O CASO ELOÁ PIMENTEL E LINDEMBERG FERNANDES ALVES.

Ou de como um crime passional expõe de forma escancarada as vicissitudes e incoerências de uma sociedade que não sabe aprender com seus erros.

O questionamento que pretendemos aqui abordar não possui um viés exclusivamente jurídico, mas principalmente social e psicológico. O caso em questão, além da enorme repercussão que solapou a mídia brasileira por um bom tempo, traz dentro de si a necessidade de um olhar mais atento a detalhes que não foram devidamente explorado e que, ao nosso ver, ficaram situados em uma zona cinzenta que passou despercebida por muitos – mas não por todos – revelando que o crime nele engajado traveste-se mais de um conteúdo passional do que meramente um ato tresloucado de um jovem inculto e despreparado que viu-se abandonado de tudo e de todos quando foi rechaçado pela namorada.

Não queremos aqui aludir culpa ou inocência a nenhum dos envolvidos. Nossa pretensão refere-se apenas à análise de aspectos que não foram considerados relevantes para este caso, mas que podem muito bem servir de referência enciclopédica para um futuro que rogamos jamais venha a tornar-se realidade.

O QUE É PREMEDITAÇÃO?

Nosso questionamento inicial refere-se ao fato de que a mídia anunciara à época que o caso Eloá fora algo premeditado. Tal ideia encontra-se sepultada logo de saída pelo fato de que a premeditação exige que o autor – no caso o jovem Lindemberg – orientasse suas ações com o único escopo de tirar a vida de Eloá, o que denotaria absoluta ausência de sentimentos dele em relação a ela. Trata-se de uma decisão consciente, de alguém que pretende fazer algo e chegar ao resultado almejado.

Não há evidências de que o jovem pretendesse realmente tirar a vida de Eloá, já que ela significava para ele um ideal de mulher, esposa e companheira que todo e qualquer jovem almeja conhecer e da vida compartilhar.

Além do mais, o jovem demonstrava um comportamento possessivo em relação à jovem, mas que segundo consta, jamais foi confrontado por qualquer membro da família. As informações que nos restam são aquelas que todos já sabiam de antemão: a família não concordava com o namoro, mas permitiu que ele prosseguisse – detalhe relevante é o de que a jovem Eloá, quando começou o dito namoro contava apenas com 12 anos! - demonstrando uma passividade inadmissível a qualquer tempo.

Não há a intenção de culpar a família pela morte da filha, mas há de se meditar sobre tal permissividade. Não se pode acolher a tese de que, mesmo sabendo dos riscos a que a filha estava exposta uma mãe deixaria que aquele namoro prosseguisse na direção incerta a que se destinava. Pensemos que, talvez, e apenas talvez, sejam mães que não sabem o papel que representam na formação de um novo indivíduo, e apenas curvam-se à vontade de uma criança (12 anos!), sujeitando-se aos riscos de uma atitude, no mínimo, questionável.

Assim é que não se pode abarcar a ideia de que Lindemberg agiu com premeditação quanto ao desfecho do caso. Certo é que se ele já demonstrava sinais de possessividade e de violência, alguém deveria ter feito algo no sentido de proteger não apenas a jovem Eloá, como também a ele próprio, já que sabemos que a paixão desmedida e o poder de um indivíduo sobre outro faz com que os comportamentos se alterem de forma desastrosa.

Até mesmo porque premeditação pressupõe um interesse escuso de ordem material mais que emocional. Acreditamos piamente que não é este o caso.

DA DEPENDÊNCIA EMOCIONAL.

Há de se observar que entre Eloá Pimentel e Lindemberg Alves estabeleceu-se o que pode ser denominado de “dependência emocional” do último em relação à primeira, vez que observa-se aqui um deslumbramento do rapaz pela jovem. Melhor explicando: acreditamos que Lindemberg sentia-se premiado pela oportunidade de ter próximo de si uma jovem bonita, inteligente e culta (tudo o que ele provavelmente achava não ser); e este oportunidade deveria ser protegida a qualquer custo.

Senão vejamos. Em excelente artigo publicado pelo especialista José Fernandes (citação ao final deste texto), evidencia-se que o jovem Lindemberg era uma pessoa incompleta, cujos traços comportamentais deixavam à mostra um indivíduo que dependia emocionalmente de sua namorada, que a certa altura não era mais apenas uma moça linda e inteligente – era a parte dele que faltava – aquilo que nos atormenta eternamente (o que nos falta carece ser complementado de alguma forma).

