Policial mutilado – um braço forte na administração

Se no combate à violência houver lesão irreversível, o policial interrompe sua carreira e estaciona salário, ainda que jovem e talentoso. A criminalidade do cotidiano tem levado contingentes policiais destemidos à inativação precoce. O futuro de um herói não pode esbarrar num sinistro presente; é necessário acatar a vítima como pessoa exemplar, ativa de vontade e apta à reciclagem.

Com este capítulo, quero me dirigir a todo policial que já tenha sofrido algum tipo de lesão irreversível que o incapacitou para o serviço policial, inativando-o, em razão de enfrentamentos radicais, ofensivas máximas ou nos acidentes de percurso durante qualquer atividade de rotina, em objeto de serviço ou não. A profissão policial faz pressupor que o homem está sempre em contínua atividade.

Nenhum profissional está isento de sofrer um acidente de trabalho nem ser vítima das doenças profissionais, qualquer que sejam as atividades, sem exceção, sobretudo, aquele que já sai de casa para contrapor atitudes ilícitas e violentas, possibilitando tornar-se vítima real, enquanto sua família implora no silêncio, para que o seu herói retorne em paz e com suas próprias forças, como é o caso de todo policial, militar ou civil de qualquer organização, que sempre imploram a Deus para um feliz retorno. Se toda população, mesmo sendo refém da sua própria e necessária proteção, com a implantação de grades, travas e uma vida mais sedentária, está sofrendo excessivas violentações e baixas, inclusive de balas perdidas, fora e no interior até de suas casas ou apartamentos, contra as quais ainda não existe defesa, agora, imagem o risco a que se expõem os policiais que, em razão dos ossos do ofício, devem enfrentar, estando ou não de serviço, corpo-a-corpo, toda a criminalidade do cotidiano e outras manifestações mais insidiosas às vezes em desvantagem e surpreendentemente; estas investidas cada vez mais sofisticadas, além do mais, seus meliantes sempre observam na pessoa de cada policial, uma forte barreira viva, corajosa, física e legal, contrariando o crescimento da delinqüência, que hoje é global, constante, onipresente, organizada e inserida numa conexão.

Numa dessas investidas para combater a violência de alguns humanos e garantir melhor qualidade na segurança, é provável que muitos policiais possam lograr êxito profissional, mas é possível que algum deles venha até sucumbir ou ficar mutilado ou paraplégico e incapacitado para sempre, não só nos momentos de extremos embates, mas também nos treinamentos, nas instruções, nas atividades de rotina e nas fatalidades do acaso. Quando isso ocorre, a princípio, no calor do sinistro, todos se comovem e qualquer um é voluntário para levar o policial ferido a um nosocômio mais próximo. Dependendo de sua organização e dos que a fazem, na primeira fase do tratamento, tudo é muito generoso e muito bem acompanhado, e, em alguns casos, estendendo-se enquanto o caso continue sendo manchete ou causando indignação pública respeitados os casos em que as vítimas continuam sendo acompanhadas e estimuladas mesmo após o internamento hospitalar, sendo elogiáveis as exceções de casos de valorização do policial, iniciativa que poderia ser divulgada.

Em qualquer acidente, quando se tratar de um caso fatal, sua família vai amargar para sempre e sozinha, as sofridas conseqüências da precoce ausência de quem feneceu em nome da ordem pública. Quando sobrevive, porém marcado com uma mutilação que o tenha deixado sem locomoção, a sua maior companhia e a grande protetora, além da compreensão da família, será sempre uma cadeira de rodas, às vezes, fruto de doação de parentes ou amigos mais próximos que se comovem.

Pelos estatutos, qualquer mutilado está considerado incapaz para desempenhar atividades na área policial, como se já tivessem sido exauridas todas suas forças, vontades e limites. Isto é a lei que prescreve, estabelecendo sua inativação compulsória, afastando-o da possibilidade de seu crescimento e de sua projeção profissional, como assim se determinou ao ingressar na sua corporação, cuja evolução é o objetivo natural de todos. Se houve mutilação ou cousa assim, cada caso é um caso a se examinar. Nem todas as mutilações não implicam numa vida vegetativa e nem deficiente de tudo. O mutilado, ativo de vontade e de superação não é um homem morto, mesmo aqueles paraplégicos; os exemplos estão em toda parte, nas diversas atividades e profissões, na ciência, na política, nos esportes, nas artes e em inúmeros setores, a despeito das barreiras físicas e preconceitos de alguns. Os tempos modernos exigem atualizações devidas de leis e comportamento, sobretudo, na direção da valorização do homem, no neste caso, do agente policial. A maioria dos paraplégicos continua guardando consigo, a grande capacidade de trabalho, podendo continuar contribuindo e apoiando à retaguarda dos camaradas que se encontrem na linha de frente praticando serviços que antes eles faziam de forma avançada. Muitos sofreram apenas amputação em um de seus membros, perna, braço, mão ou um dedo, e, ainda que sejam pequenos traumas superáveis e adaptáveis a uma nova função, logo recebem a sentença de inativação, respeitados os que exercitam a inatividade prontamente, sem questionar, seu direito de aposentadoria ou reforma precoces, por não ter vontade de permanecer no trabalho, por decepção ou por outro motivo. Não conheço algum caso de acidente de trabalho policial que tenha sido questionado judicialmente para que o promovente continue no serviço ativo, no entanto, tenho ciência que alguns camaradas excluídos por desvio de comportamento vivem recorrendo, e, dependendo do tempo de apreciação judiciária podem ser reincluídos com direito às promoções, que, supostamente, fazia jus caso não tivessem sido licenciados. A justiça está em todo lugar e existe para proteger direito lesado; presume-se que a carreira policial não se esbarra com o exercício do trabalho árduo, ainda que os matizes da violência possa limitar a velocidade.

