RELEMBRANDO O ONZE DE SETEMBRO - QUE JAMAIS DEVE SER ESQUECIDO

RELEMBRANDO O ONZE DE SETEMBRO.

(Se nos esquecermos dele estaremos nos esquecendo da nossa própria humanidade)

Passados dez anos dos acontecimentos ocorridos em 11 de setembro de ano de dois mil e hum, percebemos que o mundo mudou; não apenas na sua aparência do ponto de vista social, mas também na sua essência. Consternados no dia dos eventos que mudaram nosso conceito sobre liberdade e democracia, olhamos para trás e o que vemos são apenas e ainda as mesmas cinzas que insistem em permanecer no ar, turvando nossos olhares e enchendo nossos pulmões de um cheiro ocre de dor e de sofrimento.

Alguns acreditavam que aquilo não passava de publicidade imperialista dos norte-americanos; outros tinham a certeza de que os terroristas estavam apenas defendendo seus ideais até a morte (morte de milhares de inocentes que estavam no lugar certo e na hora certa, apenas não sabiam que iam se tornar vítimas). Muitos outros – espiritualistas – acreditam em Karma coletivo dessas milhares de vítimas que saíram de casa e jamais voltaram. Os conservadores creem piamente que aquilo foi o sinal supremo da frouxidão e da falta de autoridade dos governantes que deixaram que a situação chegasse até onde chegou. E na mesma vertente, os liberais acham que foi o preço que o condutor da política mundial teve que pagar para permanecer firme no controle de situações que não lhe diziam respeito.

Muito bem. Isto tudo parece névoa. Passados dez anos dos atentados do onze de setembro, todos ficaram mais amedrontados, tementes de que poderiam ser as próximas vítimas, de braços cruzados ante a fatalidade do inevitável evento de que eles jamais participaram. Parece mais um jogo de sombra e escuridão, sem efeitos especiais e sem máquinas e homens maravilhosos que seriam capazes de mudar o mundo.

Trilhamos um caminho repleto de dificuldades desde que o homem desceu das árvores e decidiu andar ereto, observando o mundo que o cercava e pensando como poderia apoderar-se de todas essas maravilhas que lhe pertenciam por direito. Ainda hoje nos esquecemos que somos visitantes (ou passageiros) nesta espaçonave celestial azul.

Olhando o presente, percebemos que ceifar vidas de forma inútil e desnecessária tornou-se algo comezinho, comum, banal, frívolo e cuja significância reflete-se apenas em quanto iremos ganhar com tudo isso. Balas perdidas tiram vidas que sequer começaram a descobrir o horizonte à sua frente. Doentes são abandonados à própria sorte em hospitais cuja estrutura é tão precária que mais se assemelham a centros terminais para onde se remetem os indesejáveis. Crianças são abruptamente retiradas da infância para serem arremessadas para o mundo da pedofilia, da prostituição e do trabalho escravo. E ainda somos aqueles símios que decidiram que era chegada a hora de caminhar e conquistar.

A degradação da dignidade da pessoa humana não passa apenas pelo onze de setembro, mas também pelos esfomeados e desnutridos da Somália, dos desempregados e sem teto na América Latina, pelos desabrigados do Japão, pelos esquecidos em cada esquina de cada metrópole do mundo. Uma dignidade que jamais foi tratada de forma digna ou respeitosa pelos políticos e governantes de todo o mundo. Um desrespeito que opta por esconder dinheiro na cueca (ou na meia), locupletando o futuro de milhares de pessoas em benefício próprio.

O onze de setembro é apenas uma data na memória que não querem que esqueçamos tal qual uma cortina de fumaça que esconde a dolorosa verdade de que estamos à nossa própria sorte. Que nosso destino é previamente traçado por uns poucos indivíduos que se acham no direito de decidir quem vive e quem morre. Pequenos ditadores locais que enriquecem à custa da desgraça humana. E ainda pensamos em dignidade da pessoa humana!

O desiderato de uma vida digna e saudável serve apenas para ilustrar propagandas e campanhas de marketing com dinheiro que seria muito mais útil se tivesse um destino mais digno (!). E mesmo quando o sol brilha por sobre os escombros, não vemos mais nada além daquilo que nos deixam ver. Não podemos olhar adiante porque o penhasco está muito próximo. Somos apenas reféns de nossa própria inocência ou imbecilidade em lidar com o nosso futuro.

Tivemos após o evento do onze de setembro, tivemos o atentado em Madri em onze de março de dois mil e quatro, e ainda o massacre da escola em Beslan (02 de setembro de 2004), como também o mesmo ocorrido em sete de julho de dois mil e cinco no metrô de Londres. Isto apenas para ser pouco preciso. De lá para cá foram diversos atos que na defesa de interesses mais escusos que ideológicos ceifaram milhares de vidas do planeta com a tola justificativa de defender interesses religiosos ou políticos. Tornamo-nos, assim, reféns de nós mesmos, de nossos semelhantes que pouco se importam com as consequências de seus atos.

