Alerta ao falar ou escrever

Prólogo

Liminarmente é por dever vocacional que dou um alerta: Este texto não é (foi) escrito para o povão, para os mais simples, para adolescentes ou os que se comportam como tais! Faço-o para os que se dizem (Não é o meu caso) bons no que pensam, falam e escrevem.

Há um axioma que preestabelece, entre outras palavras: “Se o falar é de prata o silêncio é de ouro”. Há ocasiões em que o silêncio de uma pessoa torna-se mais sábio do que qualquer palavra que poderia ser pronunciada.

Dentro de uma sinagoga, na hora da prece, numa biblioteca, durante a fala de uma autoridade, numa audiência, calamos. Evitamos conversas e nos concentramos no serviço a Deus ou ficamos atentos às palavras de quem detém essa beatitude, a palavra. Esse silêncio em relação ao meio que nos cerca acaba tornando-se um momento de profunda reflexão e autoconhecimento em busca de nossa própria essência.

Além disto, o espaço reservado às preces, desta forma cumpre seu verdadeiro papel: tornar-se um recipiente de bênçãos e de sabedoria quando escutamos o sapiente discurso de quem detém a fala (Juiz, Promotor, Advogado, Líder Religioso, alguém mais experiente etc.).

“Você jamais terá de explicar alguma coisa que não disse” (Citação). Isso mesmo: Uma pessoa madura reflete antes de falar; um tolo fala, e então, depois de certa pressão, do subconsciente ou de outrem reflete sobre aquilo que disse. Certamente dar mão à palmatória, depois de constatar ter falado mais do que devia, será a melhor regra do bom senso.

EXPLICANDO MELHOR O FALAR OU ESCREVER

O Dicionário Aurélio explica sobre a palavra pleonasmo:

1. É um substantivo masculino. Uso repetitivo de um conceito ou redundância de um termo, que, se não for vicioso, pode intensificar a força expressiva do discurso [p.ex.: principal protagonista, monopólio exclusivo]

2. Excesso de palavras para expressar um ideia; CIRCUNLÓQUIO

3. Qualidade do que é supérfluo; INUTILIDADE; SUPERFLUIDADE

[F.: Do lat. tard. pleonasmus. Cf.: tautologia]

Trata-se de uma redundância de termos que em certos casos tem emprego legítimo, para conferir à expressão mais vigor, ou clareza. Ex.: “Vi com estes olhos que a terra há de comer.”. Termo genérico, que tanto pode adornar a linguagem, como torná-la feia e sem encanto.

No primeiro caso, em que se busca dar força à expressão, chama-se pleonasmo de estilo. Ex.: "Vi com meus próprios olhos". No segundo caso, caracteriza vício da linguagem e chama-se pleonasmo vicioso, porquanto, longe de enfeitar o estilo, apenas repete (redunda) desnecessariamente ideia já referida. Ex.: "Subir para cima". Ora, ninguém, por mais capaz que seja poderá subir para baixo ou para os lados!

A expressão com pleonasmo de estilo trata-se de construção irrepreensível, porque "o pleonasmo deixa de considerar-se vício para classificar-se como figura desde que, sem tornar deselegante a frase, contribua para dar maior relevo à ideia".

Quanto à Tautologia (de tautos, em grego, que exprime a ideia de mesmo, de idêntico), trata-se de outra denominação que recebe o pleonasmo vicioso e se caracteriza pela seguida repetição, por meio de palavras diferentes, de um pensamento anteriormente enunciado, baseando-se "no desconhecimento da verdadeira significação dos termos empregados, provocando redundância ou condenável demasia verbal".

