MOTORISTAS BÊBADOS E SUAS VÍTIMAS

Estudos científicos comprovam que o álcool destrói células do cérebro e essas não são repostas. Também se sabe que qualquer quantidade de álcool queima neurônios, comprometendo para sempre a capacidade de raciocínio do indivíduo. E, quanto maior o consumo de álcool, mais acelera o processo de degeneração do cérebro, tornando-o incapaz de delibera-se.

Obviamente que, se a célula normalmente morre após dividir-se em duas e formar uma célula para substituí-la (e por isso o corpo se mantém saudável, funcionando e vivo), morrendo a célula mãe, por causa do álcool, antes de produzir a substituta, a nova célula jamais existirá para ocupar o lugar da célula morta. Assim, a capacidade cognitiva e deliberativa da pessoa torna-se cada vez mais inapta e não se recupera.

Como amigo de Alcoólicos Anônimos tenho aprendido que um alcoólatra (alguém que consome álcool com freqüência, seja diária ou semanal) é alguém que perdeu o controle de toda sua vida, tornou-se impotente perante o álcool. Admitir essa impotência perante o álcool é justamente o primeiro passo para a recuperação. Todavia, a impotência do alcoólatra é tão grande que ele é impotente até para admitir sua impotência. Sem o auxílio da família e circunstâncias ele jamais será capaz de admitir sua impotência perante o álcool. Muitos até admitem que bebem demais, mas, tão logo conseguem ficar algum tempo sem beber, acham-se perfeitamente habilitados para administrar a bebida. Então recaem e bebem muito mais do que antes, prova cabal da incapacidade do alcoólatra de decidir alguma coisa quanto a não beber.

Sob efeito de álcool, qualquer pessoa é incapaz de raciocínio lógico e deliberação coerente quanto a qualquer coisa, seja quanto a tomar o último gole, ou quanto a cumprir responsabilidade para com quem quer que seja e para com suas obrigações civis. Uma pessoa alcoolizada somente seguirá seus impulsos. Todavia, a incapacidade do alcoólatra não começa após ele ter bebido. Justamente por sua incapacidade de deliberar-se coerentemente é que ele bebeu. Se ele tivesse controle sobre qualquer coisa enquanto não bêbado, ele não beberia.

Sem um prolongado período de desintoxicação nenhum alcoólatra é capaz de perfeito raciocínio e deliberação coerente, não sendo jamais capaz de decidir não beber. Mesmo depois de recuperado, sua capacidade de raciocínio jamais será como antes. Ou seja, enquanto na ativa, mesmo que o alcoólatra tome seu carro sem efeito de bebida, decidido verdadeiramente a não beber, quando surgir a oportunidade ele não será capaz de manter a decisão, pois tornou-se um escravo de seu desejo de beber e isto é mais forte que ele. Na verdade, mesmo que não surja oportunidade, seu desejo de beber irá vencendo a batalha entre sua razão e impulso a medida que o tempo for passando e em poucas horas ele já terá jogado sua determinação para o alto. De qualquer maneira, se a pessoa é alcoólatra, antes de pegar o carro e assumir o risco de beber e dirigir bêbado matando alguém ele já não tem capacidade de decidir não pegar o carro, pois, embora esteja ainda são, sua mente adoecida não lhe permite concretizar esses riscos e aquilatá-los perfeitamente, ainda enganando-o com a ilusão de que dessa vez conseguirá não beber e, se beber, beberá somente o que não comprometerá sua capacidade motora e racional.

Uma pessoa que não consegue não beber não é um sem vergonha, é alguém adoecido e incapacitado. Para conseguir ficar sem beber, somente com muita ajuda, sendo a principal delas o total afastamento do álcool, carecendo isso da compreensão e cooperação de todos os familiares e amigos. Entretanto, há quem reclame do marido, do pai, do irmão, do vizinho bêbado, mas defenda ainda assim o consumo de álcool. A maioria das pessoas bebe juntamente com o alcoolista e depois censura seu exagero e a chateação que promove. Muitos parentes de vítimas de motoristas bêbados bebem e estimulam o consumo de bebida, defendendo que se a pessoa beber controladamente não produzirá desgraças. Entretanto, esperar que alcoólatra tenha controle sobre a bebida ou que decida não pegar seu carro quando for beber é como “amarrar o cachorro com lingüiça”. Os bares onde os alcoolistas bebem antes de pegar o carro e matar alguém estão cheios de pessoas bebendo e, embora a maioria delas jamais matará enquanto bêbadas, elas são um estímulo ao alcoolista que, vendo-as bebendo, não vêm razão para não beber também.

