenciado antes do desfecho ocorrido com a prisão do rapaz. Meu taciturno interlocutor, então, pediu para que eu rapidamente relatasse qual era essa irrefutável verdade.

Expus-lhe então novamente o que já havia exposto ao policial no local da detenção.

O ladino responsável pelo distrito contrapôs dizendo que o rapaz detido poderia ter deixado cair a chave no chão e em seguida ter se abaixado para recuperá-la novamente. Eu concordei dizendo que isso poderia realmente ter ocorrido, porém, não havia sido alvo de minha observação.

Ouvi novamente a mesma ladainha que já ouvira do policial a quem houvera me dirigido em primeira instância ainda no local da ocorrência, ou seja, que os leigos quase sempre cometem erros em suas avaliações, ‘perdoando’ criminosos contumazes que permanecem soltos em meio à sociedade cometendo barbáries. Prosseguiu dizendo que o trabalho da justiça é moldado em cuidados e zelos necessários para mantenimento da paz e ordem social e que cumpriria todos os trâmites que a lei lhe faculta para possibilitar uma decisão justa e equitativa.

Confesso que tive de me conter para não me levantar e aplaudir calorosamente esse discurso de cidadania e responsabilidade que foi de certa forma vociferado!

Meu bom senso me avisou que havia grande probabilidade de se assumisse essa atitude talvez fosse fazer companhia ao rapaz algemado no xilindró!

Como finalização, o simpático doutor ‘gruniu’ que nada poderia fazer até que houvesse manifestação do autor da denúncia do furto, com provável acareação junto ao suposto autor do delito para uma também possível identificação.

E que eu poderia ficar à vontade, se resolvesse aguardar, porém que ele não tinha a menor idéia de quanto tempo demandaria essa possível chegada do denunciante...

Resolvi retirar-me e tentar posteriormente saber a que ponto havia chegado esse caso que presenciei.

Passados cinco dias durante os quais o rapaz detido havia permanecido encarcerado por ‘medida de segurança’, soube que o autor da denuncia finalmente havia comparecido ao distrito, feito a acareação com o jovem que estava em perfeita ‘petição de miséria’ pelas condições que estivera exposto durante este tempo e afiançado que não fora ele o autor do furto!

Aí, reforçou-se em minha mente minha grande dúvida em relação à força que representa a verdade para atribuir ou não a razão para quem realmente a tem!

Nesse caso que expus, comprovadamente o rapaz estava com toda a razão desde o primeiro momento que argumentou ter encontrado, pura e simplesmente um objeto caído no chão e que o havia recolhido. Contou ainda com o depoimento de um estranho, no caso eu, que relatou fielmente o que havia presenciado. E ainda assim, foi ‘contemplado’ com uma prisão ao menos arbitrária e que deverá demandar um bom tempo (e que talvez nunca se apague...) para um esquecimento!

HICS
Enviado por HICS em 01/07/2011
Código do texto: T3069532
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