Cotas raciais versus conservadorismos partidários

“O fato de eu ser negro e a exclusão correspondente acabam por me conduzir à condição de permanente vigília” (Milton Santos, 1926-2000, Fórum, p. 11). Uma frase constatada no nosso cotidiano, enquanto estudantes negros/as excluídos/as da instituição mais elitizada do Brasil, a USP. Uma comparação justificável considerando-se o debate de inclusão social (2012), promovido na FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Um jogo político partidário que está relacionado ao projeto apresentado pelo governo Alkimim (PIMESP) sobre a implementação das ações afirmativas na USP. Difere das necessidades educacionais da juventude historicamente excluída em ampliar, para as instituições de ensino público superior estadual de São Paulo (USP, UNESP, UNICAMP), as cotas raciais. Considerado pelos movimentos negros, pouco abrangente, contradizendo as necessidades das ações afirmativas, como as implementadas na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e nas federais, a exemplo da UnB (Universidade de Brasília), assim como em outras, com adesão de 42,3%. Desmerece o reconhecimento constitucional, uma vez que já houve no Brasil a sua aprovação (26/04/2012), por unanimidade, proferida pelos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

A antropóloga Eunice Durham, representando a USP, demonstrou conduzir nesse debate, ideais reacionários e classistas ao afirmar, por várias vezes que "o vestibular da USP não é para qualquer um", revelando a sua imposição contundente ao seletismo contra a população jovem e pobre, oriunda do ensino básico estadual, maioria comprovadamente negra e periférica, excluída do acesso ao complexo universitário também público estadual da região mais rica do país. No seu discurso a mesma senhora demonstrou compor um grupo que dita as regras acadêmicas conservadoras regionais, orientando a meritocracia e o exclusivismo, onde apenas os bisnetos dos barões do café, uma minoria ínfima, deve permanecer com amplos direitos na aquisição aos títulos, em pleno século XXI. Aliás, só faltou mesmo, o grão desse produto germinando à frente do microfone da professora Eunice, para nos lembrar dos ideais genéticos Iluministas desse período associados ao seu poder e dos seus antecessores dentro desta universidade, marcados desde a década de 1930.

Demonstrou um domínio etnocêntrico (MOORE, 2007) como se a USP pertencesse apenas a si mesma e ao seu grupo seleto, burguês e branco representada pela sua plateia, como se a USP, não fosse uma instituição que sobrevive, principalmente da receita pública. A sua fala ecoou como as vozes dos comandos coronelistas do século XIX, num período em que só os barões e seus descendentes se consideravam possuidores dos direitos civis, os ditos "homens de bem". A antropóloga Durham demonstrou desconsiderar os resultados do último Censo (IBGE 2010), registrando oficialmente ser a população negra, maioria dos/as brasileiros, sujeitos históricos, participantes ativos da economia deste país, desestruturados, porém pela falta de sensibilidade e compreensão científica da institucionalidade do racismo acadêmico paulista (CARVALHO, 2005).

Bibliografia:

Revista Fórum – Milton Santos. Identidade, pensamento e uma entrevista histórica. 2007.

MOORE, Carlos. Racismo & Sociedade, novas bases epistemológicas para se entender o racismo. BH: Mazza Edições, 2007.

CARVALHO, José Jorge de. Inclusão Étnica e racial no Brasil. A questão das cotas no ensino superior, Ed. Attar, SP, 2005.

http://frenteprocotasraciaisusp.wordpress.com/por-que-cotas-raciais-na-usp/

http://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/notas/stf-decide-pela-constitucionalidade-de-cotas-raciais-nas-universidades

http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/04/stf-decide-por-unanimidade-pela-constitucionalidade-das-cotas-raciais.html

Enilda Suzart – pós graduanda em História das Áfricas e do negro no Brasil.

Enilda Suzart
Enviado por Enilda Suzart em 06/03/2013
Reeditado em 26/02/2016
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