Jujubas a 1 real na Avenida Rui Barbosa

Ao passar pela Avenida Rui Barbosa, centro de Assis, fui surpreendido. Senti três leves toques nas costas e uma voz de menino dizendo: “Moço, me ajuda?”. O garoto, de no máximo dez anos, gritava na rua: “Deliciosas jujubas, a um real cada”.

Pés descalços, bermuda rasgada, camiseta suja de terra. Numa segunda-feira chuvosa, o olhar de menino querendo brincar de jogar bola chamava a atenção. Eu não tinha um tostão no bolso, por isso não comprei as balas, mas elas não me deixaram com lombriga ou algo assim, apenas o inconformismo me fez pensar.

Nem tive a ousadia de perguntar àquela pequena criança o que ela estava fazendo ali, por que não estava em casa brincando de carrinho, ou na escola aprendendo a ler e escrever, mas pensei em algumas hipóteses no caminho para casa.

Estou acostumado a ver crianças vendendo balas, cuidando de carros, sustentando a família, isso passa toda semana na televisão. O que me surpreendeu e me deixou assustado foi que essa realidade saiu dos grandes centros. Ainda não tinha visto em Assis um garoto esperando o sinal fechar para oferecer doces aos motoristas.

Essa criança não está ali por acaso, não iria perder uma infância linda e sonhadora vendendo balas nas ruas de Assis. O pior é que, como esse menino, existem outros milhões de crianças e adolescentes espalhados pelas cidades do Brasil. A maioria daqueles que vivem nessa situação tem um passado marcado pela violência e desamparos, cresceu cercada de brigas, drogas, abusos, falta de alimentação. Não sei se o garoto mora com seus pais ou se esses estavam ali por perto, se ele estava tirando o sustento da família ou não, mas, com certeza, ele daria todas aquelas jujubas em troca de uma bola, um carrinho, uma casa.

Seus pais não podem ser julgados, apontados como principais responsáveis por essa realidade. Provavelmente eles não tiveram uma formação adequada, com uma vida diferente da que seu filho vive. O que dizer quando não há empregos e moradias, quando as verbas destinadas à educação são desviadas (“MEC diz que estados deixaram de repassar R$ 1,2 bilhão para ensino básico em 2009” – oglobo.com 10/5/ 2010), e quem pode ajudar essas pessoas acabam fingindo não enxergar o que está acontecendo.

Crianças e adolescentes não moram nas ruas porque querem, e sim porque não encontram em casa o carinho necessário, aquilo que eles precisam. As avenidas transmitem aos ingênuos jovens e crianças um sentimento de que tudo aquilo vai acabar, e o sofrimento é passageiro. Eles não têm controle emocional sobre as consequências que as ruas trazem, os vícios, as falsas amizades e os perigos. A rua representa liberdade, concluí.

Para ser sincero, não senti pena, apenas preocupação. Na minha época as crianças eram o futuro do país. Pensei nos motivos e consequências que aquelas jujubas traziam para o garoto. Tentei comparar com a minha infância: os mesmos desejos de criança, a ingenuidade nos atos, as palavras sinceras e a dependência de carinho e cuidado. Não consegui encontrar comparação.

Ao chegar ao meu destino, estava arrependido de não ter tirado as dúvidas que me afligiam. Queria ter perguntado, aconselhado, feito algo para tentar mudar a situação daquele garoto. Pensei em voltar no dia seguinte ao mesmo local, exatamente no mesmo horário, e exercer o meu papel de cidadão.

Amanheceu o dia e estava disposto a comprar as balas. Fui atrás do pequeno sonhador de olhos esbugalhados e cara de assustado, mas não o encontrei. Algumas hipóteses me fizeram pensar para onde foi aquele garoto, e até que ponto as consequências de uma vida nas ruas poderiam levá-lo.

Uma doce ilusão tomou conta de meus pensamentos. Tomara mesmo que com o dinheiro das vendas de jujubas o garoto tenha comprado sua casa e começado a estudar. Afinal, ele é o futuro do nosso Brasil varonil.

*Texto originalmente publicado em 2011

Kallil Dib
Enviado por Kallil Dib em 24/03/2014
Reeditado em 24/03/2014
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