O selinho que sela nossos tempos

A repercussão do “selinho” que o jogador do Corinthians deu no amigo é, para mim, um sinal grave da decrepitude da nossa sociedade. Fatos desse gênero são como sintomas superficiais de um corpo que, para um bom médico, pode ser exclamações de doenças.

Dois aspectos são dignos de nota: primeiro, a repercussão em si. Se as pessoas que se indignaram tivessem o mínimo de senso histórico e geográfico, saberiam que grande parte dos homens pagãos cumprimentavam-se encostando os lábios nos lábios do amigo. Para não viajarmos demasiadamente na linha temporal, basta mencionarmos alguns países da Europa Oriental, nos quais, atualmente, o “selinho” é uma saudação rotineira entre os homens. Mesmo sabendo que grande parte das pessoas não tem tal conhecimento, podemos nos perguntar: por que um homem encostar os lábios nos lábios de outro homem causa tanta exposição midiática?

Com essa questão entramos no segundo ponto: o motivo da repercussão. Na verdade, creio que o sentimento de comoção seja um pressuposto da repercussão. Mesmo os “defensores” da autenticidade do “selinho” (como o jornalista Leonardo Sakamoto que escreve que, embora palmeirense, diz que se tornou fã do Sheik), estão absorvidos pela lógica da trivialidade: posicionar-se a favor de um simples beijo é curvar-se ao status quo; é cair nas redes da lógica mercadológica orientada pelo capital. Afinal, trata-se simplesmente de uma manifestação de amizade. Quantos selinhos já não dei no meu irmão e nos amigos mais próximos! E ainda que se tratasse de uma manifestação homo-afetiva, por que deveria causar tanta discussão?

Todavia, mesmo não sendo o caso de homossexualidade, alguns torcedores querem a retratação do jogador. Com efeito, esses torcedores não passam de produtos de uma moral medieval que ainda se alastra entre nós. Talvez isso explique os motivos do fanatismo de alguns deles a um time de futebol. Ou melhor, no apropriado vocabulário medieval, os motivos de devoção.

Enfim, senhoras e senhores, está no ar mais um capítulo da mediocridade e idiossincrasia dos nossos tempos!