Um indivíduo papalvo

UM INDIVÍDUO PAPALVO

Minha mulher é a encarregada da revisão de minha extensa obra. São mais de cem livros e alguma coisa perto de seis mil artigos em jornais, revistas e portais. Mas essa conferência nem sempre é pacífica. Além da revisão ortográfica – como ex-professora de português ela é especialista – há também o crivo ideológico, técnico, exegético, e por aí, muitas vezes “o pau come”. Por também ser escritora, ela gosta, muitas vezes de dar seus pitacos nos meus textos. O verbete pitaco, embora ainda não dicionarizado, surge no vocabulário informal de nossa língua como um sinônimo de palpite. Nossos confrontos literários surgem quanto à terminologia empregada nas matérias.

Eu entendo que um artigo para jornal, por exemplo, deve ser acessível a todo o tipo de leitor, e sua linguagem deve ser a mais simples possível. No entanto, quando se trata de escritos técnicos, de nível universitário, didáticos e de circulação mais ou menos restrita, é permitido o uso de jargões técnicos e expressões mais eruditas, em face do público a que se destinam.

Dependendo do estágio do público-alvo, entendo que as pessoas tem obrigação de conhecer certas palavras pertinentes aos assuntos enfocados, e se desconhecerem deverão ir aos dicionários, para enriquecer seu vocabulário. Sempre digo que o uso de palavras rebuscadas tem duplo objetivo. Primeiro para que os leitores se instruam, saindo de certos lugares comuns, e em segundo lugar, sem querer ser pedante, para que alguns saibam com quem estão se metendo.

Entre as palavras que servem para certas discordâncias, estão algumas que uso com frequência, como veterotestamentário, sorrelfa, aleivosia, perfunctório, etc. Como professor de grego costumo exagerar, às vezes, com os helenismos... O fato é que todas as categorias tem seus clichês e suas palavras técnicas que mais servem para confundir do que esclarecer. O pior são os leigos no assunto.

Tenho amigos, e um deles é notável, que como sabe que sou escritor e especialista na minha área, quando me encontra estabelece intermináveis tertúlias, levando minutos a procurar palavras rebuscadas, só para dar uma impressão que também é intelectual.

Pois a mais recente diatribe com a revisora foi na semana passada. Escrevi um artigo onde classifiquei um neófito de “indivíduo papalvo”. Ela não sossegou enquanto eu não substitui o verbete por um sinônimo acessível aos simples mortais. Ora, papalvo é um tolo, alguém ingênuo que acha que discordância é falta de diálogo e que pensa que sabe tudo. O papalvo tem sua cultura embasada no “Almanaque do Capivarol”; é alguém que quer mostrar que sabe o que não sabe. Como tem papalvos por aí!

Depois da insistência da colaboradora, troquei papalvo por boboca.