Perigoso é quando a afetividade se transmuta em uma necessidade imperiosa de ter o outro ao seu lado – somente para você e para mais ninguém – este sentimento de posse em relação a outro cria uma atmosfera apropriada para a paixão desenfreada que cega não apenas momentaneamente, mas em certos momentos torna o indivíduo absolutamente ausente em relação à realidade em que vive. E assim aconteceu com este jovem que sentiu-se mais uma vez abandonado quando Eloá decidiu desfazer a relação que havia entre eles.

O rompimento significava, para ele, mais que uma derrota pessoal – provavelmente uma negação de si próprio – devolvendo-o à vala comum da qual ele sempre procurara fugir para tornar-se alguém – alguém para alguém. E este alguém (de uma hora para outra) não queria mais compartilhar. Há aqui um certo tom trágico em nossa narrativa, porém gostaríamos de alertar que não se trata de uma defesa ao criminoso, mas uma digressão relativamente ao indivíduo e quais os sentimentos que orientaram uma ação que resultou na perda irreparável de uma jovem no desabrochar de sua primavera.

Qualquer defesa ou acusação cabe ao mundo do Direito Penal e não aqui nestas poucas linhas onde a pretensão é apenas e tão somente estabelecer diretrizes de análise de um crime passional que chocou todo o país – ou melhor, todo o mundo – trazendo à baila falhas e inconsistências de ordem social, psicológica e política que merecem serem estudadas à exaustão a fim de obter-se mecanismos de defesa prévia para que fatos da mesma magnitude jamais tornem a acontecer.

DA AUSÊNCIA DOS PAIS.

Na mesma vertente em análise, percebe-se que em ambos os lados houve o que podemos definir como verdadeira “orfandade fraternal”, na medida em que tanto Eloá Pimentel como Lindemberg Alves não tiveram o necessário apoio familiar para seu desenvolvimento pessoal adequado a qualquer indivíduo que nasça e cresça em sociedade.

Ambos tinham famílias desestruturadas sem uma base firme e confiável onde pudessem depositar seus anseios, sonhos e expectativas. Acho lamentável quando pais vem a público apenas afirmando que seus filhos eram pessoas maravilhosas, quando na verdade mal os conheciam.

Não queremos aqui, neste pequeno texto, desfiar comentários sobre a ausência dos pais em relação aos filhos – especialmente nos dias atuais – já que este não é o objetivo. Mas faz-se necessário aferir como esta ausência familiar incrementa ações e comportamentos indesejados e mesmo inesperados (como é o caso aqui analisado).

A presença dos pais, não apenas como meros provedores, é um elemento crucial na formação do caráter dos filhos que tem neles o mais próximo espelho em que irão mirar e orientar seus desenvolvimento pessoal. Ora, se os pais estão ausentes deixar de haver um referencial confiável que possa servir de parâmetro para o crescimento de outro indivíduo. Bem sabemos que a base que permite a solidificação de uma personalidade inicia-se no seio familiar e caso isso não possa acontecer, temos uma desagregação cujos resultados poderão ser os mais variados e imprevisíveis que se possa ter em mente.

Quando a jovem percebeu a existência de um liame emocional que a prendia a Lindemberg, decidiu cortar esse laço, deixando de procurar a devida ajuda para que isso não se tornasse um processo doloroso, tanto para ela própria como também para o seu namorado.

Veja, cabe salientar que a dependência emocional a que nos referimos precisa ser alimentada pela outra parte para que encontre terreno fértil para frutificar. E este foi o caso, embora saibamos que a jovem Eloá assim agiu de forma inconsciente, posto que não podia perceber que criara-se laços muito fortes que prendiam Lindemberg a ela com uma carga de inevitabilidade sem par. Ela não podia perceber o que estava acontecendo, já que também sabemos muito bem que os envolvidos jamais conseguem perceber o tamanho do problema em que se encontram. A melhor ajuda sempre deve vir de fora, de alguém isento que possa observar os fatos de modo isento de ânimo e que seja capaz de contribuir para que a situação não degringole para consequências nefastas.

Se de um lado temos um jovem que vem de um lar inexistente, de outro temos uma jovem imatura que criada pela mãe não recebeu uma formação adequada para compreender que o mundo não era mais um conto de fadas e que nem sempre (para não dizer, na maioria das vezes), tudo podia não acabar bem. Uma criança de 12 anos (!) pode apaixonar-se? Não queremos explorar esta seara já que o tema exigiria um cuidado mais especializado.

Bem sabemos que sempre houve um enorme interesse de pessoas mais jovens por pessoas mais velhas (e, talvez, aqui seja o caso), na medida em que há um certo gosto de proibido, de desejo oculto, de algo mais interessante que o lugar comum que seria apaixonar-se por alguém de sua idade. E neste contexto precisamos elucidar que não se trata de considerar a jovem Eloá Pimentel como uma jovem desajustada neste sentido, ou mesmo uma pessoa leviana, já que na idade em que se encontrava quando conheceu Lindemberg tais sentimentos não podiam estar sendo cultivados em seu âmago.

