Com o abacaxi cortam-se as duas pontas e aproveita-se a melhor. Com a vida também costumamos cortar as pontas, para aproveitar somente a parte do meio. Pensamos assim: a criança ainda não é gente e o velho já não é mais gente.
            Mas o ser humano não é um abacaxi, não é produto da sociedade de consumo que só contempla a utilidade das coisas e o lucro que elas podem dar.
            A criança é gente desde o útero materno. E o velho é gente até exalar o último suspiro. E como gente, de ponta a ponta, devem ser tratados.
            Por uma questão de bom senso, a atenção do mundo deveria estar voltada intensamente mais para a criança. Porque ela precisa de ajuda, porque ela é a semeadura do futuro. Plante uma criança e surgirá uma História.
            Mas para a criança sobram todos os restos. O resto do tempo. O resto do espaço. O que ela não pode é atrapalhar os adultos. Estes é que são gente de verdade.
            Não percebemos isso, porque somos envolvidos por uma linguagem falsa que desvia a nossa atenção.
            Exemplo disso é a campanha “Criança Esperança” promovida por uma das mais influentes redes de TV. Ora, essa rede tem tudo na mão para promover realmente a criança. Bastaria que corrigisse sua programação, eliminando dela todas as coisas que prejudicam a criança. É evidente que não sobraria muita coisa...
            O problema é que hoje se investe no lucro. Não se investe no humano. O humano deve estar a serviço do lucro. Com tal receita, nunca se chegará a resultado que preste. Prova isso os resultados do Enem, a crise que se alastra pela comunidade européia, etc.
            O velho também está fora do páreo da modernidade. Ele já não é mais útil. E o que se faz com o que é inútil? Porão ou rua!
            Faz meses, vendo um velho de andar vagaroso caminhar pela calçada , parei para oferecer carona. Vacilou e acabou aceitando. No percurso mostrou-se agradecido e teve tempo de falar que nunca tinha entrado num carro com ar condicionado. Oitenta e quatro anos no mundo... Pareceu a ele que eu lhe fazia um grande favor. Depois disso, nunca mais o vi.
            Que progresso é esse do mundo moderno? Apenas para alguns? Os outros, a maioria, assistem à distância o progresso acontecer. São como aqueles que vão ao porto, por curiosidade, ver o navio desatracar. O navio leva sempre os outros e eles ficam sempre a ver. A ver navios.
            Foi a lição que me deixou o velho da carona num curto episódio de 20 minutos.
            Eu me implico com a expressão “terceira idade”. Ela se encaixa bem na sociedade de consumo, num carro modelo 97 (este sim está na terceira idade), mas não vejo como encaixá-la no humano. Parece coisa de pechincha.
            Tem como pechinchar com a vida? A minha implicância soa-me assim: a primeira idade é a fruta que ainda não amadureceu. Ainda não interessa. A terceira é a fruta que apodreceu. Já não interessa mais. A segunda, essa sim, é a idade a ser saboreada. Nas outras duas, pechinchamos o tempo.
            Mas quando formos velhos... O nosso olhar triste procurará os olhares novos. Mas eles estarão distraídos e desatentos! Nós os ensinamos a ser assim.