Não nos esqueçamos do onze de setembro, da mesma forma que não podemos nos esquecer do massacre da Candelária no Rio de Janeiro, dos edifícios do Copacabana Palace, de trabalhadores reduzidos à condição análoga de escravos, de crianças cheirando cola na Praça da Sé. Nada disso pode ser esquecido ou mesmo ignorado, posto que todos esses eventos dizem respeito à dignidade da pessoa humana. Penso às vezes, que descemos das árvores, porém continuamos primatas instintivos e vorazes.

Me pergunto diariamente quantas vidas serão perdidas antes que alguém pare e reflita sobre o conceito de dignidade da pessoa humana, começando, é claro, pelo conceito de pessoa humana – indivíduo com liberdade de existir – passando pelo conceito de respeito à vida e chegando, finalmente, ao pressuposto da dignidade.

Saímos de nossos lares pela manhã com a mente repleta de preocupações com o trabalho, com as dívidas, com nossos filhos e amados pais, sem saber se, ao lado de cada um de nós, há um terrorista (ou um oportunista) espreitando o momento certo de fazer uma vítima. Nossos olhos, turvados pelas cinzas não apenas do onze de setembro não conseguem olhar para os lados – temos viseiras que nos forma ofertadas e que aceitamos de bom grado – mesmo sabendo que ao lado está o nosso semelhante.

Nossos pulmões estão cheios de ar empoeirado que nos permite apenas respirar o necessário para não morrermos. Pouco importa quantos de nós voltarão para casa no final de mais um dia; o que importa é que nós voltemos sãos e salvos juntamente como nossos familiares (o resto que se lixe!).

Esquecer o onze de setembro é esquecermos de nós mesmos, de nossas esperanças em um mundo melhor, de nossas expectativas quanto à possibilidade de uma sociedade mais justa e digna e de nossa própria essência humana que é a fraternidade. Somos apenas arautos que clamam no deserto à procura de um oásis onde possamos nos recuperar da árdua tarefa de sobreviver – e não de existir – e nos levantarmos após uma breve pausa para prosseguirmos na direção do incerto e do duvidoso.

Não aceitamos o que somos, não toleramos o nosso próximo – e muito menos as suas ideias – porque há muito tempo perdemos a noção de que a dignidade da pessoa passa, necessariamente pela aceitação, pela fraternidade e pela esperança de uma sociedade mais equilibrada e justa. Não nos atiramos da janela do centésimo sexto andar de um edifício em chamas, mas se meditarmos um pouco perceberemos facilmente que não fizemos nada para que isso não viesse a acontecer.

Perdemos há muito tempo a ideia de que somos agentes de mudança e de que podemos mudar o mundo para melhor. Aqueles que perceberam isso, valem-se apenas em benefício próprio, da mesma forma que se utiliza a Programação Neuro Linguística (PNL) para convencer os que nos cercam de que estamos certos e de que somos os melhores para dirigir o seu futuro. Não há mais opções, muito menos livre arbítrio, posto que somos ovelhas caminhando para o altar de sacrifícios.

Aliás, perdemo-nos de nós mesmos todos os dias que aceitamos que a descrença e a indiferença seja o melhor remédio contra o erros que assolam a humanidade. Ser indiferente não é filosófico é apenas um mecanismo de fuga da realidade quando sabemos que ela é dolorosa demais para ser vista ou ouvida (tiros ouvidos durante a noite tornam-se balas perdidas que levam entes queridos para longe de nós). Triste é sabermos que a indiferença alimenta os aproveitadores.

Esquecer-se do onze de setembro é esquecer do patrão tirano, do capitalista oportunista, do tirano de aldeia e dos intelectuais que mal sabem administrar suas próprias vidas e, mesmo assim, insistem que podem administrar um país. Falamos em bioética sem saber quando se dá o início da vida. Bradamos os direitos de acessibilidade aos minorandos, tratando-os como se diferentes fossem (quando na verdade são mais iguais que nós mesmos). Reduzimos distâncias, brincamos de criador e criatura, esgotamos o planeta em que somos meros visitantes e, agora, queremos mudar tudo isso do dia para a noite, da mesma forma que erguer um memorial ao onze de setembro fosse o suficiente para que os acontecimentos destrutivos e viscerais da última década ficassem reduzidos a truques de luz e cor.

Ainda hoje me pergunto: nós o símios eretos temos o direito de nos auto-proclamar seres racionais? E se assim de fato o é, que racionalidade é essa afinal em que irmão mata irmão, pais abandonam filhos e filhos destroem lares? Onde está a razão em tudo isso? Milhares de jovens morreram durante a segunda guerra mundial para que?