Apenas o interesse pelo proibido é que motiva o ser humano e mesmo que desejemos afirmar que exista uma idade certa para apaixonar-se ou para enamorar-se estaríamos, no mínimo, sendo imediatistas e pouco metodológicos. Não há qualquer base que permita alguém afirmar que uma criança de doze anos possa – ou não – apaixonar-se por alguém, embora hajam vozes dissonantes no sentido de que uma criança nesta faixa etária jamais poderia compreender o significado de uma paixão ou mesmo de um amor intenso por alguém.

Que fique aqui registrado que não há qualquer partidarismo neste aspecto: apenas a evidência fática de que uma jovem de 12 anos (!) apaixonou-se, e muito provavelmente assim agiu por absoluta ausência de orientação (em especial dentro do seio familiar, que é o melhor lugar para que dúvidas, incertezas e inseguranças sejam sanadas o mais breve possível).

A AÇÃO MIDIÁTICA DESASATROSA.

Correndo ao largo de todo esse cabedal de infortúnios temos como fato escancarado a ação inescrupulosa de uma mídia que não vê limites em sua busca insaciável por escândalos e narrativas visuais de um verdadeiro “mundo cão”; sem qualquer compromisso ético ou mesmo moral o evento do sequestro da jovem Eloá Pimentel alimentou o que acreditamos ser o primeiro evento dessa espécie a ser transmitido em tempo real, deixando inclusive que o jovem Lindemberg experimentasse a perigosa sensação de obter seus quinze minutos de fama.

Indiscutível que a mídia em geral agiu muito mal neste caso, da mesma forma que as autoridades responsáveis, que deveriam ter feito de tudo para a preservação do acontecimento, principalmente por seus possíveis desdobramentos. Tornou-se, assim, impossível um desfecho diferente daquele que temos notícia. Apenas um bando de jornalistas insaciáveis, de catadores de manchetes e de coletores de escândalos que não mediram esforços ou limites na busca do sensacionalismo barato que não leva a nada e muito menos produz uma sociedade melhor ou mais consciente de sua situação.

Que me perdoem aqueles que possam eventualmente tomar para si as dores destes comentários, mas a bem da verdade sabemos que mídia pode matar – e já o fez, bastando que nos lembremos do caso da Princesa Diane e do seu infortúnio com hora certa. Ou ainda podemos ainda evocar os fantasmas residentes no caso da Escola de Base, cujas repercussões ainda são sentidas nos dias de hoje.

Lamentável é que vivemos em um mundo moderno, cujos avanços científicos e e tecnológicos superam em muito suas próprias expectativas e que, ao mesmo tempo, cultive o sensacionalismo barato originário de páginas vazias de conteúdo, mas repletas de desgraça alheia e de comentários indevidos sobre pessoas comuns (ou não), expondo-as a um show próprio das arenas romanas, jogando-se às feras inocentes que mal sabem o que está realmente acontecendo.

Não se trata da crônica da morte anunciada, mas ao tempo em que os eventos estavam acontecendo e sendo cerceados pela mídia, a ação das autoridades policiais e demais envolvidos tornou-se extremamente comprometida, assim como os resultados desejados. Aqui não é um tribunal e não almejamos assentar no banco dos réus a mídia como única responsável pelo desfecho do caso. Alias, não acreditamos que exista um único responsável, ou mesmo alguns.

O que se tem é, ao nosso ver, uma conjugação de fatores negativos que conduziram ao final trágico em que uma jovem perdeu a vida e outro foi condenado por toda a vida. O evento em si já traz uma carga emocional extremamente danosa e assim deveria ter sido tratado por todos, posto que a banalização de um sequestro passional, onde o criminoso foi colocado em uma evidência indevida e inaceitável, colaboraram para o resultado funesto que deixou a sociedade sem saber muito bem o que pensar (se é que alguém realmente pensou profundamente sobre o assunto).

É necessário repensar-se o modo como lidamos com nossa busca ávida por escândalos e noticias indecorosas que parecem alimentar um lado negro da força que está dentro de nós, espreitando e esperando o melhor momento para mostrar suas garras. Tudo pode parecer muito triste apenas se olharmos o lado de um dos envolvidos.

Porém, quando olhamos à nossa volta percebemos que casos como esse instigam um lado que jamais desejamos deixar evidenciado para os demais. Escondemos o proibido e o escandaloso dentro de nosso inconsciente, esquecendo-nos de que há sempre a oportunidade de ocorrer uma consciência coletiva que nos remete ao espírito de manada fazendo com que sigamos rumo ao precipício, arremetendo vítimas tal qual cordeiros a serem imolados na pira de nossos próprios sacrifícios que acalmarão nossos demônios interiores (pelo menos por algum tempo).

