PAISAGEM COM PROBLEMAS


"Problemas são privilégio dos humanos. Quem mandou andar ereto. Quem mandou pensar? Quem mandou inventar sociedade, trabalho, salário, teorias das mais abstrusas e, ainda por cima, política? Altos e baixos, magros e gordos, belos e feios, pobres e ricos, inteligentes e menos iluminados, problemas sempre teremos: com filho, com cônjuge, com patrão, com funcionários, com o fisco ou o governo, com amigos ou com a burrice alheia. Nosso envolvimento vai armando uma trama que nos atrapalha e não nos deixa enxergar a claridade ou curtir os não-problemas. (...) 'Eu queria que a senhora escrevesse sobre a necessidade de reavaliar nossos problemas e aliviar a vida (...)"

Lya Luft ouviu o pedido acima, de um casal, em um dia, após uma palestra e respondeu:

"Bom, isso depende dos problemas". Lembrou-se do que tinha ouvido de uma amiga: ''Quando a gente está muito atrapalhado, é bom para e analisar o que sombreia a paisagem: São tragédias ou chateações? Na maioria das vezes são apenas chateações."

A exímia escritora resolveu escrever o artigo com o título supra destacado, em que começa dizendo:

"Com as perdas só há uma coisa a fazer: Perdê-las. Algo parecido ocorre com os problemas. Com eles só há duas saídas: Uma é resolvê-los. Com os insolúveis o jeito é perceber que o são e aceitar. Duro aprendizado. Depois relega-los a um segundo plano, abrindo-se mais para a vida - que é breve, é difícil, e não deixa o bonde passar muitas vezes, ah, não. Um dia, talvez não distante, abriremos os olhos e lá estará o belo e terrível anjo da morte, curvando o dedo no gesto irrecusável: 'Vim te buscar, pobre humano'."

"Não acho que problemas devam ser ignorados. Frivolidade também mata. Mas há sempre o momento de parar para pensar, ou pensar menos e viver mais. Rever nossas estruturas internas e externas: O que posso resolver? O que devo esquecer e superar para que não me sufoque ou me roube a luz de que preciso para enxergar outras coisas, coisas melhores?"

"A vida é dura lida. Por vezes altamente dramática. Aqui e ali, tragédia. Nem sempre podemos desviar os olhos e a alma, nem sempre podemos ignorar e superar, nem sempre podemos resolver. Vitórias são raras."

" 'Do caos nasce a luz' e da derrota pode nascer uma nova pessoa, melhor que a de antes. Mas do caos também pode surgir mais confusão, e da derrota pode resultar um pobre ser esmagado. Assim, dos problemas pode-se fazer uma seleção, em que alguns serão jogados fora. Deletou, acabou-se. Outros ficarão à margem do caminho, dando passagem ao otimismo e à vontade de vida, mas estarão ali, à espreita de um momento de fraqueza para nos assaltar feito bandoleiros. Outros, ainda, necessitam de um longo tempo para que se desmanchem suas raízes no coração que se atormenta."

"Só que esse tempo não pode ser tão longo quanto a vida, nem ocupar demasiado espaço dentro dela, ou desperdiçaremos o que há de melhor na paisagem. Eu mesma, do alto dos meus tantos anos e duras lidas, não consigo resolver ou superar alguns dos meus problemas nem ajudar pessoas que amo a se livrar de todos os seus."

"Às vezes o jeito é dar-se as mãos numa ciranda solidária, esperando que o bom senso vença a perplexidade e reduza nosso sofrimento inútil. Seja como for, por ser complexa, a vida é interessante: por isso enchem-se os consultórios dos psicanalistas, escrevem os escritores, lutam os soldados, roubam os ladrões,, enganam os crápulas e brincam, antes de se convencer da dureza dos combates, quase todas as crianças na paisagem em torno."

"Não brincam as que morrem nos hospitais, fenecem nas ruas, sofrem nos lares violentos ou tristes: são responsabilidade nossa, grandes trapalhões que inventamos esta cultura, esta sociedade, esta injustiça, esta omissão, estas relações e esta vida. Por que a morte, essa não inventamos nós. Diante dela quase todos os problemas se resolvem, e empalidecem quase todos os dramas."

Em escola na qual trabalho, onde deveria ser tudo encantado, cheguei um desses dias, pela manhã, e soube a notícia de que a mãe de um de nossos alunos havia falecido. Ficaram órfãos de mãe, o nosso menino de 9 aninhos e a bebê de menos de um mês de vida. A psicóloga escolar verificou que a criança não tinha a mínima noção sobre a morte. Ao tentar um diálogo, percebeu que ele só sabia que morrer era igual os homens que morriam em seu vídeo game e que no dia seguinte ao ligar o aparelho eles estariam todos ali novamente, pronto para serem mortos a cada nova jogada.

Imagine a triste e difícil tarefa para que a criança tomasse conhecimento de que não mais veria ou falaria com sua mãe! Nunca mais...

Pois é. Sem falar das pessoas as quais só pensam em seus problemas, que às vezes são até insignificantes, face tantos outros maiores que assolam milhares de pessoas todos os dias. Vou ficando por aqui. Penso que Lya Luft, deixou-nos um excelente material para refletirmos sobre isso... eu já decidi sobre quais problemas eu não contemplarei mais, e já foram vários pseudos problemas varridos de meu horizonte. E quanto a você? Que tal  deixar sua pasaigem bem iluminada e limpinha?

Madalena de Jesus

 

(O artigo da Lia Luft está aspeado)
Maria Madalena de Jesus Gomes
Enviado por Maria Madalena de Jesus Gomes em 19/09/2013
Reeditado em 27/09/2016
Código do texto: T4489310
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