SOMOS REFÉNS?

Sou filha da ditadura! E até hoje não entendo a aversão de todos a ela. Eu vivia muito bem naquela época. Nunca fui impedida ou tolhida no meu ir e vir. Saia. Me divertia. Tínhamos bailes nas escolas, bailes de garagem (eram uma delícia), boates que chamavam de inferninhos e principalmente uma escola pública de boa qualidade (bem superior às particulares).

Tínhamos, nessa escola, matérias como Artes, onde aprendíamos muitas técnicas de pintura, artesanato, decoração, tapeçaria, que de algum modo nos dava a chance de vendermos o que aprendíamos e nos orgulhava da nossa pretensa independência. E nos, meninas, estávamos sempre desfilando com uma ou outra peça que aprendíamos nas aulas. As crianças hoje mal sabem pegar num lápis. Mesmo porque não precisam... Elas vivem de fazer “X” em provas. Aí quando se deparam, na vida profissional com exames de ordem, vem o alto nível de reprovação. Isso se não for na área da medicina, onde temos visto casos escabrosos de erros médicos.

Em Moral e Cívica, aprendíamos o respeito à Pátria, aos bens públicos, a hierarquia. Não só respeitávamos os símbolos da Pátria, mas sabíamos desenhá-los. E conhecíamos todos os hinos, por sinal, lindíssimos! Tudo isso hoje é visto como cultura inútil? Hoje o jovem nem imagina que a marinha tem um hino, que dirá saber da beleza dele! Só que o respeito que aprendemos, passava também pelo respeito ao mais velho, ao mais experiente, à família, aos diferentes. Os deficientes não eram isolados ou diferenciados. Apesar de terem classes menores, com professores mais gabaritados e em maior quantidade, eles brincavam no mesmo pátio com as crianças. Havia um cuidado maior. Os meninos e meninas eram separados em pátio diferentes não pelo sexo em si, mas porque os meninos sempre tiveram brincadeiras mais brutas, mas todos nós éramos livres pra correr, brincar. Sem contar que a escola tinha merenda, dava uniforme e material escolar, como hoje! Só que ninguém ficava de fora! Nenhuma escola era diferenciada por ser ou não da periferia. E os livros didáticos tinham conteúdo educacional, cultural.

Hoje ninguém fica de fora da escola também. Mas não por esforço próprio ou mérito. São jogados fora, como lixo, papel amassado! O importante é que no censo, na pesquisa, não existam analfabetos. Se não sabem ler, problema deles... a pesquisa diz que eles mentem!

A censura! Dizem ser o maior inimigo que a ditadura nos deixou de legado. Será mesmo? Eu passei pela ditadura e não me senti prejudicada. Vivemos uma época, hoje, que a maioria não sabe distinguir liberdade de libertinagem!

A imprensa tem liberdade de expressão! Tem mesmo? Ou ninguém ouviu falar ou tomou conhecimento de quantos jornalistas e jornais já foram cerceados da sua liberdade? Quantos perderam seu emprego por criticar o governo Lula? Mas somos livres pra fazer passeata, exigir nossos direitos!

E desde quando exigir é obter? Balela! Nada muda. Agora para se obter moradia é justo tirar de quem lutou pra comprar e dar de mão beijada ao MST, (que todos sabem, na sua maioria é um bando de profissionais do ganhar fácil)? Tirem as terras então dos “Ricardos Teixeiras” ou dos famosos “Marajás da Corrupção”.

Temos liberdade? Onde? Nas grades e cercas elétricas que nos mantêm prisioneiros em nossos próprios lares? Na porta do banco, quando vamos buscar o aleijado salário mensal, que marginais em conluio com funcionários corruptos ou policiais estão à espreita para nos roubar até a vida pelo mísero salário? Nas escolas, onde, de tão sucateadas e com profissionais que estão lá somente por ter um cargo publico, que não podem ser demitidos estão lá cumprindo (isso quando presentes) horário, que faz da escola um ponto de venda de tóxicos e de violências de toda espécie? Nas ruas e estradas, a qualquer hora do dia, quando marginais fazem arrastão, roubos em faróis, pedras que forçam o motorista a parar? Nos parques e eventos, ao estar abraçados aos filhos quando um bando de intolerantes te perguntam se você é gay e acabam te dando uma surra?

Eu prefiro, ainda, mil vezes a ditadura! Não se podia fazer grupinhos na rua? Que bom seria se isso fosse realidade hoje. Grupinhos, hoje? Na certa um bando de desocupados à procura de encrenca. Arrastões, intolerâncias raciais, brigas de gangues rivais, pelo domínio das drogas da facção que representam, passeatas pela liberação da maconha, etc.

Aliás, essa coisa de intolerância é muito mais perfil da democracia que vivemos hoje, que confunde liberdade com libertinagem, do que da ditadura!

Os policiais de hoje em dia também são violentos! Primeiro atiram, depois perguntam. Antes eram crimes políticos, contra o sistema. Hoje é o crime da intolerância, do poder pelo poder, o crime das balas perdidas, venham elas das armas de autoridades ou de bandidos.

Na ditadura todos tinham que ser “iguais”, pessoas do bem, comportados? Hoje também temos que ser iguais, a diferença é que temos que ser iguais ao que nem sempre queremos ser! Não podemos usar a camisa de nosso time de futebol, porque a torcida rival é intolerante. Não podemos ter um bom carro, porque os menos favorecidos (que eu diria: os menos esforçados) o arrebataria. Não podemos sair com relógios, celulares, nada que chame a atenção ou fique acima dos padrões, mesmo que esse padrão seja um simples tênis, um boné, um celular com um pouco mais de tecnologia. Cartão de crédito? Nem ouse sair com ele! Nem talão de cheque! Não compre presentes de época (dias dos pais, mães, criança, natal), pois você provocará a ira dos pobres.

Há, ia esquecendo, não os chame de pobres. São menos favorecidos!

Falando nisso, nessa democracia hipócrita que vivemos, há uma ditadura pelas palavras, pelos termos. Não há gordos, há obesos. Não há pretos e sim negros, como se o respeito estivesse mesmo nas palavras e não nos gestos, no respeito à pessoa e não a sua condição física. Não há favela, há comunidades! Mas nem assim o governo se preocupa com eles...

Para facilitar a administração governamental, os crimes agora têm mais tolerância. Qualquer dinheiro livra o pior bandido do xadrez! Melhor abrandar a lei, que só requer algumas letrinhas numa publicação oficial que fazer novos presídios... É a famosa lei do mais fácil.

Hoje me sinto refém dessa ditadura de libertinagens em todos os aspectos da vida, onde a tal democracia se faz uma anarquia de interesses escusos!

Enloucrescida
Enviado por Enloucrescida em 19/07/2011
Código do texto: T3105560
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