A mente do alcoólatra está danificada. Se ele se visse sozinho a beber, isso seria uma censura permanente a sua atitude de beber. Jamais conseguiria beber sem se sentir fora do lugar comum. Ainda assim, muitos beberiam. Todavia, bêbados não se sentem a vontade para beber onde as pessoas não bebem e se ele bebe na casa de alguém que não bebe logo é censurado. Por isto, em regra, pessoas que bebem não gostam de frequentar casas de pessoas que não bebem. Não obstante a mente do alcoólatra estar danificada e interpretar a maioria das coisas mal, as pessoas bebem, inclusive em sua frente, e não são censuradas. Com que lógica querem censurá-lo por beber e impedir que beba? Todos são muito havidos em determinar que o ditado “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” não funciona quando quarem censurar os políticos ou os pastores imorais, mas se esquecem de dar o exemplo quando o assunto é bebida alcoólica. Sendo assim, todos cooperam para que o viciado em álcool quebre a todo tempo qualquer propósito que tome contra a bebida. E, embora digam que a propaganda não obriga a pessoa a beber, ela estimula, o bar aberto estimula, os familiares bebendo estimulam e justamente o alcoolista está incapacitado de vencer todo esse estímulo e as pessoas não pensam nisso.

Portanto, quando reclamamos rigidez para com os motoristas bêbados que se tornaram assassinos, somos hipócritas, pois os não alcoólatras é que têm capacidade de raciocínio e deliberação e eles é que deveriam desestimular o consumo de álcool, seu comércio e produção, não posar de vítimas da ago do qual são tão culpados ou mais. Ao contrário, porém, não alcoólatras são as esposas e parentes de bêbados que não vêm mal em beber um pouco, os donos de bar e festas que vendem bebidas, bem como os fabricantes e distribuidores, sem contar aqueles que ganham dinheiro com sua propaganda. Todos esses têm o sangue das vítimas do álcool em suas mãos. Também não são alcoólatras (ao menos se presume) os legisladores, promotores de justiça e juízes que enquadram como homicídio culposo o motorista alcoolizado que atropela e mata, pois, embora digam que assumiu o risco ao dirigir bêbado, como já disse, estudos comprovam que pessoa com problema de alcoolismo não tem condições de assumir nada que esteja relacionado a bebida alcoólica mesmo quando ainda não está sob efeito de álcool, quanto menos após ter bebido. Sendo assim, “os cabeças” da sociedade estão agir como o pai que põe o filho de três anos a dirigir e depois declara que não sabe como a criança se meteu num temendo acidente de trânsito.

O problema de morte no trânsito por motoristas embriagados jamais terá fim enquanto a bebida não for encarada como danosa, enquanto a maioria da sociedade acariciar e tolerar a bebida alcoólica como divertimento inocente, enquanto pessoas não alcoolizadas entrarem em carros de bêbados que teimam em dirigir. Milhares de motoristas serão presos, mas muitos outros virão a dirigir alcoolizados. Quem estimula o alcoolismo precisa ser solidário com o alcoólatra também na hora de sofrer punição.

Pessoas que bebem devem ser logo desabilitadas, antes ainda de matar. E a desabilitação dos alcoólatras deve dar-se ainda antes de sua habilitação, a qualquer momento que for flagrado a dirigir alcoolizado e na hora da renovação. Para tal, deve ser exigindo exame de sangue na hora de fazer a arteira. E assim, os não alcoolistas estarão mostrando que ainda não perderam sua capacidade de raciocínio e diminuiremos um pouco o morticínio de pessoas inocentes.

Wilson do Amaral