Essa Moça

Essa moça de 22 anos, que tirou a vida de um lindo menino de 6, deve estar sofrendo bastante. Primeiro, porque ela pode querer enganar todo mundo, mas não poderá enganar a sua consciência. Depois, todos os desdobramentos da situação. Encarar a privação da liberdade. E contar ou esperar pela repulsa das suas companheiras de infortúnio.

Sem falar no envolvimento direto do pai da criança. Da própria escola em que o menino estudava. O que faz lembrar o que dizia um amigo gaúcho: “mulher é bom, vagina é bom, o problema é o que vem junto”.

Outras pessoas, no entanto, poderão entender que o sofrimento dela é pouco. Que merecia ser igualmente asfixiada. Que todo o sofrimento da prisão, que toda a pena para ela estipulada jamais irá compensar a subtração de uma vida em tão tenra idade. Jamais irá aplacar o sofrimento de uma mãe, que sempre entende como natural a sua partida dessa vida antes da do seu filho.

E por aí vai. Vamos falar muito dessa moça, como se falou bastante (talvez até muito mais, porque na época os níveis de violência não eram os de agora) da chamada “Fera da Penha”, a mulher que, nos anos 60, ficou nacionalmente conhecida por ter “sequestrado, assassinado e incendiado uma menina de 4 anos nos fundos do Matadouro da Penha”. Como decorrência do envolvimento dela com o pai de Taninha, a criança assassinada, que, apesar das insistências da amante, preferiu ficar com a esposa.

O caso da “Fera da Penha” tem um paralelo assombroso com o dessa moça. Neyde Maria Lopes, a assassina, se dizia velha amiga de colégio de Nilza Coelho de Araújo, mãe de Taninha. E se valeu disso para conquistar a confiança do casal e visitá-los moderadamente. “No dia 30 de junho de 1960, Neyde telefonou para a escola onde Taninha estudava e, passando-se por Nilza, disse que não poderia pegar a filha. E que por isso mandaria uma vizinha (no caso, Neyde) apanhá-la”. Depois de ficar andando com a menina por 5 ou 6 horas por várias ruas da Penha, ao cair da noite Neyde comprou um litro de álcool em uma farmácia e, por volta das 20h, “conduziu a menina aos fundos do Matadouro da Penha, executou-a com um tiro na cabeça e pôs fogo ao cadáver, antes de ir embora tranquilamente”.

Falou-se muito da “Fera da Penha”, como se vai falar também dessa moça e de seu crime. Só que o que vamos dizer do menino? Como o que se pode dizer de Taninha? Claro que a perda é incomensurável. Primeiro para a mãe, depois para os familiares, amigos do casal, etc.

Haverá certamente muitas lembranças. 6 anos já é um bom tempo para uma bela história. Joana D’Arc viveu três vezes isso e espantou o mundo, principalmente clérigos e papas da época, que passaram a viver mais confortavelmente depois do desaparecimento dela.

Mas a vida que se vai começa a ser esquecida logo após o dia do sepultamento ou cremação. Como todos nós, que começamos a morrer depois do dia em que nascemos. Claro que no momento em que ocorre a perda, não nos conformamos. A pessoa ainda está ali, sua voz, seus trejeitos, seus pertences. Sobretudo se ela era parte da nossa convivência. Depois de alguns anos, é inevitável que esses sentimentos se diluam. Sim, não vamos nos esquecer nunca. Mas o tempo acaba progressivamente reduzindo o impacto da perda. Mais uma lei da vida.

No entanto, isso é espantoso. Porque reforça o sentimento de injustiça. Isto é, a possibilidade de nos preocuparmos mais com quem comete a injustiça do que com quem dela foi vítima. A preocupação maior da sociedade será agora com a punição dessa moça. Nada de errado nisso. A criança foi embora mesmo! Mas fica-se com a impressão de que, em linhas transversas, o crime triunfou. E, contudo, fomos educados no pressuposto de que o crime não deveria nunca triunfar.

O que fazer para que se chegue a isso? Para que o crime não triunfe? Talvez não tenhamos sido educados para saber como nos prevenirmos de um crime ou de como fazer para que ele não triunfe. Já que o triunfo de qualquer crime não pode estar do lado do que é justo.

Nesse caso, as primeiras leituras nos dão informações de que tudo teria decorrido de um envolvimento amoroso – mais físico do que amoroso – do pai da criança com a moça de 22 anos que trabalhava na casa do casal ou deles era amiga. O que de forma alguma é novidade no mundo em que vivemos. Muitos homens devem ter se envolvido com suas secretárias ou empregadas domésticas e não perderam seus filhos (ás vezes até nem as esposas) por isso. Se casos como esse ou como o da “Fera da Penha” ocorressem com frequência, então estaríamos próximos do caos. Entretanto, esse envolvimento é que precisa estar bem equacionado. O que vale tanto para o homem quanto para a mulher. Fazendo sentido o que disse um dia um amigo gaúcho: “o problema é o que vem junto”.

É um tipo de educação que se verifica na vida. Não é curricular. Nem está incluída em qualquer conteúdo programático. Mas nada impede que fosse também discutida nas escolas. E a partir das séries iniciais, claro que numa linguagem compatível com a faixa etária do aluno.

Ficam meus sentimentos por esse menino lindo. E as esperanças de que nós, homens e mulheres, saibamos avaliar com mais clarividência a questão de o quanto a carne é fraca.

Maricá, 27/03/2013

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 27/03/2013
Reeditado em 27/03/2013
Código do texto: T4210230
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