Além dos lapsos mais comuns nesse campo (subir para cima, descer para baixo, entrar para dentro, sair para fora, menino homem.) e verificáveis até com perfunctório cuidado, há outros de identificação mais difícil, mas que, de igual modo, devem ser evitados, ainda que à custa de maior atenção:

Breve alocução (alocução já significa um discurso breve), monopólio exclusivo (está ínsita em monopólio a ideia de exclusividade), principal protagonista (protagonista já é o personagem principal), manusear com as mãos (manusear já tem por radical, em latim, a ideia de atuar com as mãos), preparar de antemão (por força do prefixo latino “pre”, preparar já tem em si a ideia de anterioridade), prosseguir adiante (não há como prosseguir para trás, já que o prefixo latino “pro” tem o significado de movimento para a frente), prever antes (por força do prefixo latino “pré”, significando anterioridade, prever depois não é prever), prevenir antecipadamente (o prefixo latino “pre” já traz em si a ideia de anterioridade), repetir de novo (em razão do prefixo latino “re”, repetir já significa atuar de novo), boato falso (boato já significa um relato sem correspondência com a verdade).

Os diletos e notáveis leitores sabem que há muitos outros pleonasmos viciosos (condenáveis no falar e mais ainda no escrever), como escrevo abaixo na razoável lista que se segue:

Elo de ligação, encarar de frente, acabamento final, multidão de pessoas, certeza absoluta, amanhecer o dia, quantia exata, criação nova, nos dias 8, 9 e 10, inclusive, retornar de novo, juntamente com, empréstimo temporário, expressamente proibido, surpresa inesperada, em duas metades iguais, escolha opcional, sintomas indicativos, planejar antecipadamente, há anos atrás, abertura inaugural, vereador da cidade, continua a permanecer, outra alternativa, a última versão definitiva, detalhes minuciosos, possivelmente poderá ocorrer, a razão é porque, comparecer em pessoa, anexo junto à carta, gritar bem alto, de sua livre escolha, propriedade característica, superávit positivo, demasiadamente excessivo, todos foram unânimes, a seu critério pessoal, conviver junto, check-up geral, exceder em muito, fato real etc.

Note o dileto leitor que todas as repetições acima elencadas são dispensáveis. Falar e/ou escrever as supracitadas expressões é como enxugar gelo com o agravante da perda da boa fala ou escrita. Observemos as explicações:

'surpresa inesperada'. Existe alguma surpresa esperada? É óbvio que não. Há elo que não seja de ligação? Quem sabe? Talvez uma argola sirva para esse amalgamar de palavras que sobejam. Devemos evitar o uso das repetições desnecessárias. Fique atento às expressões que utiliza no seu cotidiano. Verifique se não está caindo nesta armadilha.

Claro que nem sempre é fácil identificar tautologias, quer por desconhecimento do real significado das palavras, quer porque há expressões que estão enraizadas no uso (linguagem coloquial) e são de difícil expurgo, dai o tema deste insólito escrito "Alerta ao falar ou escrever".

Em caso de dúvida por que não cunsultar um bom dicionário? Essa obra que reúne, em ordem alfabética, as palavras de uma língua ou termos referentes a uma matéria específica, e descreve seu significado, uso, etimologia etc., tem essa finalidade. Não há nenhum demérito fazer uma consulta com o propósito de escrever correto e saber o significado de tal ou quais palavras. Faço isso sempre que o vírus da dúvida se instala de maneira sub-reptícia em meu consciente.

PLEONASMO: VÍCIO OU ESTILO?

Vasculhando na Web encontrei um trabalho excepcional escrito por Thaís Nicoleti de Camargo. Ela é consultora de língua portuguesa da Folha e apresentadora das aulas de gramática do programa "Vestibulando" da TV Cultura.

Eis o que essa eminente estudiosa de nosso idioma escreveu, com muita propriedade, sobre o pleonasmo:

TEXTO TAL QUAL FOI ESCRITO

“Não é raro ouvirmos que alguém "subiu lá em cima" ou "saiu lá fora". Certamente, reconhecemos tais formas como viciosas, e, muitas vezes, elas se transformam em motivo de riso. No nível culto da língua, são inadmissíveis. Que pensar de alguém que tenha sofrido uma "hemorragia de sangue" ou participado de um "plebiscito popular"? A esse tipo de construção chamamos pleonasmo, palavra grega que significa superabundância.