Mas para que os jovens candidatos atenderam ao chamamento do Estado à seleção aos cargos policiais? A princípio sabiam, como o próprio Estado também sabe, que iriam compor uma trincheira na defesa do cidadão e da sociedade e um barramento e um enfrentamento no avanço do crime, o que torna uma profissão de alto risco. Como a polícia tem suas compensações, aqueles que ingressaram, assumiram, além do compromisso com a sociedade, também a condição necessária para progredir na carreira policial, concorrendo aos cargos e promoções, seja qual for a polícia, estadual ou federal, pois todas são consideradas polícia de carreira. Por um acidente em serviço, conforme as diversas leis, qualquer policial pode interromper, ainda jovem ou em qualquer idade, posto ou função, uma carreira que se mostrava brilhante, enquanto vai ficar acompanhando o crescimento e as promoções dos seus pares que ingressaram à mesma época e fizeram os primeiros cursos juntos. Lamentavelmente, por força da lei vai ficar na inércia e no isolamento, por conta de sua conduta profissional exemplar, mesmo que continue tendo um elevado potencial de trabalho e uma grande vontade de retornar às atividades, numa demonstração de amor à causa. A vida é mesmo feita de surpresas, contradições e compensações, motivos pelos quais não se pode perder a esperança. A deficiência, ainda que inaceitável pela vítima, ainda faz sofrer menos que o desprezo e a indiferença do Estado em relação a este braço forte, herói e eficiente, aproveitável sem nenhuma repercussão financeira extra; seria um heróico retorno e uma bela justiça, além de um estímulo e um exemplo de administração e humanização.

O policial combatente da violência enfrenta no seu dia-a-dia, além do estigma, uma batalha desigual e cruel, ainda que represente a lei e a força do Estado. O bandido está sempre atento para atacar como uma serpente, fazendo do possível anonimato e da surpresa, suas grandes armas. Nesta luta, o policial se envolve numa grande guerra, de um lado, os marginais querendo impor o pavor, do outro, a população oprimida e já quase sem liberdade, e, entre os fatos, o policial prestando relevantes serviços à sociedade. Se a violência urbana é uma grande guerra urbana e interminável, um bom exemplo de reconhecimento vem mesmo dos campos de batalha real, onde os soldados ali feridos ou mesmo extraviados, são promovidos, recebendo seus novos uniformes e distintivos ou insígnias lançados por aeronaves, quando não puderem ser resgatados. Muitos soldados feridos e os mutilados de guerra continuam nas suas carreiras e em serviço ativo, como prova de reconhecimento e muita humanidade além de um ato exemplar para muitos que se miram nas grandes vitórias que a guerra pode traduzir como exemplo de paz, e o combate à violência é uma guerra infindável.

As polícias, quaisquer que sejas as organizações, não são feitas só de luta de rua e nem apenas de combate corpo-a-corpo. Têm suas atividades internas, seu braço estratégico, seus serviços de apoio, têm sua informática que evolui conquistando novos operadores entre outros encargos. Por um dever de justiça, bem que as corporações de segurança pública já podiam mostrar que a valorização do policial não se expira quando alguém num gesto de coragem e lealdade dá a vida e a saúde por essa causa nobre, a defesa da sociedade. Mesmo depois de qualquer infortúnio, o policial continua necessário ao crescimento da sociedade, da corporação e do aperfeiçoamento da própria segurança. Esses valorosos homens e policiais, mutilados também pelas leis que os regem, bem que poderiam formar um grande contingente valoroso, corajoso e exemplar, integrando-se nas atividades internas, com boas repercussões e grandes exemplos para os policiais que combatem lá fora, os quais ficam sabendo que seus atos de bravura poderão ser correspondidos e como tal, acatados. Quão belo seria uma polícia mostrar entre seus efetivos, numa formatura ou qualquer solenidade um policial mutilado pela violência, mesmo numa cadeira de rodas, homenageado por todos, fardado ou com sua indumentária própria da sua polícia, ativo e atuante e com a auto-estima acima das expectativas. Se os mais irreverentes criminosos têm direito ao trabalho e uma nova oportunidade, porque não se pode valorizar todo policial vitimado no combate à violência, incapacitado quando do melhor de sua vida e no afã de uma melhor segurança para todos, esquecendo a sua e tornou-se uma vítima esquecida. Um dia alguma polícia abrirá suas portas para o reingresso de seus heróis, dando o primeiro passo, como exemplo para todo o país. O acidentado em serviço, indiscutivelmente, merece mais carinho, atenção e destaque na sociedade, que, com certeza vai se tornar o braço forte na administração. Um policial mutilado ou outra incapacitação física decorrente de qualquer acidente continua sendo discriminado por todas as rejeições possíveis, no entanto, se fosse mantido no pleno exercício da atividade policial adequada à sua limitação, com certeza não seria motivo de crítica nem vergonha para a sua corporação, enquanto que os mutilados moralmente por denegrirem a instituição, após o exercício da conhecida ampla defesa que a carta magna lhes confere, conforme o caso, resgatam direitos interditados e conquistam espaço reservado aos camaradas íntegros e exemplares, e, colocados na condição de vítimas, ainda podem ser indenizados por danos morais.

A estas alturas, já é provável que os policiais vitimados pela violência e inativados já tenham assumido uma consciência de organização, postulando uma associação de profissionais mutilados em todo nosso território. A causa é simpática e muito nobre, portanto, é possível sensibilizar a quem possa apresentar proposta que faça correção na legislação de cada Estado e do País como um todo.