Você deve ir ao analista

VOCÊ DEVE IR AO ANALISTA!

Não são raras as ocasiões em que alguém diz para alguém próximo, familiar, cônjuge, filho, amigo, “Você deve ir ao analista!”, “vá se tratar!” ou “você tem sérios problemas...”. Às vezes, para tantos conselheiros, caberia o ditado “médico, cura-te a ti mesmo!”.

Durante minha vida profissional, no terreno dos recursos humanos, lidei muito com a AT (Análise Transacional) que estuda e analisa as trocas de estímulos e respostas, ou transações entre indivíduos de um mesmo grupo social. O nome original do método é Transactional Analysis. Os pressupostos básicos foram escritos por Claude Steiner (in: Os Papéis que Vivemos na Vida), e são:

1. Todos nascemos; isto é, com potencial para viver, pensar,

desfrutar;

2. Todas as doenças são curáveis, desde que se encontre a

abordagem adequada e o doente queira se curar.

Estes dizeres levam a crer que a AT diferencia caráter e personalidade. O caráter refere-se as tendências que trazemos, como por exemplo, tendência para a lealdade, passividade, alcoolismo, rebeldia (genética – gestação – parto e desenvolvimento neuromotor). Já a personalidade constitui-se na educação e sociedade, daquilo que provém do meio externo, ou seja, das informações de pais, professores, religião, cultura. Parece claro que a personalidade baseia-se também no caráter, mas não o inverso.

Deste modo, a análise transacional é um estudo psicodinâmico e também sociológico, enfatizando que a pessoa pode modificar seus sentimentos, pensamentos e escolhas pelo autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Esta possibilidade é enfatizada em sua teoria básica, vinda de E. Berne, que são: a) estados de ego; b) transações; c) posição existencial e d) roteiro de vida (In: Games people play). Nem o caráter, nem a personalidade devem coibir a autonomia possível do ser humano. Para os analistas transacionais, portanto, o ser humano carrega em si a capacidade criativa, e fazendo-se uma metáfora, comparado a uma árvore, seria a seiva que passa pelo seu interior construtiva, a forma de seu tronco seria a personalidade e a madeira que constitui essa forma seria o caráter.

Traduzindo: esta essência boa refere-se à capacidade de viver e ser feliz independente de suas limitações biológicas, culturais e de educação. Assim, caráter + personalidade = formação. Em sua conclusão, a AT ajuda a encontrar aquilo que Viktor Frankl chamou de o “sentido da vida” de cada um.

Nesse aspecto, a análise transacional identifica três estágios de ego correspondentes que existem em cada um, onde há simultaneamente o pai adulto e criança. A análise transacional é uma das poucas abordagens da psicologia que fala de maneira científica sobre o amor, a partir de seus pressupostos (Steiner) e pelo instrumento chamado carícias: são estímulos dirigidos que transmitem aceitação incondicional (pelo que a pessoa é) e condicional (pelo que a pessoa faz ou tem). Carícias são estímulos sociais dirigidos de um ser vivo a outro, o qual, por sua vez, reconhece a existência daquele (Kertész). Os três estágios são:

 Estado de Ego Pai - Exteropsiquê (formada a partir da influência de pais e familiares) É o reservatório de normas e valores, de conceitos e modelos de conduta, surge no indivíduo por volta dos 3 anos de idade e suas principais fontes são os pais, (ou substitutos) e outros familiares e pessoas que convivam com a criança e tenham uma figura de autoridade e importância na vida dela. Está sujeito a influências culturais e impõe à pessoa ações, regras e programas de conduta.

 Estado de Ego Adulto - Neopsiquê (aquisição de informações, contato objetivo com a realidade). É a parte da personalidade do indivíduo que recebe informações de fora para dentro, as analisa, as compara e toma decisões baseado no seu banco de dados. É a parte racional do ser humano, que adquire conceitos pensados da vida desprovidos de influências sentimentais. Seria segundo Kertész, o hemisfério esquerdo do cérebro, nos destros. Sua função básica é trabalhar, estudar e operacionar.

 Estado de Ego Criança - Arqueopsiquê (processos fisiológicos, experiências desde o nascimento, pensamento mágico, emoções, adaptações). Esse estado surge logo que o indivíduo nasce. É o primeiro estado de ego a emergir no ser humano e representa as emoções básicas como alegria, amor, prazer, tristeza, raiva e medo. Esta é a parte mais autêntica do ser humano e também a mais reprimida pela educação. Segundo Kertész (1977) é representada pelo hemisfério direito do cérebro dos destros, hemisfério esse que processa os sonhos, as imagens, estimulado quando se usa a criatividade e a arte.

Esses estágios quando mal resolvidos revelam as márcaras que usamos, e que são capazes criar mecanismos com que sabotamos inconscientemente nossos projetos de felicidade.

O ser humano, por incompleto e permanentemente carente, tem necessidade de carícias assim como tem necessidade de alimento. Isso pode ser observado nos bebês. Muitas pesquisas já provaram que o contato físico dos bebês com a mãe ou com quem os alimenta é de importância vital para sua sobrevivência e futura estabillidade emocional. A criança que não recebe carinho ou o recebe de forma imperfeita se torna um indivíduo embrutecido.

Neste ponto o psicanalista canadense Eric Berne († 1970) teve grande influência na psicanálise, quando sugeriu o contato físico dos bebês com suas mães como algo prazeroso e gratificante, algo semelhante ao prazer sexual sugerido por Freud. É Berne (1962) quem sugere as quatro "fomes" vitais:

 Fome de estímulo: De onde provém os estímulos sensoriais

da visão, da audição, do tato, olfato e paladar;

 Fome de reconhecimento: Onde os atos ou palavras são

estímulos especiais para o comportamento;

 Fome de contato: Nesta categoria encontra-se a carícia

física propriamente dita, não necessariamente apenas

aquelas agradáveis, mas também a própria dor é considerada

uma fome de contato;

 Fome sexual: De onde pode-se saciar todas as outras

fomes.

Deste modo, sempre que alguém diz a uma pessoa próxima, especialmente do grupo familiar, “Você deve ir ao analista!”, “vá se tratar!” ou “você tem sérios problemas...” seguramente essa pessoa, que está dando esse “sábio conselho” pre-cisa igualmente se submeter também à mesma terapia. Quando é detectada a ne-cessidade de tratamento psíquico a um membro do grupo, especialmente familiar ou organizacional, por certo todo o grupo está doente e precisando de tratamento conjunto especializado.

Doutor em Teologia Moral, Filósofo com especialização em Filosofia Clinica.