Quantas vezes já ouvimos alguém dizer que houve um "consenso geral"? Ora, consenso é a opinião geral. É o mesmo problema que ocorre com a "opinião individual de cada um" e com a "unanimidade de todos". "Encarar cara a cara", "repetir de novo", "enfrentar de frente" são tão redundantes quanto o "erário público" e o "vereador municipal".

Se esses pleonasmos beiram o ridículo, outros há no idioma perfeitamente aceitáveis. São comuns, em bons escritores, construções com duplo objeto, de grande poder expressivo. Em uma frase como: "A carta, não a recebi", o objeto direto é anteposto (a carta) e repetido depois como pronome oblíquo ("a"). A este chamamos objeto direto pleonástico. A frase ficou muito mais enfática que: "Não recebi a carta".

Quem já não ouviu falar que alguém "viveu uma vida de cão" ou "dormiu o sono dos justos"? Nessas frases, ocorre o que se conhece, gramaticalmente, como objeto direto interno. Um verbo intransitivo adquire transitividade e tem o seu objeto direto representado por um núcleo semanticamente ligado a ele, acrescido de um qualificativo. O uso do adjetivo ou da locução adjetiva torna único aquilo que pareceria óbvio.

Há outras construções pleonásticas também aceitas, como é o caso da dupla negativa, em frases do tipo: "Não disse nada" ou "Não havia nenhuma pessoa lá". Mais elegantes, entretanto, soam as formas: "Nada disse" ou "Não havia pessoa alguma lá". Note que o pronome indefinido "algum", posposto ao substantivo, assume valor negativo.

Como você pode perceber, nem sempre o pleonasmo é um vício de linguagem. Vezes há em que é um poderoso recurso de estilo. No belo "Soneto da Fidelidade", diz Vinicius de Morais: "De tudo, ao meu amor serei atento/ Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto/ (...) E em seu louvor hei de espalhar meu canto/ E rir meu riso e derramar meu pranto (...)".

Em Manuel Bandeira, no "Poema Só para Jaime Ovalle", lemos: "Chovia uma triste chuva de resignação". O limite entre o "defeito" e o estilo pode parecer tênue. Mas, com um pouco de sensibilidade, fica fácil distinguir um do outro.”

MINHA CONCLUSÃO

Quando escrevi e publiquei aqui no Recanto das Letras o texto “DÚVIDAS DE PORTUGUÊS, em três fases, cujos links são:

Dúvidas de Português – 1ª Fase: http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/3847333

Dúvidas de Português – 2ª Fase: http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/3849951

Dúvidas de Português – 3ª Fase: http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/3853017

Fiz questão de escrever um axioma:

“O poeta alemão Goethe dizia com muita propriedade: “Com o conhecimento nossas dúvidas aumentam.”. Alguém de sã consciência duvida disso? Eu nunca duvidei! Todos nós continuaremos cheios de dúvidas e por isso incito a todos para adquirirem o gosto pela pesquisa e estudo sem esmorecimento.”.

Também naquela ocasião escrevi ciente de estar cumprindo minha obrigação por força da formação familiar e social:

“(...) apraz-me em poder colaborar para que todos os interessados tenham um motivo a mais para refinar seus conhecimentos adquiridos nos bancos escolares. Sem qualquer intenção de fazer literatura, desejo apenas prender o leitor a minha fidedigna forma de ensinar e estimular um aprendizado segundo as necessidades de cada um. (...).

No prólogo deste texto escrevi: “Este texto não é (foi) escrito para o povão, para os mais simples, para os adolescentes ou os que se comportam como tais!”.

Explico que o povão, os mais simples, os adolescentes e assemelhados não se preocupam (e não poderia ser diferente) com o que dizem ou escrevem porque a linguagem coloquial é a tônica (PARA ELES). É o ponto de destaque, de maior ênfase quando se debate sobre determinado assunto. Não há o compromisso de falar ou escrever utilizando-se de uma linguagem formal.

Todavia, os diletos leitores, mais esclarecidos, assim como os que fazem do idioma pátrio sua ferramenta principal de trabalho deverão estar sempre alerta ao falar e/ou escrever. Tudo com o fim de evitar a galhofa dos seus pares e, o que será pior, tornar nebulosa ou incompreensível a tentativa de uma comunicação.

