POR QUE SUPORTAR O SOFRIMENTO

O sofrimento pode ter um sentido, o que ensina, engrandece e enobrece o caráter humano, e assim será suportável. Foi através de seus martírios na fogueira que os reformadores conseguiram vencer a escuridão que a Igreja impusera sobre a humanidade por mais de um milênio. Depois disto o ser humano prosperou em todas as áreas, inclusive cientificamente.

João Huss e Jerônimo são exemplos de mártires que suportaram a fogueira cantando hinos. Martinho Lutero dizia que Jesus Cristo se submetera à humilhação e dor para que ele tivesse liberdade de consciência. Sendo assim, para Lutero, o mínimo que podia fazer em troca era sofrer e morrer, se fosse o caso, para que os outros seres humanos tivessem a mesma liberdade. À medida que Lutero pleiteava pela Reforma, que era justa, ele se “afundava” em relação às normas clericais. Por fim, salvo-condutos de imperadores já não podiam livrá-lo de emboscadas e morte planejados pelos prelados papais. Porém, apesar de há duas semanas ter sofrido com uma doença grave a ainda estar muito fraco, mesmo reconhecendo os riscos de atentados à sua vida por parte dos agentes papais, e a condenação sumaria que já recebera, foi a Worms responder a uma Dieta a qual fora estabelecida especialmente contra ele. Ao ser-lhe apresentada oportunidade de retratar-se e recuar de suas convicções, respondeu, entre outras palavras: “(...). ..., a menos que eu seja convencido pelo testemunho das Escrituras ou pelo mais claro raciocínio; a menos que eu seja persuadido por meio das passagens que citei; a menos que assim submetam minha consciência pela Palavra de Deus, não posso retratar-me e não me retratarei, pois é perigoso a um cristão falar contra a consciência. Aqui permaneço, não posso fazer outra coisa; Deus queira ajudar-me. Amém”. – D’Aubigné. Diante de nova oportunidade e das ameaças doloridas de torturas e fogueira ele manteve a determinação de testemunhar da causa que defendia e assim o demonstrou dizendo: “Não tenho outra resposta a dar”, (...), a não ser a que já dei”. – D’aubigné, in O Grande Conflito. P. 157 e 158.

Certamente que é por um ideal que os soldados vão para a guerra. Assim também vão os médicos, as enfermeiras, a Cruz Vermelha e muitos outros voluntários. Tantos voltam em pedaços e, mesmo na hora da morte, ainda acham que o sofrimento valeu a pena. Se não fosse assim não haveriam heróis, pois os heróis humanos o são apenas através do sofrimento. É por isto que muitos, na grande maioria, pobres, engajam-se em causas voluntárias, onde exercem o melhor de sua profissão de graça. Muitos sofrem, como Madre Teresa de Calcutá, a despeito de não receber gratificação material. Se não fosse pelos que vêm sentido em sofrer pelos outros e por ideais, a humanidade estaria condenada ao desânimo, a pobreza geral, à mofa. Aos pobres e desventurados restaria o suicídio, pois, para eles, que muitas vezes dependem da misericórdia de pessoas, muitas vezes, também pobres, e, às vezes, doentes, não haveria a menor sombra de esperança. Então poderíamos explodir o planeta com justa razão.

Jesus Cristo sofreu antes de morrer porque para ele havia um sentido e esse tratava-se de um ideal, no qual ele acreditava. Por isto os historiadores, os artistas ou os escritores bíblicos não retratam-no queixoso, rancoroso ou maldizente. Se consultarmos à Bíblia, no Evangelho de João, Capítulo 19, verso 34, ver-se-á o resultado da autópsia, e ali diz: “Mas um soldado lhe abriu o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água”. Neste caso, a causa morte é infarto - angústia, estresse. Tal era a responsabilidade que assumira e grande era sua crença na causa, pois submeteu-se a angustiar-se tomando para si a responsabilidade pelos erros de toda a humanidade, sendo que, ele “em tudo foi induzido a errar, mas não errou”. - Bíblia Sagrada - Hebreus, capítulo 4, verso 15.

O Apóstolo Pedro, em vista da nobreza do ato de seu Mestre, julgou que, por mais que sofresse como resultado do exercício da missão de transmitir as Boas Novas, não poderia jamais igualá-lo em altruísmo pelo que cria que fosse correto, por isto decidiu que, se fosse o caso de ser crucificado, escolheria ser de cabeça para baixo.

Existe valor na vida mesmo diante do sofrimento

O Desembargador Nelson Hungria, ao ser convidado para redigir o prefácio do livro O Direito de Matar, de Evandro Corrêa de Menzes, comenta que: “se houvesse o direito de morrer, e se viesse a prevalecer o pessimismo de Schopenhauer, segundo o qual ‘a vida não paga a pena de ser vivida’, a sociedade humana não poderia salvar-se do risco de sua própria extinção”.

O Dr. Victor E. Frankl. M.D., Ph.D, fundador da “terceira escola vienense de psicoterapia” (as duas primeiras são a Psicoanálise de Freud e a Psicologia Individual de Adler); professor de Neurologia e Psicoterapia de Viena e professor de Logoterapia; lecionou ainda nas universidades de Harvard, Stanford, Dallas e Pittsburgh; publicou 32 livros que foram traduzidos para 27 línguas, inclusive Chinês e Japonês; foi alvo de outros autores que publicaram 151 livros sobre ele; além do mais, foi convidado por mais de 200 universidades para conferenciar; ele defende muitas teses práticas que mostram a incoerência da eutanásia e do suicídio.