Quiçá possamos crer que a experiência no caso Eloá traga para a mídia uma necessidade imperiosa de revisão de sua própria política de arregimentação de notícias, evitando excessos ou abusos que certamente irão desaguar em outro vale de lágrimas, risos frenéticos e dores que jamais serão totalmente curadas.

ALGUMAS REFLEXÕES NECESSÁRIAS.

Sem mais nos estendermos no tema, e sem pretender culminar com o julgamento do jovem Lindemberg que por si mesmo já é um espetáculo a parte, ensejamos tecer algumas reflexões que ficarão para o futuro (incerto e desconhecido), mas que em algum lugar encontrará a necessária ressonância para devolver à sociedade uma revisão de seus comportamentos e de seus questionamentos sobre como devemos agir frente à um evento trágico e pessoal cuja intimidade além de devassada de forma inescrupulosa, serviu de refeição para alguns poucos indivíduos que em nenhum momento deitaram reflexões sobre suas ações e sobre os atos praticados no calor e no afã de obter um sensacionalismo vazio e sem qualquer finalidade de ordem prática.

Para os pais uma reminiscencia fundamental de que devem procurar agir como tais e não como pessoas que passam pela vida procriando sem preocupar-se com os indivíduos que trazem ao mundo e de como serão eles tratados pelos demais. Cremos que o abandono familiar seja um mal crescente nos dias atuais e que ainda veremos muitos casos mais escabrosos que este aqui narrado antes que cheguemos ao meio deste novo milênio que apenas dá os primeiros sinais de vida.

Repensar conceitos e valores deveria ser uma preocupação das autoridades governamentais, que à margem de buscarem votos que permitam apenas a sua perpetuação no poder, deveriam repensar seus papéis e os resultados que pretendem para uma sociedade mais equilibrada e mais justa. De nada adianta tratarmos o dependente químico como um doente que carece de cuidados do erário publico, se não olharmos para as favelas onde milhares de crianças já nascem sem qualquer oportunidade de serem indivíduos melhores e mais reconhecidos.

De nada vale discutir-se a legalização da maconha, se não conseguimos lidar com o crime e com seus líderes que mais de uma vez já demonstraram seu poder de arregimentar milhares de indivíduos para a concretização de seus interesses que são – na maioria das vezes – confundidos com os interesses de uma oligarquia de poderosos de aldeia.

De que adianta aprisionar-se um indivíduo e deixá-lo lá à sua própria sorte, sabendo que irá sair da instituição prisional mais inadaptado do que quando nela adentrara. Lindemberg Alves é apenas um exemplo em um cabedal de desgraças cotidianas que na maioria das vezes damos as costas como fazemos nos semáforos onde pedintes clamam por dignidade e não por esmolas.

Eloá não foi a única vítima e não cremos que será a única, posto que se não aprendermos com nossos erros, então estaremos condenados a um destino de desvalorização do ser humano e banalização dos interesses escusos e sem moral estabelecidos por grupos que pretendem apenas sua conservação no poder – um poder corrompido por eles próprios e onde a jovem Eloá é apenas mais um sacrifício no altar da absoluta ausência de compromisso público com uma sociedade que não pretende olhar para dentro de si mesma, preferindo olhar para o lado (ou para o outro) preocupando-se apenas com aquilo que não lhe diz respeito no exato momento em que se torna uma desgraça coletiva.

De outro lado, devemos perceber como a dependência emocional pode ser um distúrbio social e comportamental tão grave quanto qualquer outro e que a sociedade e as autoridades devem olhar para ele de um modo diferenciado, procurando entendê-lo e assim procurar evitar que suas consequências venham mais uma vez à tona transformando todos nós em reféns de nossa própria incapacidade de lidar com tais situações.

Por fim, a mensagem mais adequada seria pensarmos que Eloá Pimentel e Lindemberg Alves foram vítimas do despreparo de todos nós em lidarmos com nossas próprias limitações, aprendendo com nossos erros e buscando incessantemente evitar que eles tornem a acontecer.

JOSÉ FERNANDES – Psicanalista, educador, palestrante, escritor, membro do Clube dos Escritores de Ipatinga (CLESI), colunista da revista O Essencial (Divinópolis - MG), da Revista Contexto (Manhuaçu - MG), do website www.portalesperafeliz.com.br e do Jornal do Vale (Carangola - MG - antiga Gazeta de Carangola - MG, desde 1917). Artigo publicado originalmente no site www.portalesperafeliz.com.br ,