Amante Argentina

AMANTE ARGENTINA

Meu pai, João Manoel, embora fosse engenheiro, era um filósofo, frasista, capaz de produzir sentenças que até hoje não consegui reproduzir todas. São dele algumas pérolas como “pelo tamanho do buquê se mede a dimensão do remorso”, “quem viaja e leva mulher, gasta o dobro e se diverte a metade” ou “em café de louco não precisa muito açúcar”.

Ele usava a metáfora da “amante argentina” para caracterizar situações enganosas que no princípio são boas e depois se caracterizam verdadeiros desastres. Acho que se referia à situação de um colega dele que arrumou uma argentina, loura, alta, voluptuosa, voz rouca, belíssima, por quem se apaixonou perdidamente. A mulher gostava de, depois das amenidades do amor, comer morangos caramelados e beber champanhe (Veuve Clicquot ou Don Perignon), não repetia a mesma roupa num período de trinta dias, e tinha o costume extravagante de dormir vestida apenas de perfume

(Chanel n. 5). Era o que se podia afirmar, visto à distância, tratar-se da mulher ideal. Mas, qual um furacão, desses que tem nome de mulher, ela chegou quente, insinuante, úmida e acabou carregando tudo o que ele tinha: família, bens, amigos, reputação. O cara ficou na miséria.

Em função dessa narrativa, eu costumo usar o exemplo da amante argentina, para exemplificar uma situação, deslumbrante no início, alarmante no meio e trágica no fim. Tenho um amigo que se deslumbrou ao comprar uma Omega, da GM. Para todos ele gostava de publicizar a aquisição do belo veículo. Com o tempo ele constatou que o carro era pesadão, gastava um horror de gasolina e acabou vendendo-o pela metade do preço.

Mas toda essa história da amante argentina surgiu na semana passada, quando um amigo se espantou com o fato de eu ter me desfeito de uma cobertura de quatro quartos, piscina, andar alto e outras comodidades. Eu disse ao meu interlocutor que cobertura é como amante argentina: deslumbrante no início, chato depois e assustador mais tarde. Essa “amante” durou vinte anos! Quando a gente compra é tudo uma maravilha: banhos de piscina, churrascos e jantares com amigos e parentes, vista panorâmica, um estúdio só para minhas produções literárias, etc. Depois desses bônus veio o ônus. Cobertura paga um condomínio mais alto, os caboclos do prédio, fornecedores e prestadores de serviço começam a achar que você é rico, isto sem falar nos vazamentos na cabeça dos vizinhos, que não param nunca. Quando vendi (e vendi bem. graças a Deus) tive uma alegria igual ao dia em que comprei o elefante. Bem parecido com as fábulas do velho Galvão.