Efeitos colaterais de entregar os pontos –segundo o Dr. Frankl

“(...) quem conhece as estreitas relações existentes entre o estado emocional de uma pessoa e as condições de imunidade do organismo, compreenderá os efeitos fatais que poderá ter a subta entrega ao desespero e ao desânimo. Em última análise, meu companheiro (de campo de concentração) foi vitimado por sua profunda decepção pelo não-cumprimento da libertação pontualmente esperada reduziu drasticamente a capacidade imunológica de seu organismo contra a infecção do tifo exatemático já latente. Paralizaram-se sua fé no futuro e sua vontade de futuro, acabando seu organismo por sucumbir à doença”. - Em busca de sentido. P. 75.

Sentido para o sofrimento e a dor, segundo o Dr. Frankl

“(...) mesmo uma vítima desamparada, numa situação sem esperança, enfrentando um destino que não pode mudar, pode erguer-se acima de si mesma, crescer para além de si mesma e, assim mudar-se a si mesma. Pode transformar a tragédia pessoal em triunfo (...). ‘O sofredor incurável recebe muito pouco oportunidade de Ter orgulho de seu sofrimento e de o considerar enobrecedor, ao invés de degradante’, de modo que ‘ele não só é infeliz, mas também tem vergonha de ser infeliz’”. – Em busca de sentido. P. 124.

Da eutanásia – em vista do Dr. Frankl

“(...) os argumentos mais poderosos em favor de um ‘otimismo trágico’ são aqueles que em Latim se chama argumenta ad hominem. Jerry Long, para citar um exemplo, é testemunho vivo do ‘poder desafiador do espírito humano’ como se diz em logoterapia. Para sitar Texar Kana Gazette: ‘Jerry Long ficou paralisado do pescoço para baixo desde um acidente que o deixou quadriplégico três anos atrás. Tinha dezessete anos quando o acidente ocorreu. Hoje Long consegue usar um pauzinho com a boca para escrever à máquina. Está acompanhando dois cursos no Community College através de um telefone especial. (...). Também ocupa seu tempo lendo, assistindo televisão e escrevendo’. E numa carta que recebi dele, Long escreveu: ‘vejo minha vida cheia de sentido e objetivos. A atitude que adotei naquele dia fatal se transformou no credo de minha vida: eu quebrei meu pescoço, não quebrei meu ser. Atualmente estou matriculado em meu primeiro curso de psicologia a nível universitário. Acho que minha deficiência só vai aumentar a minha capacidade de ajudar a outros. Sei que sem sofrimento, o crecimento que atingi teria sido impossível’. – Em busca de sentido. P. 125.

“A mãe de um menino que morreu na idade de onze anos deu entrada em minha clínica, após uma tentativa de suicídio. O Dr. Kurt Kocourek convidou-a a participar de um grupo terapêutico. Ocorreu que nesta ocasião eu entrei na sala da clínica em que ele dirigia um psicodrama. Ela estava contando a sua história. Quando seu filho morreu, ficou sozinha com o outro filho, mais velho, que era aleijado, vítima de paralisia infantil. O pobre rapaz estava preso a uma cadeira de rodas. Sua mãe, entretanto, rebelou-se contra o destino dela. Mas quando tentou suicídio, juntamente com ele, foi o filho aleijado que a impediu; ele gostava de viver! Para ele a vida continuara a ter sentido.” - Em busca de sentido. P. 103.

Ponderação final

Por fim, se fosse aprovada lei tornando legal a eutanásia, a sociedade se condenaria à deterioração total, pois muitos não cometem delitos, não por suas plenas convicções éticas e morais, mas para não sofrerem as penas da lei. Isso se percebe na expressão brasileira muito comum que diz: “não dá nada”. Sendo assim, poderíamos fugir às punições “saindo pela tangente”, ou sempre que nos víssemos em um “beco sem saída”, poderíamos nos “desligar com o controle remoto”. Ou seja, talvez ficando doente e acusando um sofrimento insuportável, e então pedindo a “justa eutanásia” – a “morte misericordiosa”. Seríamos como aquelas crianças que lambem a geleia e dão o pão para os cachorrinhos. Seríamos como o ladrão que só quer o resultado do trabalho, que é a riqueza que ele rouba de sua vítima. Queima uma etapa, que é a pena de trabalhar, mas quer seus frutos. Seríamos como os gatos, que “dão o tapa e escondem a mão”. Como todos os covardes, poderíamos viver enquanto a vida flui plena e docemente. Ao apresentar-se um obstáculo, poderíamos abandoná-la – sumir no espaço como num passe de mágica. Seria um mundo verdadeiramente cínico, sorrateiro e insuportável. Toda vez que se apresentasse um problema, a pessoa não deveria contar com os companheiros para juntos enfrentar as dificuldades. O outro, pessimista como o as hienas, já teria cometido suicídio ou tomado uma injeção letal. Claro, que esse texto final trata-se apenas de uma ponderação irônica.

Wilson do Amaral