O SINAL DA CRUZ

O SINAL DA CRUZ

Eu recordo, desde criança, que meus pais iniciavam as orações domésticas dizendo “pelo sinal da Santa Cruz, livrai-nos Deus nosso Senhor dos nossos inimigos...”. Esta invocação se tornou o ponto básico da espiritualidade das famílias da minha geração.

De uns tempos para cá, os cristãos vem se mostrando indignados, especialmente no Rio Grande do Sul, com uma medida discricionária e sem o mínimo suporte legal, onde o Tribunal de Justiça do Estado fez retirar de todas as suas dependências os crucifixos. Tal medida, nada simpática, se não fosse solerte, parece, à minha visão, uma atitude de ateus, comunistas e alguns segmentos maçônicos, todos nitidamente anticristãos. A isto há que se somar, quem sabe, o lobby crescente dos gays, que inconformados com as críticas das igrejas aos “casamentos” homossexuais, partiram para a retaliação.

É salutar que se saiba e verbalize que o Brasil é um Estado Laico, mas não ateu. Aqui a democracia e a ética preconizam – embora nem todos estejam dispostos a observar – a liberdade de expressão e de culto religioso. Há uns quinze anos, a Prefeitura de Porto Alegre erigiu, no bairro Ipanema, às margens do Guaíba a estátua de uma “orixá” (Oxum) que é reverenciada pelos umbandistas e candomblecistas da Capital. Foi uma obra construída com dinheiro público e ninguém reclamou. Afinal, todos tem o direito de cultuar sua religião.

No entanto, olhando bem, eu até concordo em parte com a medida tomada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Tem mesmo que tirar os crucifixos, não só dos tribunais, mas também das repartições públicas, dos bancos e algumas empresas particulares, empreiteiras, das clínicas que não tem compromisso com a vida e até algumas escolas. Acho que nesses locais não pode haver a imagem de Cristo. Sua entrega na cruz foi um gesto de libertação, de fidelidade ao projeto redentor e, sobretudo, de uma partilha solidária que boa parte do mundo se esqueceu.

Como pendurar uma cruz num local onde, via-de-regra, não se pratica a justiça? É possível decorar a parede de uma repartição pública onde a ética escapuliu pelo esgoto? Não se deve expor o Ressuscitado a um ambiente de negociatas, exploração do povo e aviltamento da de mão-de-obra, etc. Para que uma cruz em uma sala de aula que há muito deixou de ensinar os verdadeiros valores? É como querer que Cristo se faça presente no quarto de um casal infiel. É uma afronta ao crucifixo com Aquele que veio libertar, em certos locais onde a liberdade e a dignidade humana não são preservadas.

Pois olhando tudo isto, eu concordo com a retirada dos crucifixos de muitos lugares públicos, para que a imagem e o sinal do Salvador não sejam profanados pela impureza de tantos ambientes.

O autor é Filósofo, Escritor e Doutor em Teologia Moral