Câmara de Altaneira bate feio no frágil Estado Laico

A grande maioria das pessoas não segue uma religião específica. Outra parte, também não muito pequena, se diz católica não praticante, o que na prática não muda muito o cenário. Toda via, uma minoria frequenta igrejas e templos de denominações neopentecostais, cujo ensino da Bíblia é feito sem o mínimo de reflexão e, ou, sem o menor questionamento.

Um Padre leva anos até concluir o seminário e ser ordenado. Pastores de outras denominações passam um bom tempo estudando e interpretando a Bíblia. Para essas novas denominações que além de templos gigantescos possuem rede de Rádio e de TV, para ser pastor basta conhecer a Bíblia e pregá-la, ou seja, decorar e ajudar a memorizar. Mas o que isso tem a ver com política? E com o Estado Laico?

Não é fácil convencer o eleitor. O ex-presidente Lula (PT) participou de três eleições nacionais antes de se tornar Presidente da República vindo a vencer na quarta tentativa. E para tanto, mudou o discurso. Mas só mudar o discurso não foi suficiente. Assim, a forma de se representar diante do eleitorado também passou por transformações. Seu maior adversário, agora não tanto assim, o José Serra, também vem mudando a forma como se apresenta para o eleitor, mas não consegue alavancar. Afinal, só muda o que tem para mudar. E o Serra.... (deixa pra lá).

Por que então, o eleitor é tão volátil? Porque ele possui capacidade de questionar. Eleitores se questionam o tempo todo. Questionam o porquê de votar em um candidato em detrimento de outro.

Aquela minoria frequentadora de templos e crentes na Bíblia cresceu, ainda sendo minoria, é uma grande minoria capaz de eleger vereadores, deputados e senadores. Não é à toa que possuem até partido político, o Partido da República – PR, que na verdade está mais para o Partido Religioso. Temos ainda, o PSC, esse sim, de bases e discursos religiosos completamente, cujo um dos seus membros utilizou muito bem a suas bases discursivas religiosas para deflagrar contra as minorias o qual, contraditoriamente, ele, “democraticamente”, foi eleito para representa-las.

Mas, insisto na pergunta, o que essa minoria religiosa tem a ver com a política? E de forma específica, como o já tão fragilizado estado laico? São eleitores que não questionam, assim como fazem com a Bíblia, creem no que o Pastor lhes diz. Se o pastor é o próprio candidato, votam sem questionar. Se o pastor apresenta outro candidato, fazem o mesmo. Ou seja, são uma grande minoria do eleitorado que é de fácil convencimento. Facilita até a contabilidade da corrupção. Em vez de pagar a cada cabeça, o dinheiro pode ir direto para o pastor, considerando o número de fieis, evidentemente. Quanto ao outro lado da moeda, o fato se dá da mesma forma. Os eleitores católicos creem no que o padre lhes diz e, fica tudo em casa.

Altaneira não é um município católico. Uma maioria não é capaz de falar pela minoria. Altaneira ainda é, apesar do grande crescimento do número de protestante nos últimos anos, um município de católicos, protestantes, espíritas, ubandistas, do candomblé, budistas, ateus, agnósticos, deístas, etc. Querer empurrar goela abaixo, impor valores católicos ou protestantes a todos esses guetos é agir com tirania. Todos esses subgrupos possuem valores comuns e são esses valores que devem se respeitados e prevalecer, diga-se de passagem.

O espaço público e as leis são para todos, ou ao menos assim está escrito. Governar com valores cristãos é imprimir aos não cristãos uma cultura adversa as suas (deles, não cristãos). Um governo laico não impõe nada contrário ao que esses grupos acreditam. Permitam-me mencionar aqui exemplos: O governo laico ao realizar o aborto não obriga que a cristã aborte, tão somente dá a opção a quem não crê na Bíblia. Se o governo laico permite o casamento civil homoafetivo, fato esse que está em debate, o cristão ou budista ou ainda o ateu não é obrigado a casar, tão somente os homossexuais terão o direito de fazê-lo sem que com isso fira os preceitos bíblicos.

Os efeitos da Bíblia devem ser restritos somente a quem nela crê, se não reproduziremos as disputas religiosas que tanto envergonharam os tempos medievais. Permitir que os que não vivem sob os ditames religiosos se comportem diferentemente da Bíblia é o primeiro passo para garantir a convivência de todos no mesmo espaço público. Da mesma forma que é assegurada ao religioso andar vestido de acordo com sua crença e com a Bíblia na mão, deve ser assegurado o direito aos descrentes em denominações religiosas de se comportarem de acordo com o que acreditam e a Lei permita.

Permitam-me agora citar mais um exemplo que recentemente ocorreu e que, não me senti excluído, mas no mínimo um estranho frente a um aglomerado de religiosos. Na abertura dos trabalhos da Audiência Pública que discutiu e colheu propostas para solucionar o problema da venda e consumo de entorpecentes no município, na última terça-feira (09), a presidenta do Legislativo frisou: “Na pessoa do Pároco Alberto saúdo todos os católicos e na pessoa do representante dos evangélicos (não vou entrar no mérito desde conceito), Vinícius Freire, saúdo todos os evangélicos”. Essa frase me deixou intrigado até o final da Audiência.

Fiquei pensando. E os que não corroboram com nenhuma desses seguimentos religiosos? E os espíritas que, talvez estivessem ali? E os que seguem o candomblé? E os Ateus? Eles não se sentiam saudados?

Esse fato, embora tenha passado despercebido permite que se faça uma reflexão sobre a relação ainda reinante e repugnante entre religião e política-partidária em Altaneira. Permite ainda que se perceba que o quão o Estado Laico está longe de ser respeitado. Na Câmara, se se fizer um levantamento, não é difícil perceber que dos nove parlamentares atuais, 100% seguem os preceitos do Catolicismo. A gestão de outrora, também o era. Não é atoa que já dura um bom tempo o quadro do personagem histórico Jesus Cristo fixado no plenário da casa, ferindo duramente o Estado Laico.

O tema em xeque se quer foi cogitado a ser discutido, nem pela sociedade, nem pelos parlamentares. Talvez seja porque não há controvérsia entre os legisladores e fiscalizadores municipal. Todos estão amparados pelos mesmos preceitos católicos, sejam praticantes ou não. Mas porque a sociedade altaneirense, tão diversificada religiosamente não atentou para esse fato? Será que a distância dela para com o legislativo explicaria? Isso contribui, mas não é só. A grande maioria dos altaneirenses ainda não está acostumada a entrar em debate sobre esses temas.

Apesar de Altaneira não ser um município católico, mas um território de maioria católica imprime vergonhosamente uma cultura do indesejável, um costume intolerável onde os espaços destinados a abraçar as causas de todos, acaba abraçando apenas as causas de um gueto, ou até da polarização religiosa, católicos e protestantes.

Por fim, chamo aos que estão lendo este artigo para o debate. Afinal, a Câmara Municipal de Altaneira, espaço de domínio público, onde aparece fixado o quadro com imagens de Jesus, está ferindo brutalmente o que foi conquistado com muita luta e colocado na constituição, à laicidade.