Heróis De Verdade

Não é uma queixa

É um desabafo

É um apelo por justiça

Eram meninos que vinham de todos os lugares.

Chegavam dos campos, das roças, das serras e das vilas.

Tinham diversas origens e diversos sotaques.

Não éramos filhos de papais ricos.

Não éramos politiqueiros de universidades.

Éramos apenas patriotas.

Nunca esquecerei o nosso primeiro dia no quartel.

O corpo queimado pelo sol, e pela ausência dos cabelos,

e discurso de “boas vindas” do comandante.

- Vocês não vieram aqui para brincar de mocinho

- Vocês estão aqui para morrer, convençam se disso!

Alguns choravam, outros desmaiavam.

Eram dias de medo, dentro e fora do quartel.

Muitos apresentavam os mais diversos motivos, para tentar escapar do serviço militar.

Durante a noite, aqueles que guarneciam o dormitório, podiam assistir nos sonhos tumultuados dos colegas, os temores que quando acordados tentávamos esconder.

Cada novo exercício de anti guerrilha, era um novo pesadelo.

O túnel subterrâneo com gás lacrimogêneo tinha o diâmetro de uma pessoa. Após rastejar alguns metros, avistava-se a luz na outra extremidade.

Era a esperança de sair logo daquele ambiente de terror.

Quando chegávamos perto do final do túnel, cobertos pelas secreções da boca, olhos, nariz e até vômitos, a saída era tampada.

Sob efeito do gás e do pânico, alguns perdiam o controle das funções fisiológicas, e ali urinavam e defecavam.

Quando não havia o medo nos exercícios de combate, havia o medo dos ataques às sentinelas.

Os períodos de vigilância tornavam-se as horas mais longas das nossas vidas.

Os terroristas eram perigosos e traiçoeiros, e nos matariam para roubar as nossas armas.

Meu companheiro que guarnecia o paiol de munições assustou-se com um movimento na mata, e colocou uma bala na câmara do fuzil.

Quando estávamos juntos na sala de guarda, o fuzil lhe escapou da mão, e detonou entre nós.

A bala passou entre nos, a pouco mais de um palmo das nossas cabeças, e ultrapassou o forro da sala.

O deslocamento de ar e a pressão dos gases arrancaram nossos capacetes.

Ainda tontos, olhávamos nossos corpos, cada um imaginando que fora atingido pelo projétil.

Meu companheiro foi preso em seguida, e nunca recebeu aposentadoria por ter sido preso durante o governo militar.

Numa noite durante uma instrução anti guerrilha, ouvimos gritos horríveis, impossíveis de descrever.

No bolso de um companheiro, detonou um petardo, que lhe mutilou parte da coxa e os órgãos genitais.

Naquela noite meus colegas de pelotão se aproximaram, e um deles me disse:

- Cante outra vez aquela canção do Roberto Carlos.

Era a canção O Divã, que me pediam para repetir, como se aqueles versos nos levassem, a um lugar onde nos sentíamos mais seguros.

Lá no quartel havia o respeito, e ninguém podia parecer importante. O que cada um era estava marcado no braço ou no ombro. Cada divisa e cada estrela eram conquistadas por tempo e por esforço.

Lá fora a ação dos terroristas me parecia injusta e cruel, como de recrutas que pretendiam de repente passar a general sem merecimento.

Em alguns exercícios mais arriscados, usávamos armas de madeira, para não danificar o arsenal. Havia mais cuidado com o patrimônio público que conosco.

Nas descidas de encostas, não havia dispositivos de segurança, nem usávamos calçado especial.

Nos farrapos que se transformavam nossos uniformes, percebe-se a palavra dever, em lugar da palavra direito.

Onde estão estes heróis que sofreram as mais duras penas, no cumprimento do dever?

Heróis que lutaram por um ideal, sem seqüestrar, sem matar inocentes, e sem desrespeitar a lei?

Estarão ocupando algum cargo no governo?

Estarão recebendo a merecida recompensa pelo seu patriotismo?

Não

Alguns voltaram para a roça, de onde com suas mãos calejadas, sustentam o nosso país, e aqueles que queriam mudar o sistema, para ter um governo melhor, apenas para eles mesmos.

Outros podem ser encontrados nas filas nos hospitais públicos, onde há meses esperam por uma consulta, que dura apenas cinco minutos.

Eles foram vencidos.

Foram subjugados pela corrupção e pela injustiça.

Eles receberam o desprezo como pagamento, e o esquecimento como homenagem.

Estes heróis foram ignorados, enquanto os fora da lei, contra os quais eles lutaram, foram recompensados.

Por que ninguém lembrou de pedir aposentadoria especial para estes heróis?

Não lutávamos pelo poder, mas por um dever que chamamos patriotismo.

Nossa missão era zelar pela paz e segurança de todos, e pela terra que nos foi confiada por nossos antepassados.

Mesmo diante da ingratidão, que fique na nossa gente a certeza de que, pela pátria faríamos tudo outra vez.

Acioly Netto - www.guiadiscover.com/acioly.htm

Endereço das imagens no Youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=S08JRAmLlbE

Acioly Netto
Enviado por Acioly Netto em 26/07/2011
Reeditado em 07/08/2011
Código do texto: T3118906
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