Lição de otimismo...

Já por algumas vezes eu havia visto o cidadão!

Com sua bengala branca adentrou o coletivo onde eu já me encontrava sentado no banco logo atrás do motorista e denotando muito extrovertismo cumprimentou o motorista, do qual já era conhecido, assentando-se em seguida no banco ao lado da porta.

Como sempre acontece nos coletivos (e principalmente no período da manhã...), com super lotação e pessoas caladas e taciturnas, notei algumas expressões de desconforto na fisionomia de alguns em virtude do alto som com que o deficiente visual dialogava com o condutor do veículo.

Após algumas falas triviais, comentando sobre o tempo e outros ‘que tais’, enveredaram pelo campo da política e teceram comentários acerca da doença descoberta no ex-presidente Lula, augurando ambos que fosse algum mal curável e que Deus o protegesse.

Embora não sendo usuário contumaz daquele coletivo (isso posso precisar, haja vista eu próprio o ser...), acredito eu que devido sua condição de deficiente visual ou seu extrovertismo, mantinha longo diálogo com o motorista, uma atitude não muito comum comparativamente aos demais passageiros.

Após a abordagem acerca do ex-presidente, a conversa enveredou pelo cunho pessoal, com o passageiro declarando-se ‘velho’ em seu 57 anos, aposentado e que tinha mais de desfrutar o que de bom a vida se lhe apresentava no restante de sua vida. Nessa manhã, por exemplo, estava ‘de passeio’ até o centro de São Paulo. Retornaria e no período da tarde, regressaria para lá novamente.

Contou que aos 17 anos fora vítima de um terrível acidente de moto, que o deixou em coma na UTI de um hospital por um mês. Guardava como ‘recordação’ do ocorrido, um pequeno problema na articulação do seu braço direito que não o impediu nunca de exercer normalmente suas funções. Disse que não sabe precisar se em decorrência disso, o processo de aumento de diminuição se desencadeou mais rapidamente e que atualmente só tem 10% de sua visão ‘enxergando’ somente vultos.

Recordou também que aos 28 anos, foi vítima de um assalto na frente da casa de sua sogra e que mesmo sem esboçar qualquer reação foi atingido por um tiro, ocasionando uma nova internação e perdesse um rim.

Chegando ao ponto onde deveria descer e que, por absoluta intuição percebeu imediatamente, sempre com muito otimismo, despediu-se do motorista dizendo que iria embarcar no trem que o levaria até o ‘centro da cidade’. Ato contínuo desembarcou e eu, que ainda permaneci no interior do coletivo pois desceria no ponto de parada seguinte, ainda pude acompanhar seus movimentos no lado externo, onde com destreza manejou sua bengala branca em direção às catracas de acesso a plataforma da estação ferroviária.

Enquanto meditava, lágrimas afloraram de meus olhos e avaliei que meu ‘problemas’ nem podem ser classificados como ‘problemas’, se observados sob o prisma de intempéries que enfrentamos em nossas vidas, sendo apenas leve brisas se comparados com os vendavais enfrentados por aquele ninja deficiente visual, guerreiro oriental...

Vale frisar que um dia antes, participei do velório/sepultamento de um primo distante, rapaz na flor dos seus 21 anos, que ceifou suicidamente a seqüência de sua vida, por motivos que somente ele poderia esclarecer!

HICS
Enviado por HICS em 02/11/2011
Código do texto: T3312781
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