O que se observa é a tirania do egocentrismo e da individualidade exacerbada. Andamos pelas ruas como gado conduzido por peões que apenas estão “fazendo o seu trabalho”. Não olhamos para os lados, muito menos para cima, apenas para baixo, procurando por algo que nem mesmo sabemos o que é (talvez o nosso eu perdido pelas ruas). Somos diariamente conduzidos e não conduzimos nossas próprias existências. Acessórios eletrônicos tornam nossa vida vazia mais adequada ao padrão de nossa individualidade que se perde sem qualquer preocupação com nosso semelhante ou ainda com nosso futuro. Estamos vazios – praticamente ocos de expectativas e de sensações – apenas sentimos o que os nossos instintos comandam: ver futilidades, ouvir sons sem sentido e cheirar tudo o que estiver pela frente.

Perdemos por completo a sensação de futuro como também a de presente, perdemos nosso próprio sentido de viver, porque vivemos sem qualquer sentido – apenas para sentir o que os nossos instintos comandam. Uma redoma nos protege de tudo e de todos, em especial daqueles que ainda tem ideais ou ideologias que querem defender até a morte. E mesmo estes indivíduos não podem ser dignos de confiança, uma vez que também são manipulados por interesses escusos.

Jamais poderemos nos esquecer do onze de setembro, não porque seja uma data para relembrar ou um episódio amargo para nos trazer de volta ao mundo real. Não podemos nos esquecer do onze de setembro porque ele representa muito mais do que uma série de atentados ao povo americano; ele representa um atentado contra a raça humana, um ataque sem dimensões contra a fraternidade, contra a esperança por um mundo melhor, por um raio de luz que ilumine a alma de todos.

Esquecer-se do onze de setembro significa esquecermos de nós mesmos, esquecermos da escola de Beslan, dos refugiados da Somália, das milhares de crianças sem futuro e sem esperança perdidas pelas ruas, vielas e barracos espalhados pelo planeta. Significa também esquecermos dos corruptos que enchem os bolsos com aquele dinheiro que deveria ser destinado ao bem comum e que justificam suas ações com mentiras e palavras vazias. Esquecer-se do onze de setembro significa ignorarmos nossas origens humanitárias e fraternas, devolvendo a situação para que alguém – num futuro que não se sabe sem onde está situado – olhe por sobre os ombros e veja que tudo foi em vão.

"De repente, havia pessoas gritando. Vi pessoas pulando do prédio. Seus braços estavam batendo. Eu parei de tirar fotos e comecei a chorar." A frase é do cinegrafista e fotógrafo americano Michael Walters que estava no local e no dia do acontecimento que mudou a história da humanidade e revela como todos se sentiram naquele dia. E nós? Como nos sentimos hoje, dez anos depois? Ele, com certeza, jamais voltará os olhos para trás e terá a certeza de que tudo foi em vão. Milhares de pessoas que perderam seus entes queridos não param de pensar hoje como será o amanhã, não sobre como viverem sós, mas sim de como viverem em um mundo onde tudo pode ser facilmente esquecido em qualquer esquina da história.

Não há renascimento para o onze de setembro, não há esperança de que um memorial seja o suficiente para mudar o curso da história, não há sequer a expectativa de que daqui mais dez anos a data será algo nos corações e mentes de toda a humanidade.

Todavia, podemos sim erguer um memorial em nossas consciências não apenas ao onze de setembro, mas sim para toda a perfídia humana, todo o abandono que arremessa milhares de alma no vazio e no limbo de um nada absoluto onde dignidade, respeito e compreensão jamais foram palavras de ordem a serem usadas. Que dignidade podemos esperar de quem não é digno com sua própria alma? Temos uma dívida que jamais será paga ou amortizada, apenas crescerá à sombra da intolerância, do descrédito, da desesperança e do medo; o medo que atemoriza permanentemente almas e mentes por toda a extensão do planeta. Medo que edifica templos à ignorância e ao desespero. Templos construídos sem fé, mas com um forte desejo de vingança e rancor.

Neste dia onze de setembro eu apenas posso implorar que não se esqueçam da sua própria humanidade e a importância de sermos humanos, fraternos e solidários a qualquer momento, todos os dias de nossa vida, durante todas as vezes que estivermos compartilhando esta existência com nossos semelhantes. Afinal, somos todos pertencentes à raça humana, independente de nossa cor, etnia, credo religioso, anseio político ou preferência sexual, já que é nas diferenças que reside a maravilha da espécie humana; saber compreender isso é a essência da melhor coexistência neste momento e em qualquer outro em qualquer lugar.

São Paulo, 11 de setembro de 2011.

JAMAIS ESQUEÇA!