O DESMANCHE PATRIMONIAL
                                                  Sérgio Martins Pandolfo* 
      Este artigo de certo modo sequencia o da semana anterior. Todos citam o Primeiro Mundo como exemplo para muitas coisas que deveriam servir de modelo para nós. No entanto, quando se trata da conservação e utilização inteligente e produtiva dos imóveis de cunho histórico ou valor cultural a maioria torce o nariz. Turistas de todo o mundo, aos milhões, vão anualmente à Europa para ver as “maravilhas da antiga”.
     O turismo é um dos itens mais importantes e representativos da economia europeia. Ninguém vai a Paris para ver os modernos e magnificentes edifícios involucrados em folhas de cristal reflexivo. Vai-se para ver o Louvre, a Torre Eiffel, o Palácio de Versalhes, o Champs Elysées, l’Opéra, as Tulhérias e que tais. Na Inglaterra a busca é pela Torre de Londres com o Big Bem, Palácio de Buckinghan, a Ponte levadiça sobre o Tâmisa e outros. O Coliseu em Roma e até as touradas em Madri são atrações que fazem com que muitos milhões de euros irriguem a economia do Velho Continente (o nome é já sugestivo) hauridos dessa indústria sem chaminés.
     No Brasil, não sabemos a razão, posto que descendemos dos portugueses, um dos povos mais ciosos de suas antanhidades, costuma-se não dar a mínima valia às belas e boas coisas de ontem. Em Belém, particularmente, esbeltos e provectos solares surgidos da lavra de mestres de inegável renome e reconhecido virtuosismo, tais o “Palacinho” e a “casa rosada” de Landi, o Mercado de São Braz de Filinto Santoro, o palacete com a vila agregada de Francisco Bolonha, o palacete Faciola, para só ficar nos mais famosos, são tidos como “casas velhas” que urge derrubar a fim de plantar logo um “arranha-céu” que, isso sim, é que é modernidade e sinal de progresso. Mesmo os espigões de concreto, passados uns tempos, não mais ficam imunes a essa danosa sina de derrubar o que é “velho”. O edifício Bern, por exemplo, nosso primeiro “risca-céu”, de elegante e primorosa arquitetura com todas as modernidades da época está desabitado há anos, saqueado e servindo como valhacouto de bandidos, drogados e casais que o utilizam como lupanar. Em condições parecidas está também o edifício do INSS, locado na esquina da avenida Nazaré com a rua Dr. Morais e quase na mesma situação de abandono o prédio do ex-IAPI, desocupado e caindo aos pedaços por dentro. E note-se que essas duas últimas edificações são já bem mais recentes.
     Agora voltam-se os arregalos do povo desta quase quatrocentona Belém, que até por isso precisa preservar seu patrimônio, para a sanha dos fariseus do bota-abaixo que pretendem desmontar e – diz-que – remontar em outro local, um conjunto precioso para nós, representativo da época da arquitetura de ferro, erigido nos albores do século passado para abrigar condignamente o porto de Belém. Querem desmanchar os armazéns de números 11 e 12 do complexo portuário da cidade (e duvidamos que os recomponham: estão aí para nos dar exemplo, enterrados no terreno do campus da UFPA, no Guamá, as peças que compunham um dos chalés de ferro de saudosa memória dos belenenses) para usarem a área usurpada como depósito de contêineres.  
    Ocorre que ditos armazéns fazem parte de um conjunto que não pode ser desmembrado, segmentado, sob pena de grave prejuízo ao patrimônio histórico da cidade. O povo desta terra precisa se levantar e reagir a fim de impedir mais esse esbulho que dirigentes forâneos, com nenhuma ligação sentimental ou tradicional com a cidade pretendem nos impor, sem sequer ouvir o que pensa a população sobre esta “má troca” de uma parte de seu valioso patrimônio por um reles depósito de contentores de mercadorias, sem falar no que a interdição do segmento fronteiriço da avenida Marechal Hermes e o fluxo aumentado de carretas causarão de agravos ao já complicado trânsito da cidade.

Na foto acima a "casa rosada", uma das obras civis do mestre boloniense Antônio Landi, que passa atualmente por minucioso processo de revivificação e restauro ad integrum, com os adereços ornamentais landianos típicos.
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*Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES/IHGP
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 17/03/2012
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