ESSA TAL CARIDADE

Onde começa a caridade deve ser entendido como o fim dos interesses pessoais, é a fusão do eu com a consciência real, porém, não é bem assim que funciona, essa linha de referência é itinerante de acordo com a convicção flutuante, é tênue como o caráter dispersivo e perene até o dia seguinte, quando recomeça a girar a ardilosa roda do cotidiano.

Legal quando aos fins de semana, reunimo-nos em volta de uma mesa farta até não poder mais, picanha da melhor qualidade, peixinho assado de brasa, cerveja congelante, bons vinhos, piscina, boa música, depois do terceiro, quarto copo, reinicia a velha retórica da preocupação humanística, para onde caminha a humanidade, o que pode ser feito pelo governo para melhorar a vida do povo e ... plof!! mais uma cerveja é aberta e mais uma rodada de churrasco é servido, desta vez com vinagrete, alguém conta aquele velha do português e a vida segue...

Do outro lado da rua o "Bispo" brada aos sete ventos num microfone no volume máximo, para uma igreja apinhada de fieis que entram em transe pedindo, suplicando para que a bondade de Jesus consiga aplacar o ódio dos corações e que ilumine os caminhos, distribuindo bênçãos e fortuna para todos, até o final do culto, quando tropeçam no mendigo jogado nas escadarias, desviando o curso para não sujar seus ternos novinhos. Caridade só da soleira pra dentro e a vida segue...

Onde de fato começa nossa caridade? Será que está naquela grande quantidade de doações feitas a instituições de caridade, onde conseguimos nos livrar de tudo o que atravancava nossa comodidade, o fogão que só funciona uma boca, o ventilador que parou faz meses, os trapos e as velhas ferramentas obsoletas? Onde realmente terminam nossos interesses?

O que sobrou do churrasco de domingo e foi ao lixo alimentaria uma família no dia seguinte. É cômodo quando ao mendigo que pede doamos alguns trocados, a esmola vicia o cidadão, embora olhemos seu semblante, não lhe notamos a necessidade, são invisíveis, nunca perguntamos, apenas doamos um pouco mais de alivio a nossa própria consciência, e a vida segue...

O templo suntuoso não deveria estar lá, que Deus é esse que precisa ser louvado a cada hora do dia, em prejuízo ao serviço edificante? Que Deus é esse que habita aquela casa ao lado de pessoas lindas, bem vestidas, bem nutridas em detrimento dos que adormecem em suas marquises? Que Deus é esse que contabiliza dízimos de trinta moedas sem que sirvam para alimentar os que têm fome de vida? Se a casa está cheia, se o canto tem alta voz, se as vestes são recatadas, se ninguém demonstra insurgência, tudo está na mais perfeita normalidade e a vida segue...

Conheci um sacerdote envolvido com falcatruas em uma empresa pública que teve sua casa revirada pela policia, nada foi encontrado, dias depois, em conversa informal à borda da piscina, regado a vinho e churrasco, disse: - "Os documentos estavam na gaveta de calcinhas da minha mulher, eles não a abriram, foi a mão de Deus!". - Sem comentários, esse Deus que o protege deve ser o mesmo "Fiel" que distribui carros de presente numa clara barganha pela conquista de almas incautas.

Essa verdade é provisória e mesmo que seja adequado não acreditar... a vida segue...

Anderson Du Valle
Enviado por Anderson Du Valle em 21/07/2011
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