RESUMO DE MINHA CONCLUSÃO

Lado a Lado é uma telenovela brasileira produzida pela Rede Globo, e exibida desde 10 de setembro de 2012, substituindo Amor Eterno Amor. Escrita por João Ximenes Braga e Claudia Lage, com supervisão de texto de Gilberto Braga, direção de núcleo de Dennis Carvalho e direção geral de Vinícius Coimbra.

Eu recomendo a trama que discorre com garbo sobre o começo da República, o surgimento do samba, a chegada do futebol ao Brasil, o fim dos cortiços, o início das favelas cariocas no início do século XX. Recomendo sobremaneira por trazer como tema principal o nascimento da mulher moderna, guerreira, altiva e sobranceira na sociedade ainda machista brasileira. As cenas iniciais foram gravadas em São Luís do Maranhão.

O elenco da novela em comento é especialíssimo. Todavia, no 6º capítulo que foi ao ar na data de hoje, sábado (15/09/2012), quem assistiu viu e ouviu um erro crasso na fala da personagem Celinha (Isabela Garcia) quando foi visitar Laura (Marjorie Dias de Oliveira/“Marjorie Estiano”) acompanhada de Constância (Patrícia Pilar).

Na ocasião Celinha disse: “Viemos para consolar as duas (...)”. Ora, Celinha e Constância são aristocratas! Muito embora saibamos que o povão fala assim... Celinha, pelo personagem representado (posição social elevada), NÃO PODERIA de modo algum cometer tão grosseiro erro.

EXPLICANDO O ERRO DA PERSONAGEM CELINHA

Celinha (Isabela Garcia) e Constância (Patrícia Pilar) estavam visitando Laura (Marjorie Estiano). Portanto, Celinha deveria dizer: “Vimos para consolarmos as duas...” (Presente do Indicativo do verbo vir) e NÃO “Viemos para consolar as duas” (Pretérito Perfeito do verbo vir). Na fala da personagem Celinha houve erro no tempo verbal e na concordância.

Essa situação melhor ficará compreendida com outro exemplo que conto em forma de uma breve narrativa: Um grupo de estudantes dirigiu-se a uma biblioteca pública com o fim de realizar uma pesquisa. Na ocasião a líder do grupo e estagiária considerada a mais desembaraçada disse, dirigindo-se à bibliotecária:

“Nós viemos aqui para realizarmos uma pesquisa”. Imediatamente a responsável pela biblioteca perguntou: “Quando?”. Na fala da líder do grupo de estudantes houve equivoco causador de interpretação dúbia: A concordância e o tempo verbal errados motivou a pergunta espantosa da bibliotecária.

Claro que a bibliotecária teria que perguntar desse modo e sem o leve sorriso que caracteriza o escárnio. A líder do grupo NÃO SE COMUNICOU! Referia-se a uma situação no pretérito, quando se encontrava no presente. O grupo de estudantes não visitara a biblioteca noutra ocasião ou talvez houvesse visitado e a bibliotecária não se recordara. Dai a pergunta de repente: "Quando?".

No caso da novela... Sei (Sabemos): Trata-se apenas de mais um divertimento ou passatempo antes da taça de vinho e do jantar. Todavia, é por essa razão e outros milhões de motivos que todos nós devemos nos cuidar e ficarmos alertas ao falar e mais ainda ao escrever.

Lembremo-nos sempre: Na linguagem coloquial podemos cometer algumas barbeiragens linguisticas, dar risadas e provocar risos, mas numa prova discursiva ficará para trás aquele (a) candidato (a) que menos pontuar.

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NOTAS REFERENCIADAS

– Trabalho de Thaís Nicoleti de Camargo – Thaís é consultora de língua portuguesa da Folha e apresentadora das aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura;

– Trabalho de Ana A.S.César;

– Trabalho e considerações sobre o silêncio do Rabino Yitzchak Ginsburgh;

– Textos do Autor (Dúvidas de Português – Fases: 1ª a 3ª), Papéis avulsos e outros rabiscos do Autor.