VINGANÇA - UM SENTIMENTO MÓRBIDO
 




Apesar de quase não assistir televisão, sei que a atual novela das nove está dando ênfase a algo extremamente mórbido, que vem a ser a vingança. Não é a primeira vez que a vingança é pano de fundo para uma obra de ficção. Até o compositor Lupiscínio Rodrigues rendeu-se ao tema, e um de seus maiores sucessos foi inspirado em uma decepção amorosa. O nome da decepção era Mercedes, que pensou em traí-lo com um empregado de Lupiscínio, mas o rapaz, com medo, entregou ao compositor o bilhete de Mercedes. Após o rompimento, ele compôs o grande clássico da MPB, ao qual deu o nome de “Vingança”. Um trecho diz assim: “Mas, enquanto houver força em meu peito, eu não quero mais nada, só vingança, vingança, vingança, aos santos clamar, ela há de rolar como as pedras, que rolam na estrada, sem ter nunca um cantinho de seu, pra poder descansar”.
 
                O professor de Filosofia da Universidade Católica de Santos, Fábio Maimone, destaca que “no âmbito individual, a vingança é caracterizada como revanchismo, como a Lei de Tailão, conhecida como olho por olho, dente por dente”. Já no aspecto coletivo, é vista como uma lei natural. “O Estado tem o papel de vingar o indivíduo com a Justiça. Também há o Estado Divino, ou seja, a Justiça de Deus”.
 
                Até que ponto o desejo por vingança é normal? A psicóloga Mirnamar Pagliuso explica que o anseio por vingança é inerente: “Faz parte da natureza humana. Quando somos lesados, nos sentimos destruídos. Por isso, temos o instinto de querer destruir quem nos prejudicou. O limiar entre o plausível e o anormal é a forma como a pessoa expressa este desejo de reparação”. Ela destaca que o sentimento de vingança não é fruto exclusivo de traições ou decepções amorosas ou ainda, desafetos familiares. Assédio moral no trabalho ou o tal bullying são outros exemplos.
 
                “Quando as pessoas arquitetam planos de vingança, com certos requintes de crueldade (física ou moral) já se caracterizam quadros de transtorno de personalidade”, assinala o psiquiatra Miguel Ximenes de Rezende, que acrescenta: “O que caracteriza um quadro de transtorno de personalidade é justamente a pessoa alimentar esse sentimento e planejar friamente como vai colocá-lo em prática”.
 
                Existem 12 tipos de transtornos de personalidade, e o que mais se associa à vingança é a paranoia. “A falta de remorso e a frieza com que uma pessoa executa o seu plano de vingança são sinais de transtorno de personalidade paranoica”, explica o médico. “A obsessão por vingança figura em outros tipos de desvios de conduta, entre eles o transtorno antissocial da personalidade, atribuído aos sociopatas”, completa.
               
                O tratamento é realizado à base de medicação associada à psicoterapia, dependendo do grau de intensidade do problema. “Procuramos amenizar a forma de como a pessoa vai manifestar o seu desejo por vingança, por meio da estabilização da ansiedade e do humor. Já a terapia visa o seu amadurecimento”, explica o psiquiatra.
 
                O médico e a psicóloga concordam que os sinais que diferem um sentimento de vingança natural de uma obsessão por reparação, são latentes. “Apenas desejar ou revidar uma ofensa é uma defesa natural do ser humano. Mas se este anseio ou prática for recorrente, é indicado buscar ajuda de um profissional especializado”, finaliza Mirnamar.
 
                Algumas palavras ditas por grandes filósofos sobre a vingança merecem ser rememoradas neste texto.
 
1.       A vingança é uma espécie de justiça selvagem. (Francis Bacon, filósofo ensaísta e político inglês)
2.       A vingança é uma reação colérica frente ao prejuízo deliberado de uma pessoa sobre a outra. (Aristóteles, filósofo grego)
3.       A vingança não vai reduzir ou prevenir o mal, porque ele já aconteceu. (Dalai Lama, monge e líder religioso do Tibet)
4.       É melhor perdoar do que vingar-se, porque à vingança segue-se sempre o arrependimento. (Confúcio, sábio chinês)
5.       A justiça humana é sempre frágil e imperfeita, porque exposta como tal às limitações e aos egoísmos pessoais e de grupo, ela deve ser exercida e de certa maneira completada com o perdão que cura as feridas e restabelece em profundidade as relações humanas transtornadas. (Trecho da mensagem do papa João Paulo II, proferida em 8 de dezembro de 2001 – Dia Mundial da Paz)
 
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